O curioso caso das mulheres que envelheceram aos 30 anos
O tempo sempre foi visto como nosso inimigo, mas nunca tão cedo como agora. Parte de uma geração que ainda não chegou ou está no auge da produtividade vive a angústia de precisar realizar planos e ter tudo antes que seja tarde demais. Para algumas, já é.
Essa reportagem nasceu de uma inquietação pessoal. Tenho 36 anos e, há mais ou menos dois, uma fala tem sido recorrente entre algumas amigas e mulheres conhecidas do meu círculo social: “já estou velha demais para isso”, dita num tom de sofrimento e brincadeira disfarçados, inclusive por mim. Todas elas estão na faixa dos 30 a 40 anos, no auge da produtividade. Algumas mais estabelecidas financeiramente, outras menos. Algumas casadas, outras solteiras, outras com filhos; mas todas com alguma coisa em comum: um olhar na falta e outro na data que as acompanha, implacavelmente, no RG. Será que ainda dá tempo de realizar meus projetos? Será muito tarde? Ou estamos nos sentindo velhas cedo demais? Afinal, de onde vem tanta preocupação com o tempo que insiste em passar? Em busca de respostas e um certo alento para minha ansiedade, logo me deparei com quem, há mais de 30 anos, estuda as mulheres e as questões de gênero: a professora e doutora em antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Mirian Goldenberg.
“No Brasil, existe uma extrema valorização do corpo jovem e magro, por isso as brasileiras têm pânico de envelhecer. E isso significa que elas envelhecem muito cedo. Mesmo antes dos 30, já começam a olhar rugas, celulites, a se preocupar muito com a dificuldade de emagrecer, com os cabelos brancos. Mas não é apenas uma questão estética, também envelhecemos muito cedo psicologicamente”, diz ela, citando todos os papéis que a sociedade cobra naturalmente das mulheres: ser bem-sucedida profissionalmente, esposa dedicada, mãe full time e ainda estar sempre bonita e pronta, seja para o que for, e com cada vez menos idade. “De acordo com a curva da felicidade, que forma um U, as mulheres de 40, às vezes mais jovens, até os 50 anos, estão no ponto mais baixo: são as que mais se sentem infelizes, exaustas, insatisfeitas e frustradas. Elas dizem que sentem falta de tempo para elas mesmas, de reconhecimento e, principalmente, de liberdade”, explica Mirian. Soma-se a isso a associação da velhice à ideia de decadência e diminuição da vitalidade e capacidade em todas as áreas. “O desconhecido angustia e é na mente que se instala o verdadeiro sofrimento, porque o preconceito é muito limitante. Não é fácil lidar com a possibilidade da exclusão, do abandono e de deixar de existir e ser desejada”, complementa o psiquiatra Cirilo Tissot.
“Completar 26 anos é horrível”
A produtora freelancer Elena Pinheiro* conta que sua crise “da meia idade” se intensificou com a chegada dos 26 anos e do isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19. “Comecei a pensar no que eu não fiz, nas experiências que eu não tive, e que vai ser tarde para fazer tudo depois. Ou melhor, já é tarde agora. É um sentimento novo, tem mexido comigo”, conta ela, que nesse ano, de acordo com suas expectativas, deveria ter viajado à Londres para visitar um primo, estar com um emprego fixo e já vivendo um amor, de preferência, atrelado a um relacionamento estável. “Continuo tocando minha vida, mas acho que nunca mais vou me apaixonar de novo, estou velha e desinteressante. Não tenho mais saco. Sinto que não vivi nada. O que eu fiz da minha vida?”, reflete. Apesar de não saber explicar muito bem de onde vem esse sentimento, Elena dá como exemplo os personagens de séries que assistia, como Girls, Sex and the City e Friends. “Aos 30, eles têm mais noção do que querem e estão fazendo das suas vidas. E sempre tive essa construção social na minha cabeça de que deveria ser assim.”
O referencial das séries de TV, no entanto, não sobrevive a uma volta nas vizinhanças. A designer de estampas Carol Moraes, por exemplo, contraria o perfil almejado por Elena. Aos 30 anos feitos este mês, ela ainda tem mais dúvidas do que certezas. Sem emprego fixo, voltou a morar recentemente com os pais e mostra preocupação com as marcas do tempo, que já aparecem no rosto. “Eu me cobro muito. O número me assusta, percebo que ainda estou muito desestabilizada com essa idade. Com o tempo, vêm as rugas, cabelo branco é visto como sinal de desleixo, você vai ganhando peso e é recriminada. Se torna descartável, e eu me sinto descartável. Quem vai querer empregar uma mulher assim?”, questiona.
Prazo de validade vencido
Para além da nossa “vida real”, o mundo da TV e do cinema é ainda mais cruel com as mulheres que insistem em envelhecer – retrato do machismo e da velhofobia refletido em todo o mundo, e com mais intensidade no continente americano, segundo Mirian Goldenberg. No ano passado, a cantora Bebe Rexha, então com 29 anos, contou que um produtor musical disse que ela era muito velha para ser sexy. Quando tinha 33 anos, Anne Hathaway declarou em entrevista sentir estar perdendo papéis para atrizes na faixa dos 20. Em 1986, ao fazer 40 anos, a atriz e cantora Cher ouviu que era “velha demais e nada sexy” para integrar o elenco do longa As Bruxas de Eastwick. Aos 37, em 2015, Maggie Gyllenhaal foi recusada para interpretar a mulher de um homem de 55, por causa da “idade avançada”. E a lista de exemplos é longa. Vale destacar também que desde que a cerimônia do Oscar foi criada, em 1929, só 28 atrizes com mais de 50 anos foram premiadas com a estatueta. Entre os homens, esse número dobra.
“Ser jovem representa liberdade, poder fazer muitos projetos para o futuro, ter a invencibilidade, a alegria e a beleza. Tudo pode ser desbravado e isso é muito atrativo, ninguém quer perder. A pressão que acontece é, logicamente, exercida pelos homens. Eles são muito visuais e a mulher se sente cobrada a ter uma aparência cada vez mais jovem para compensar a idade. Por isso há essa corrida desenfreada pelos procedimentos estéticos aos montes”, afirma a terapeuta Grace Falcão.
Mas será que apenas um número tem tanto poder para definir o que é ser velho ou jovem? Para Daniela de Oliveira, psicóloga integrante do ambulatório de Medicina e Estilo de Vida do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), isso tem mais a ver com uma questão simples: movimento. “Um dos princípios da ioga diz que você é tão jovem quanto a flexibilidade da sua espinha, e estar ativo mentalmente, fisicamente, é uma questão de dar movimento à vida. O que define uma pessoa jovem? É quem consegue acompanhar essas ondas de movimento”, conta a profissional.
Mesmo seguindo esse conceito e tendo uma rotina muito ativa, incluindo baladas e festas aos finais de semana antes da pandemia, além de passeio com os filhos de 11, 10 e 6 anos, a atriz e professora de inglês Nayara Nascimento* não aceita seus 40 anos recém-completados. Revelar a verdadeira idade, inclusive, só sob a condição de não divulgar seu nome real. “Quando fiz 30, senti uma certa melancolia, mas estava até bem. Foi no ano passado, aos 39, que minha ficha caiu. E fazer 40 foi um baque absurdo. Eu até havia planejado uma festa, estava com tudo programado, mas por causa da pandemia não deu certo. Foi uma semana de depressão horrorosa”, explica Nayara, que desde então passou a mentir a idade. Como conhecedora do universo artístico, ela reafirma o preconceito etário existente dos palcos dos teatros paulistanos ao universo hollywoodiano. “Quando era nova, podia fazer qualquer papel e agora eles são muito limitados. Nunca fui uma princesa, papel sempre dado à menina de até 18 anos. No meu momento de ser a princesa, eu era gordinha. E quando emagreci, já era velha. A época para batalhar pelo meu sonho já passou, agora é viver a realidade”, decreta, resignada.
Um outro componente bastante importante para aumentar a angústia das mulheres em relação ao envelhecimento vem, é claro, das redes sociais, onde tudo é belo e os filtros tornam tudo mais harmônico. As influenciadoras digitais muito jovens são praticamente supermulheres: poderosas, ricas e sempre felizes. “O filtro do Instagram é, hoje, o equivalente à maquiagem de antigamente. Seja na vida real ou na rede social, você quer estar mais jovem e bonito”, diz o especialista em marketing de influência, Murilo Oliveira. “Mas essa influenciadora bem-sucedida em todas as áreas da vida antes dos 30 é a exceção, não a regra. As redes sociais dão esse estímulo de querer conquistar seus objetivos mais rápido, exercendo uma pressão sobre as mulheres. Só que tudo o que almejamos vem com a maturidade e com o próprio passar dos anos mesmo”, pondera Murilo. A psicóloga Daniela compartilha da mesma opinião. “Existe uma pressa, uma urgência, em que tudo tem que ser para ontem. Queremos acelerar os processos e pular etapas. E esperar é essencial para que a vida aconteça. Uma mulher não vai ficar madura, tomar todas as decisões e resolver uma vida inteira aos 20, 30 anos, isso não existe.”
Um grito de liberdade
Se você chegou até aqui, provavelmente deve estar se perguntando: o que parte dessa geração de mulheres de 20, 30 e 40 anos pode fazer, então, para pelo menos aceitar o inevitável sem tanto sofrimento? Afinal, o tempo não para e essa é a única certeza da vida: a de que estamos, todos os dias, envelhecendo. Com a palavra, uma mulher que está próxima dos 70 e já descobriu como é ser feliz assim. “Ou vivemos no futuro, que gera ansiedade, ou no passado, que gera medo. O medo traz o passado ao presente; já a confiança leva o presente ao futuro. E essa confiança vem com o caminhar e a maturidade. O conselho é: se ame, e depois aos outros. Quando você se ama, a liberdade é maior”, explica Leila Navarro, palestrante e escritora.
Mirian Goldenberg descobriu em suas pesquisas que a libertação das brasileiras rumo a autoaceitação e felicidade vem a partir dos 50, quando a curva da felicidade volta a subir, equiparando-se a quando éramos muito jovens. Mas não é preciso esperar infeliz até lá. Há uma luz no fim do túnel: “Pare de olhar para o que falta, para as comparações, e valorize suas conquistas. É possível ser você mesma, mais livre e mais feliz, a partir da própria verdade e vontade, algo que as mulheres de 50 e 60 que já entrevistei queriam ter sabido antes. Elas não querem mais agradar a todo mundo, aprenderam a dizer não. Isso é revolucionário”. E continua. “Então, eu diria para as mais jovens: não esperem. Tenham a coragem existencial de buscar a própria verdade agora. Isso é muito difícil, porque a cobrança social é imensa para que nos ajustemos ao modelo de ser mulher. Mas quando uma mulher se liberta, ela ajuda também a libertar outras”, finaliza.
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