SPFW sem filtro: Meninos Rei, Walério Araújo, Bold Strap e Greg Joey

O que pensa o time ELLE sobre os destaques do primeiro dia da semana de moda.


Walério Araújo. Foto: Agência Fotosite



E começou. Não sem aquela confusão básica de primeiro dia, com todo mundo meio perdido, informações cruzadas, dificuldades para entrar nas salas de desfile, encontrar os camarins e atrasos de quase duas horas. Faz parte, a gente sabe. E considerando a falta de estrutura da edição passada, esta 54ª São Paulo Fashion Week já mostra melhoras consideráveis.

Outra novidade é a venda de ingressos, sobre a qual falamos aqui. Só não ficou claro se as marcas cujos desfiles que entraram nos pacotes de convites pagos recebem alguma parte dessa verba. Segundo nossa apuração com alguns participantes, não. E isso é problemático. Ainda mais se, como afirmou Paulo Borges, diretor criativo da SPFW, ao jornal Folha de S. Paulo, o evento se paga com as cotas de patrocínio, sem uso de leis de incentivo.

Imagina Caetano Veloso fazendo um show sem receber nada, com todo dinheiro da bilheteria indo só para a produção ou para o festival. Pois é, Paula Lavigne jamais aceitaria. Se a SPFW tem como objetivo incentivar e fomentar a moda brasileira, tá aí um ponto que precisa ser revisto com urgência.

Ainda assim, a abertura para um público pagante, apesar de ter dado uma atrapalhada extra na organização, é bem-vinda. Até deu uma outra energia para a semana de moda. Inclusive nas passarelas.

No Komplexo Tempo, principal QG desta SPFW, no bairro da Mooca, coube aos estilistas Céu e Júnior Rocha, da Meninos Rei, dar o tom de mudança nesse primeiro dia. Quem acompanhou as primeiras apresentações da marca soteropolitana deve ter guardado na memória imagens bastante impactantes e roupas igualmente poderosas. Dessa vez, no entanto, os irmãos abaixam um pouco o tom, sem perder a potência.

Quem conta é a repórter Lelê Santhana:

“Agora, as formas e volumes não vem tão grandiosos como nas coleções anteriores. Existiu um empenho declarado em fazer roupas funcionais e versáteis. Para isso, havia uma condição: todos os corpos deveriam ser contemplados.

É que inclusão e diversidade estão entre os pilares da Meninos Rei. Daí o casting com uma grande variedade de corpos. Outro elemento essencial que continua presente são os tecidos vindos do continente africano, principalmente de Guiné-Bissau, e trabalhados com aquele patchwork matemático que tanto impressiona.

O desfile começa com Psirico (ao vivo!) e termina com uma música do O Poeta. A intenção era valorizar as culturas locais subjugadas. Como nos contaram Céu e Júnior, a arte foi uma ferramenta de salvação para a dupla e é isso que eles esperam para as crianças e jovens com o destino traçado por uma sociedade desigual.”

Fato é que o tema focado em manifestações da cultura popular proporcionou uma visão completamente nova – ou ainda não vista – da moda da Meninos Rei. Menos complexa e mais próxima do que muita gente quer e está usando – só que com toda qualidade e sofisticação de construção da marca –, a coleção cresce com uma maior oferta de produtos, diferentes materiais e uma linguagem mais abrangente.

Nos últimos anos, falou-se muito sobre a importância do engajamento, do discurso e do já cansado propósito. Tudo verdade e necessário. Porém, no meio disso tudo, parece que esqueceram que moda é também sobre mercado, sobre vendas. E tudo bem. Uma coisa não exclui a outra, como ficou bem exemplificado hoje.

Walério Araújo foi outro que mostrou um desfile cheio de produtos, como há tempos não fazia, e sem perder o élan. 

A repórter Giuliana Mesquita fala mais:

“Seguindo a mesma linha das temporadas internacionais, Walério trouxe um tom sombrio à sua coleção. Inspirado no estilo gótico, os looks são (quase) todos pretos, pontuados por alguns fúcsia e roxo. Mas Walério é Walério, né? Então tem muita sensualidade, pele à mostra e brilho.

Croppeds, calças de cintura baixíssima (muito cofrinho aparente), um body com fio dental com uma cruz na frente, franjas brilhantes, balaclavas, vestidos de correntes, pelúcias em saias longas e corsets são só alguns dos itens que cruzaram a passarela.

Do gótico vem também o lado romântico da coleção, com macacões de renda, saias volumosas de tule e golas de pena, e até um body rosa com coração de pedraria vermelha. É como se o estilista reinterpretasse alguns dos clássicos da sua estética em versão mais dark — mas nunca menos glamurosa e divertida!”

Foi justamente desse balanço entre identidade, drama e alinhamento às vontades de moda atuais que a coleção ganhou destaque para além da performance. Tem história, emoção, imagem e também muita coisa para usar naqueles momentos de montação mais ou menos ousadas. Vide o vestido de couro com fechos dourados, a calça de alfaiataria com top arrematado por um laço nas costas ou as peças de jeans com as iniciais do estilista.

Na Bold Strap, o que começou como uma marca de underwear masculina, e bem focada no segmento S&M e fetichista, hoje já pode ser vista como uma grife de lingerie completa e nada limitada a nichos específicos (ou quase). 

Quem comenta é o editor Gabriel Monteiro:

“A principal provocação veio do stylist João Ribeiro: mergulhar numa Flórida do início dos anos 2000, com seus tons pastel misturados com neon e toda aquela delícia de um eterno mood de férias, de quem só pensa no bronze, colocar um bom biquininho e, no máximo, refletir sobre o próximo drink.

É um pensamento que segue as grandes tendências que estamos vendo por aí, como os anos 2000, o ultrafeminino, o barbiecore. O exagero, aliás, virou fantasia. E, por isso, alienígenas entram na onda. Seres de pele roxa, verde ou laranja, com guelras e outras saliências no rosto, cruzam a passarela. 

‘Peguei tudo aquilo que não faria e fiz de um jeito exagerado’. Foi assim que Peu Andrade, diretor criativo da Bold Strap, explicou o movimento de ter saído do clima Motomami da temporada passada para uma Miami Beach forrada de ETs com jeito de patricinha.

O resultado é divertido, com destaque, inclusive, para os momentos de extravagância, como os cabelos retrô, com cara de anos 1970, as unhas enormes e cheias de strass, ou os minivestidos com detalhes De frufrus. É interessante também ver como o jeans dá mais as caras, assim como os looks feitos de látex (uma parceria com Jalaconda) para complementar a cartela de materiais da marca.”

Por fim, menção honrosa ao estreante do dia, Lucas Danuello, da marca Greg Joey, que  mirou no terror de alguns filmes do gênero dos anos 1980 e 90 – Hellraiser, Sleepaway camp, Scream e The house on sorority row –  e acertou na beleza que muita gente anda desejando. A ideia era exatamente essa: questionar o que se considera belo e grotesco a partir de construções socioculturais.

Conceitos à parte, a coleção traz alguns dos elementos já conhecidos da etiqueta, como os camisões de seda ou algodão com detalhes plissados, combinados a camisetas tipo de banda, com estampas fotográficas e tipografia inspirada nos logos de grupos do rock. Tudo com aquela silhueta longa e ampla que o estilista chama de sua desde o fim de 2018, quando lançou o negócio.

Lucas é bem próximo de Rafaella Caniello, da Neriage. São amigos, estudaram juntos e já tiveram trocas profissionais. Compreensivelmente, ele detesta comparações ou até esse tipo de associação. Porém, é inegável a confluência de estilos e inspirações. São fatos, e influências bem naturais. Então, se alguém ver alguma similaridade, não é, assim, tão mera coincidência. Ainda que, na Greg Joey, tudo tenha uma outra aparência e interpretação.

Prova disso são os destaques da coleção. Para seu debut, o estilista trabalhou com uma linha de alfaiataria bem especial. As calças são onde ele se sai melhor, pelo menos quando os tecidos são mais leves. Quando encorpam, como nos jeans escuros, aí é puro deleite. Além de uma construção e modelagem mais bem resolvida, a imagem casa perfeitamente com o tema, styling e beleza e mostra todo o potencial ali guardado.

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