Jacqueline Terpins fala sobre Rastros, série de objetos e mobiliário inspirada na Chapada Diamantina
Entre a impermanência do ser e a permanência (mutável) da natureza, Jacqueline Terpins cria obras cápsula de histórias.
Jacqueline Terpins está entre nós, quer dizer, no radar das artes e da fama, desde a década de 1970, quando participou de grupos de estudos com Ivan Serpa, seu grande mentor, e uma espécie de padrinho de seu casamento com o vidro soprado – foi ele quem apresentou um documentário sobre a técnica e fez Jac se apaixonar. Ou seja, ela não é nenhuma novata. Pelo contrário. Ainda assim, eis que, na última SP-Arte, as obras da artista, nascida na Paraíba, criada no Rio de Janeiro e radicada em São Paulo, tinham algo de novo, de estreia. “Sempre fui autoral, mas direi que agora estou mais, porque resolvi dar uma detonada, não é?”, afirma em tom de brincadeira.
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Designer e artista Jacqueline Terpins. Foto: Andrés Otero.
Por detonada, entenda uma maneira inédita de trabalhar o cristal e a madeira, duas matérias-primas que fazem parte do seu repertório, de modo que pareçam de fato terem sido afetados pela ação do tempo. Pela destruição até. Um certo brutalismo, mesmo que polido, nunca antes atrelado à produção da artista, sempre mais descrita como feminina, sensual. “Você passa a mão e sente uma textura interessantíssima. Está tudo fechadinho, lindinho, cauterizado. Mas ela sofreu o choque (térmico) de qualquer maneira. Assim como nós”, diz, citando as peças feitas com a tradicional técnica vidreira do craquelê, que parecem trincadas, rachadas, com cicatrizes. Prestes a ruir. “Você cria fissuras e literalmente as cauteriza depois. Então, tem a beleza da coisa que está quase quebrada, mas está com brilho.”
Obra Origem, da coleção Rastros, de Jacqueline Terpins. Foto: Andrés Otero
Esse equilíbrio entre esvair e resistir, o que é breve e o que se transforma, é o cerne de Rastros, série composta de objetos e mobiliário inspirados pela Chapada Diamantina, na Bahia. Mais precisamente naquilo que o olho nem sempre procura. “Ao contrário da amplidão, que normalmente as pessoas buscam na Chapada, do Morro do Pai Inácio, dessa visão do todo, fui para as grutas e cavernas”, conta. “Para onde eu conseguia ver de perto o tempo impregnado e, ainda assim, perceber que nada é estático. Tudo está em constante transformação.”
Obra Rochoso, da coleção Rastros, de Jacqueline Terpins. Foto: Andrés Otero
Fascinada pela natureza e ciente da finitude da vida – Jac perdeu o marido antes dos 40 anos –, a artista é movida pela emoção. Antes da forma, da criação propriamente dita, vem sempre a sensação. Antes do forno, o espanto. Foi nas cavernas Torrinha e da Fumaça, por exemplo, que ela se encantou com as estalactites, esse fenômeno da natureza que, com paciência de sobra, transforma o pingo d’água, somado aos minérios que ele carrega, em formação rochosa. “É de perder o fôlego. Fica aquela gota suspensa, comprida, que, às vezes, pinga no chão. E que, quando pinga, cria estalagmites e uma vai de encontro à outra.”
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Detalhe da obra Rochoso, da coleção Rastros, de vidro soprado com efeito craquelê, uma tradicional técnica vidreira. Foto: Andrés Otero
Veio daí a ideia do vaso Estalactite, feito com cristal em temperatura próxima a 900 ºC, alongado ainda quente e trabalhado com ferramentas manuais nas pontas para ganhar o aspecto plástico necessário. “Eu tenho um método criativo que é o de procurar coisas que estão despertando o meu interesse e, quando me defronto com elas, não tenho outra palavra, eu me emociono. A emoção é o meu parâmetro, minha baliza, porque, quando ela vem, sei que vou voltar para o hotel e começar a desenhar. Voltar para São Paulo e desenhar mais ainda. Acredito que, se me emocionei, tenho grande chance de fazer um trabalho que emocione as pessoas. Porque, no fundo, é isso o que importa, não?”
Da mesma forma, primeiro com deslumbre, depois com fotografias, estudos e desenhos, nasceram as mesas Diamantina, que parecem desafiar a gravidade. Ao perceber o equilíbrio “por um fio” de rochas que sofreram processos erosivos e acabaram empilhadas umas às outras, Jacqueline quis eternizar a imagem, quase surreal, provocada pela passagem do tempo, da água, do vento. Da história.
“Tive que desenvolver ferramentas para desgastar as bordas e trabalhar a madeira naval em placas finíssimas, de 6 mm. Elas são todas encaixadas, equilibradas umas nas outras, sendo que a base é deslocada. Parece que tudo vai se desmanchar”, explica. “E aí entra de novo o equilíbrio sutil que existe na natureza, existe em nós.” Equilíbrio (ou tentativa de) que, curiosamente, reflete também o tempo em que vivemos. “A gente está vivendo de novo os anos 1930, o absurdo”, finaliza a artista.
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- Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 3 da ELLE Decoration.
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