SPFW N58: Normando
Normando estreia na SPFW N58 com olhar extraordinário do Brasil.
A Normando, do estilista Marco Normando e do fotógrafo Emidio Contente, apresentou a quinta coleção da marca e a primeira delas na SPFW, nesta quarta-feira (16.10).
A inspiração da dupla paraense é no movimento modernista do Norte do país, que aconteceu no início do século 20, antes e paralelamente às manifestações antropofágicas de São Paulo, em 1922.
SPFW N58: Normando Foto: Zé Takahashi @agfotosite
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Chamados de Vândalos do Apocalipse, o grupo nortista se reunia em associações como a Academia do Peixe Frito, no entorno do Mercado de Ferro, no Ver-o-Peso, em Belém. Lá, discutiam arte e literatura, usando o que havia de mais dândi na época – ainda que a origem social de alguns deles não fosse das mais privilegiadas.
No começo da apresentação, tocou o trecho mais famoso da ópera O Guarani, de Antônio Carlos Gomes, que, por sua vez, é baseada no romance de José de Alencar. Na obra, catalogada pela literatura portuguesa como indianista, o personagem indígena Peri é um heroi. O retrato romantizado celebra a ideia de “índio guerreiro”, mas não deixa de ser um olhar estrangeiro (dentro do próprio país) sobre povos originários.
SPFW N58: Normando Foto: Zé Takahashi @agfotosite
Leia mais: Confira o line-up completo da SPFW N58.
Nas roupas, a dupla decide transmitir uma perspectiva de dentro do universo amazônico – ou pelo menos mais próxima dele. A alfaiataria chega junto a tecnologias indígenas, como a cuia (eles lembram que o artefato ancestral é resultado de um processo químico complexo que envolve até urina humana). Aqui, o recipiente vira um top, vestido com saia lápis de seda e látex (com aparência de couro). A imagem final é de uma sobreposição de roupa de mergulho com look de escritório.
SPFW N58: Normando Foto: Zé Takahashi @agfotosite
Se o Norte do país é conhecido pela umidade, a presença da água é desdobrada desde os visuais à la marinheiro, passando pelos vestidos de seda com estampa de peixes de rio, como o tucunaré e o pirarucu, até chegar a jaquetas alongadas, tipo trench-coat
A alfaiataria é abaulada nas laterais, o que já se via na peça-assinatura da casa, a camisa vitória-régia, arredondada e com veios de costura que imitam o desenho da planta. Há paletós e casacos com ombros acentuados e um styling que puxa a história para momentos contemporâneos, como mulheres de gravata e homens de calcinha.
SPFW N58: Normando Foto: Zé Takahashi @agfotosite
A variedade de produtos é ampla, desejável e regional. O que parece uma calça jeans é, na verdade, uma peça de tecido de fibra de juta, algodão e malva (planta cultivada no Pará e em Rondônia) para fazer as vezes de um denim. O casaquinho não é couro, e, sim, látex amazônico. São itens brasileiros desde a espinha que se relacionam facilmente com o mundo todo.
A apresentação é também marcada por algumas ousadias, como conjuntos e vestidos que lembram pedaços de madeira (mas são tecidos estruturados com barbatanas, estampados e tingidos com café), longos dramáticos (um deles desfilado por Maria Stella Splendore, ex-modelo brasileira, hoje com 76 anos) e um top de marchetaria no formato do mapa do Brasil.
SPFW N58: Normando Foto: Zé Takahashi @agfotosite
A dupla pode até ser acusada de trabalhar ideias em excesso, mas não de falta de excepcionalidade. Em uma estreia, é louvável a disposição de se correr riscos, o que o próprio estilista Marco Normando afirmou ter levado a sério para se destacar. Permitir-se abraçar absurdos é também um jeito de fugir do senso comum.
Não é um exercício fácil pintar uma imagem particular do Brasil, com tantos arquétipos cristalizados por aí – ainda mais em um momento em que parece haver uma batalha de narrativas sobre o que é a moda brasileira e quem carrega essa bandeira. É preciso mais do que uma etiqueta made in brazil ou recorrer a atalhos fáceis de marketing para isso.
SPFW N58: Normando Foto: Zé Takahashi @agfotosite
No caso, a dupla prefere ampliar a observação para cantos não vistos, como as ripas molhadas das palafitas, os ecos de riqueza de um tempo em que a borracha fazia pingar dinheiro, as amplitudes de cores de um céu e de um rio e o efeito hipnótico de lendas que até hoje encantam e assombram.
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