Temporada de moda masculina é feminina e lisérgica
Alfaiataria delicada, cores desbotadas e fuga (seja pela praia ou com alucinógenos) marcam as coleções de verão 2022 feitas para eles.
As semanas de moda estão mais pulverizadas do que nunca, então dá para dizer que ao longo de todo o mês de junho rolaram apresentações de coleções de moda masculina para o verão de 2022.
Existe sempre a ala mais tradicional com roupas práticas, comerciais, seguras e que, neste período, não saiu muito do lugar. E, de fato, muitos vão argumentar, não é lá momento para apostas altas. Por isso, dá para pinçar algumas tendências de moda masculina logo de cara.
Principais tendências de moda masculina verão 2022
No que diz respeito ao formato dos looks, há uma série de casacos alongados ou de segundas peles bem grudadas, como mostrou a Vetements. A calça segue ampla e, às vezes, com o efeito cargo, de bolsos quadrados e volumosos nas laterais, aparecendo nelas e também em camisas e jaquetas.
Verão 2022 da Ermenegildo Zegna
Vale também ficar de olho nos tricôs, que começam a dar as caras e estão mais finos, lembrando a trama de uma polo. Em alguns momentos, têm até recortes inusitados, como desfilou a Burberry. Se for para investir em uma cor, o sinal é verde, com todo perdão pelo trocadilho. Da versão pastel à fluorescente, esse é o tom da vez.
No entanto, a gente curte mais quem olha para frente, traz propostas novas e nos faz pensar. E, sim, tiveram algumas marcas mais saidinhas nesta estação, com ideias mais provocativas. Dá para resumir elas em dois grandes grupos: as que experimentaram signos historicamente entendidos como femininos e as que se permitiram ficar doidonas, chapadas mesmo, e se deixaram cair em delírio – o do tipo bom, sem bad.
Existe uma temática que une tudo isso aí que é o desejo e a necessidade por uma boa escapada. Nas coleções de verão, essa vontade de fuga foi encontrada principalmente à beira-mar, no tradicional bucolismo campestre e nos alucinógenos. Estamos falando de setentismo, liberdade pura, psicodelia e “high by the beach”. Teve até quem realmente juntou tudo, mascou o cogumelo na orla e entrou numas. De certo, uma resposta coletiva ao último ano pandêmico.
Verão 2022 da Erdem
A Erdem, por exemplo, explorou a relação com a praia. Vale pontuar que essa visão gringa de praia é diferente da que a gente tem por aqui, que é aquela ferveção tropical. Por lá, a ideia praiana bebe da crença secular de que a maresia cura (vide a talassoterapia e os sanatórios marítimos que foram indicados no final do século 19 e começo do século 20, na Europa, para tratar tuberculose). E, convenhamos, o conceito cola bem com o momento atual, em que vários países ainda seguem doentes e outros levantam ressaqueados do trauma Covid.
A Prada também foi praieira nesta temporada. A marca italiana veio com uma modelagem de roupa de mergulho, meio aqualouco, em referência aos primórdios das vestes de banho masculina, mais próxima do maiô do que da sunga. A coleção de verão também sugeriu comprimentos micro, macaquinhos acinturados, decotes pouco convencionais e sapatos com aplicações de flores.
Verão 2022 da Prada
Rick Owens também fez da praia o cenário de sua coleção de verão, com direito a modelos caminhando na areia com calças amplas, vestidos-camisola e até blusão coberto por plumas. E a Courrèges, apesar de não ter ambientado um desfile à beira mar, veio também com modelagens de macacão grudado ao corpo, como um body.
O flerte litorâneo influenciou também a preferência por sandálias. Não importa se vamos passar outros meses dentro de casa ou se veremos uma reabertura gradual para o mundo exterior, o calçado da vez segue confortável – e não é um tênis. Existe até um livramento das meias, priorizando sapatos e chinelos abertos e aconchegantes, que deixam as canelas à mostra.
Estamos falando de plumas, maiô, macaquinho e comprimentos mínimos em uma temporada de moda masculina. Ou seja, outro grande acontecimento desta temporada foi o mergulho naquilo que, convencionalmente, considera-se feminino.
Verão 2022 da Fendi
Um bom exemplo disso foi a Fendi, que desfilou em Roma. A grife ousou no comprimento: do short micro à alfaiataria cropped (isso mesmo, o conjunto de paletó, camisa e gravata cortado logo abaixo do peito). A grife também priorizou os tecidos delicados, como a seda e o cetim. A brincadeira de levar a alfaiataria para um lado mais sensível também esteve na Dior, com costumes que lembram os anos 1920. Meio Great Gatsby, sabe?
Olhar sem medo para o vestuário feminino no masculino foi algo que João Pimenta também levou para seu mais recente desfile na São Paulo Fashion Week. O estilista, que é um dos grandes representantes na pesquisa de gênero na moda nacional, fez questão de dizer que sua nova coleção de verão é uma das mais livres. “Androginia”, ele classificou.
E androginia é um termo que se encaixa bem nesta temporada (ainda que possa ser muito mais explorado), porque há um esforço legítimo de cruzar os elementos de moda enraizados nos gêneros masculinos e femininos.
O termo agênero, como há tempos tem sido usado, soa tão insosso quanto de fato é. Prova disso é o fato de nenhuma linha autoproclamada agênero ter avançado para muito além de uma camiseta básica, cinza e larga. Já a androginia, por outro lado, parece saborear mais o que há de interessante nos opostos em uma mesma garfada. E o sabor funciona muito bem junto.
Este esforço de reunir estereótipos femininos abre a possibilidade do guarda-roupa masculino para maior delicadeza e excesso, sensibilidade e fluidez, libertação e ousadia. Mas esse homem feminino também está em interpretações mais fáceis, bem possíveis, que aparecem sobretudo na paleta de cores. Está na Fendi, inclusive, uma série de tons pastel que são menos doces e mais desbotados, e que também foram explorados na Lanvin, na Ermenegildo Zegna e na Jil Sander.
Verão 2022 da Jil Sander
O espírito libertário seguiu também na Louis Vuitton. Saias plissadas, longas e volumosas são colocadas em um lugar de poder quando vistas pela lente samurai. Os casacos são tão compridos a ponto de virar vestidos, os blazers tão curtos que, arrematados por um cinto, formam um peplum, aquele voluminho ou anca na altura da cintura, quase New Look.
A apresentação da Vuitton é poética, lúdica e lembra um pouco Thom Browne. E essa pitada de loucura vai ecoar em outro destaque da temporada: a lisergia como tema, no uso de cores explosivas à uma viagem de ácido.
Verão 2022 da JW Anderson
A psicodelia solar dos anos 1970 vem sendo recuperada na cultura, como nos hits Watermelon Sugar, de Harry Styles, e Solar Power, de Lorde, e a moda não fica de fora. O tema, aliás, foi até assunto de uma matéria do Volume 4, da ELLE impressa. Da versão mais comportadinha, como nos shorts de tricô e paleta de pôr do sol, da Wales Bonner, e os patchworks antiguinhos, da Ahluwalia, à explosão que é quase de rave com cores fluorescentes e clima de risadinha com amigos na Loewe. Na Etro, a vibe é apresentada com estampas Paisley. E na JW Anderson, com cores puras, um sonho maluco.
Verão 2022 da Loewe
Pode ser difícil classificar a melhor coleção de verão da temporada, mas é importante reconhecer quando uma marca capta o espírito do tempo, reunindo tudo isso que foi falado até agora em uma mesma coleção. Foi o caso de Dries Van Noten. Homenageando a Antuérpia, um dos berços da moda contemporânea, o estilista fotografou seus modelos do amanhecer ao cair da noite, em ambientes que vão do porto à boate. Reflete muito aquilo que a gente quer: mar e fervo, sol e um pouco de luz neon. Baita saudade da vida, né não?
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