Insônia, apneia, sono picado: por que estamos dormindo tão mal?

Dorme-se cada vez pior, mas dois grupos específicos têm mais propensão a noites turbulentas. Veja se você faz parte deles e saiba como ter um sono melhor. 


ilustração de mulher com insônia
Ilustração: Gustavo Balducci



Estamos dormindo mal. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 72% das pessoas sofrem algum tipo de alteração, como insônia e outros distúrbios, na hora de dormir. De modo geral, a qualidade do sono da população vem caindo nos últimos anos – e pode pôr na lista de culpados a luz azul de dispositivos eletrônicos, que inibe a produção da melatonina, hormônio que estimula o descanso. Mas, para além das interferências da tecnologia e da vida online, outros dois grupos específicos têm mais complicações quando o assunto é a qualidade do sono.

Uma análise global realizada em 2023 com cerca de 20 mil pessoas mostrou que as mulheres e a geração X (pessoas nascidas entre 1965 e 1981) são os mais impactados. Segundo o estudo, 52% das mulheres são mais propensas a acordar pela manhã com uma sensação negativa e 26% afirmam que estão cansadas quando se levantam. O estudo foi conduzido pela ResMed, empresa de dispositivos médicos para tratar apneia (distúrbio do sono que faz com que a respiração seja mais superficial ou até mesmo falha por instantes) e outros problemas respiratórios.

Além de uma predisposição biológica a distúrbios como insônia e apneia, elementos sociais, culturais e econômicos acabam interferindo mais na qualidade de sono das mulheres, apontam especialistas. Em relação ao aspecto biológico, no entanto, é importante frisar que se trata de uma predisposição, não determinação.

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“A mulher, desde que entra na menarca (primeira menstruação), começa a ter alterações no sono, por questões hormonais. Passado isso, vem a gravidez, como outro momento que pode gerar mudanças”, explica a fisioterapeuta do sono e clinical innovation lead da ResMed, Sofia Furlan.

“No primeiro trimestre, ela fica mais sonolenta. No segundo, com o sono mais repicado, pois o crescimento da barriga aumenta as chances de ter apneia. No terceiro, ela tem mais alterações hormonais que influenciam”, complementa.

Muitas vezes, as complicações com o sono na gestação permanecem ou surgem após esse período. Para a juíza Andrea*, de 39 anos, a insônia apareceu pela primeira vez três meses depois de ter tido sua primeira filha, em 2019. “A minha insônia é grave. Eu tenho problema em manter o sono e também de despertar precocemente. Possuo apneia leve e também faço tratamento com fonoaudiólogo. A minha insônia está associada, além da apneia, à ansiedade”, conta.

Menopausa e questões sociais

Outro momento biológico destacado é a menopausa. “A pesquisa mostra que mulheres que estão na faixa etária de transição para a menopausa, em função da queda da progesterona e do estradiol (hormônios), têm maior suscetibilidade de desenvolver apneia”, afirma a psicóloga do sono Katie Almondes. “Quem tem apneia obstrutiva faz os ciclos do sono, mas não aprofunda, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia e professora da UFRN. O resultado disso é fadiga e cansaço.” Além disso, as ondas de calor típicas dessa fase têm também uma ligação com a insônia.

De acordo com o mesmo estudo da ResMed, 36% das mulheres relatam que a ansiedade ou a depressão as mantêm acordadas à noite. “Elas têm muitas vezes uma tripla jornada. A mulher não só estuda, como trabalha e tem uma rotina doméstica. Essa conta não fecha em termos de horas para dormir e horas acordadas”, explica Katie.

“A insônia é incapacitante. (Antes do tratamento) ela provocava queda de concentração, dores no corpo e mudanças no humor, memória e hormônios”, lembra Andrea. “Me manter produtiva com o grau de insônia que eu tinha era possível só com medicação. Não tinha como me manter produtiva como mãe, esposa e profissional sem ter nada me ajudando.” A juíza faz terapia cognitiva comportamental voltada à insônia, é acompanhada por um psiquiatra e, atualmente, está em fase de desmame da medicação. 

Com o acúmulo de tarefas, as mulheres acabam se deitando mais tarde e levantando mais cedo, ou seja, dispõem de menos horas para dormir, pontua Sofia Furlan, da ResMed. “Ela também tem mais tendência a insônia, pois pensa mais antes de dormir. O tempo de latência, de pegar no sono, é maior do que o do homem. Assim como a fragmentação (do sono) é mais comum”, afirma. “Alguns estudos até mostram que a mulher pode dormir mais, mas a qualidade do sono é reduzida no comparativo com os homens.” 

Geração X e envelhecimento

Já em relação ao segundo grupo levantado pela pesquisa, o das pessoas nascidas entre 1965 e 1981 (sem recorte de gênero), o professor de neurociência da UFRN John Fontenele Araújo elenca a falta de atividade física como um fator que atrapalha o sono. “Há um aumento do sedentarismo nessa faixa, próxima aos 60. Quando estudamos uma população idosa sedentária e com atividade social reduzida, provavelmente há mais distúrbios do sono.”

O estresse também aparece como um ponto ligado à má qualidade de sono desse grupo específico. “Você soma duas coisas: a condição de estar chegando à fase de senescência, que é uma preocupação, e a redução de atividades, já que nos próximos anos você provavelmente vai se aposentar.” A partir dessas questões, surgem questionamentos – e a ansiedade – que atrapalham na hora de dormir. 

“O mercado de trabalho é muito ameaçador para essa população, porque muda-se rapidamente a forma e o tipo de profissões. Isso faz com que esse grupo esteja estressado, pois antes ele tinha maior segurança da atividade profissional”, avalia o professor. “Agora, é superado por mecanismos tecnológicos ou substituído por um grupo mais jovem.”

Andropausa

Em relação às mudanças hormonais nos homens nessa fase (andropausa) que poderiam influenciar o sono, a psicóloga Katie Almondes destaca que elas podem piorar quadros pré-existentes, mas não têm a magnitude do efeito da menopausa para as mulheres.

No contexto social, para eles, há uma ansiedade por desempenho e uma competição pelo nível de competência, destaca Katie. “Socialmente, os homens ficam mais centrados no trabalho (do que no núcleo familiar)”, explica. Já no caso das mulheres, como mencionado, há também outras preocupações além do trabalho.

Tempo para todos

De qualquer forma, o envelhecimento do corpo contribui para mudanças no sono em qualquer pessoa. “Nesse ponto, não precisamos separar entre mulheres e homens. Com o envelhecimento, a pessoa tem o que chamamos de avanço de fase de sono”, explica Sofia, da ResMed. “O pico da melatonina vai ser liberado antes, então, esse sujeito vai dormir mais cedo e despertar mais cedo. Porém ele não tem o sono profundo com a mesma qualidade, pois não tem mais tanto os hormônios que o sustentam”, complementa.

Mas você não precisa se conformar em dormir mal. Confira, a seguir, algumas dicas para combater a insônia e ter uma boa noite de descanso.

Dicas para evitar a insônia e dormir melhor

Deixe as telas de lado à noite

A luz azul inibe a produção de melatonina, hormônio que estimula o sono.

Crie uma rotina de sono

Ao deitar e acordar em horários parecidos todos os dias, o seu organismo se acostuma melhor e entende a hora de repousar.

Evite café

Procure não ingerir a bebida até seis horas antes de dormir.

Evite o tabagismo

A dependência química do cigarro pode atrapalhar o sono.

Mantenha-se ativo

Exercícios físicos aliviam o estresse e tensões que podem atrapalhar o sono. Mas evite se exercitar perto da hora de dormir, pois dessa forma o seu organismo é acelerado.

Não trabalhe da cama

Este local deve gerar conforto e relaxamento, não tensão e agitação. Procure não levar o computador para a cama!

Banho relaxante

Tomar um banho de duas a três horas antes de dormir pode ajudar

Aqueça os pés

O uso de meias, principalmente para quem tem o pé frio, é indicado.

Evite cochilos prolongados

Cerca de 30 minutos após o almoço é o tempo limite indicado

Fonte: Cartilha do Sono, elaborada pela ABS (Associação Brasileira do Sono). 

*Nome trocado a pedido da entrevistada.

 

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