Ressignificando o influenciador
Será que a pandemia diminuiu o encantamento pela vida das influenciadoras tradicionais? Nos últimos meses, abriram-se as alas para especialistas que criam e compartilham conteúdos confiáveis — e que hoje parecem representar melhor o significado da palavra influenciador.
Estamos em casa e abrimos o Instagram. Parece que as fotos de influenciadoras que antes estampavam destinos paradisíacos ao redor do mundo, e cliques que carimbavam suas presenças em todas as semanas de moda, desapareceram. Elas foram substituídas por cliques com looks dentro de casa, mesmo que montados. Entre as novas fotos nas redes estão pedidos de “#stayhome”, com casas confortáveis e até monumentais ao fundo, além de estratégicos #tbt’s para uma vida que, apesar de temporalmente não tão distante, hoje parece não existir mais — e, para a maioria de nós, na verdade, nunca existiu.iu.
“As postagem de ultrainfluencers, por exemplo, aquelas que tinham hashtags como #weareallinthistogether” (#estamostodosjuntosnessa), podem ser insensíveis agora. Claro, estamos todos passando por esse momento, mas as condições são tão diferentes de pessoa para pessoa, que fazer um post assim diretamente de sua mansão é como estar cego pelo seu privilégio”, aponta a pesquisadora de tendências e futuróloga Nina Grando.
Neste post, em que uma influenciadora prova diversos sapatos de luxo em sua casa, um dos comentários faz um breve retrato do momento: “meu pé não vê uma pedicure há dois meses”.
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“Entre os impactos sociais do coronavírus está a mudança e o desmantelamento do culto da celebridade”, analisa a jornalista Amanda Hess em
um artigo publicado no final de março no The New York Times sobre um fenômeno que pode ser estendido ao que estamos acostumados a chamar de influenciadora.
A cultura do Instagram já estava de mudança meses antes da pandemia. Saía na frente quem, como estratégia e contraponto aos discursos estabelecidos, assumia um tom planejadamente autêntico. Em
uma matéria da The New Yorker, publicada em outubro de 2019, Tavi Gevinson foi apontada como uma das influenciadoras que estava mudando o tom na plataforma, mandando a real sobre saúde mental e bem-estar. Fugindo da produção em massa da influência, hoje ela resgata e compartilha alguns textos da sua antiga Rookie, a revista adolescente que fechou em 2019, como em “Como estruturar seus dias se você tem depressão”. “Parece um bom momento para compartilhar esse guia. Link na Bio. Eu amo vocês”, escreve.
No meio dessa estranha espiral das redes, parece que o isolamento acabou acelerando a transição, e vemos surgindo agora espaços tanto para o silêncio quanto para o compartilhamento de informações especializadas. Se no momento as ferramentas sociais digitais oferecem a única ponte de o “mundo lá de fora” entrar portas adentro, abriram-se as alas para quem cria conteúdo que ajuda, de fato, a lidar com o momento. “As pessoas que tendem a ser admiradas agora são as que compartilham em suas redes conteúdos que sejam abrangentes e que levem informação e clareza”, diz a pesquisadora Nina.
Com uma vida tão restrita no momento, olhamos para a realidade e possivelmente nos perguntamos o que nos nutre nas redes.
A especialista de dados britânica
Mona Chalabi é uma dessas, digamos, novas influenciadoras. Com uma conta com mais de 220 mil seguidores, suas análises redefinem o que pensamos sobre informações gráficas de dados por usar figuras acessíveis e informativas. Em um dos posts, ela analisa quem pode trabalhar de casa no período de isolamento social nos Estados Unidos — quase 60% são da área de finanças, e menos de 10% são do grupo de hospitalidade e lazer. “Só um em quatro trabalhadores americanos tem trabalhos que podem ser feitos em casa e, assim, garantir suas rendas. Algumas indústrias não têm essa flexibilidade”, escreve.
Em outro post, ela analisa as finanças de Jeff Bezzos, fundador da
Amazon, que teve um adicional de quase 25 bilhões de dólares em sua conta desde o começo da pandemia. Os dados de seus posts vêm de pesquisas acadêmicas, sistemas públicos de saúde ou de artigos jornalísticos, muitas vezes publicados por seus colegas de profissão. Com cores convidativas, eles são altamente compartilháveis no Instagram. Um dos posts de sintomas-chave do coronavírus, por exemplo, tem quase 44 mil curtidas.
Neste contexto, até nomes como os do biólogo
Átila Iamarino e o do Dr. Drauzio Varella, que conseguem unir informações confiáveis em linguagem de internet, parecem hoje representar melhor o significado da palavra influenciador. Outros exemplos brasileiros como a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, com mais de 100 mil seguidores e análises poderosas que cabem em uma legenda de Instagram, e a administradora Nathália Rodrigues, conhecida nas redes como Nath Finanças, têm aumentado seu alcance. No twitter, Nathalia, que é focada em orientação financeira para pessoas de baixa renda, explica em ótimas threads o auxílio emergencial do governo, por exemplo.
Uma especialista em dados, uma advogada, um médico, um biólogo, uma administradora, uma antropóloga… seriam essas pessoas especializadas os influenciadores do hoje?
A psicanálise e a psicologia também têm sido
importantes portas de acesso no momento, e os profissionais andam construindo audiências sólidas. O psicanalista Lucas Liedke, conhecido como
@psicanaliedke no Instagram, vem falando sobre saúde mental durante o isolamento social — e a busca por informações sobre o tema é crescente. Em uma postagem sobre um possível aumento do número de sonhos durante esse período, por exemplo, ele analisa teorias ao redor do fenômeno — e foram mais de 150 comentários com sonhos compartilhados. Em outro post, compartilha uma frase de Antoine de Saint-Exupéry: “não é a distância que mede o afastamento.” Relações, o medo, efeitos do isolamento e, claro, memes, também estão entre os temas debatidos.
Lucas Veiga, psicólogo, tem escrito sobre temas clínicos em posts: “Não temos repertório imunológico, psicológico, social para o tamanho do que está acontecendo agora. O que eu sinto que é importante é a gente não perder a capacidade de ser afetado pela vida. O momento atual pode nos levar silenciosamente para um embotamento afetivo, para a diminuição da nossa sensibilidade em que nada mais nos tocará, nem música, nem filme, nem livro. A isso também precisamos resistir”.
Cientes de que estamos diante da incerteza, a tela nos ajuda a fazer as perguntas certas, mesmo que elas não tenham respostas definitivas.
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