Danielle Winits rompe estereótipos em monólogo dirigido por Gerald Thomas
Com "CHOQUE! Procurando sinais de vida inteligente", atriz sai do território da comédia e da sua zona de conforto.
Era meio-dia de uma sexta-feira quando Danielle Winits recebeu ELLE em sua casa no Joá, bairro na Zona Oeste do Rio, conhecido por suas mansões e vistas espetaculares. De cara lavada, usava os cabelos presos em um rabo de cavalo curto, óculos de grau, calça Adidas, chinelo de dedo e moletom FRNC estampando a expressão que tão bem define seu momento atual: “woman unstoppable”.
Aos 51 anos, a atriz que chamou a atenção ainda adolescente com fios pintados de louros e corpo de bailarina, quer descer do salto e ser dona da própria história, depois de 35 acumulando sucessos na TV e no teatro, em espetáculos tradicionais, musicais ou de comédia.
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Foto: Robert Schwenck
Pela primeira vez sozinha no palco, ela interpreta Trudy, ex-funcionária de uma grande empresa que sucumbe à realidade e vira catadora de lixo no espetáculo de Gerald Thomas CHOQUE! Procurando Sinais de Vida Inteligente. O texto original de 1985 da estadunidense Jane Wagner, adaptado pelo diretor, ganhou nova roupagem e aborda temas atuais como inteligência artificial, crianças chafurdando no celular e solidão, trazendo uma reflexão sobre as contradições humanas, o papel feminino e os impasses da vida moderna.
Em cena, Danielle se despe de todos os estereótipos que diz ter abraçado conscientemente e arrebata a plateia com um trabalho bem longe de sua zona de conforto.
“No primeiro encontro, éramos dois cachorros que não se cheiravam. Demorou a engrenar, mas agora está uma loucura. É uma delícia trabalhar com essa figura. A Dani é de uma inteligência inacreditável”, derrete-se Gerald Thomas, que pegou referências com Miguel Falabella, quando recebeu o convite inusitado da atriz para o espetáculo.

Foto: Robert Schwenck
Levantado com recursos próprios em uma coprodução com Luciano Borges e Edson Fieschi, o espetáculo fica em cartaz até o próximo domingo (02.11), no Teatro Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, e volta em janeiro para uma temporada paulistana no Teatro FAAP.
A seguir, a atriz fala à ELLE sobre como o espetáculo impacta sua carreira.
De onde veio o desejo de fazer um monólogo?
Eu já tinha essa ideia há bastante tempo, mas sempre apareciam outros projetos. Aí fui assistir ao Prima Facie (monólogo de Débora Falabella), a convite do Luciano Borges. Na saída, ele disse que queria me convidar para fazer um monólogo. Para mim, foi pura sincronicidade.
Como o Gerald Thomas, nome improvável no seu histórico profissional, entrou nessa história?
O Gerald sempre esteve no meu radar. Já vinha maturando fazer algo que fizesse com que as pessoas me enxergassem de outra forma. Uma coisa diferente, para a qual nunca seria escolhida. Poderia continuar na zona de conforto, mas a vida vai depositando vontades e criando bagagens na gente.
“No primeiro encontro, éramos dois cachorros que não se cheiravam. Demorou a engrenar, mas agora está uma loucura. É uma delícia trabalhar com essa figura. A Dani é de uma inteligência inacreditável” Gerald Thomas
Isso tem a ver com o seu momento atual?
Sem sombra de dúvida. Depois de 35 anos de Globo, estava em um momento de querer escolher, de pensar no que poderia me dar. Esse é o quarto espetáculo que coproduzo, mas sempre participei no sentido de encontrar a empresa para o patrocínio e não de colocar a mão na massa. Hoje, acho importante dizer para outras mulheres e para pessoas autônomas o tamanho da importância de a gente escrever a nossa história, de sermos patroas de nós mesmas.
A ansiedade em fazer um monólogo foi diferente de outras estreias?
O olhar (do público) só para você tem um peso completamente diferente. Mas o incrível é que nunca tinha estado sozinha no palco e não estou me sentindo assim. A resposta da plateia está me fazendo me sentir abraçada de uma forma muito potente. Ainda assim, outro dia escutei: “Que bravura a sua estar sozinha, trabalhando com o Gerald. Muito abusada você”. Talvez eu precise estar nesse espetáculo também para falar sobre isso. Escolhi estar ali justamente para não ter que ouvir algo como isso.
Ao mesmo tempo, Fernanda Montenegro rasgou elogios a você, na plateia do espetáculo, num vídeo viralizado nas redes.
Até hoje acordo impactada, pensando no que realmente é um mola propulsora genuína. O que é, de fato, um discurso efetivo de mulheres dando apoio a outras mulheres. Aí penso no que vai ficar desse trabalho, a quem darei ouvidos (emociona-se). Estou quase que pedindo licença para entrar nesse lugar e ainda preciso escutar que sou abusada por estar adentrando um espaço que talvez não me pertença aos olhos do outro.

Danielle em cena dos espetáculo Foto: Divulgação
Isso mostra também o preconceito com a comédia?
Nossa, muito. Ainda mais com a mulher, porque os homens sempre estiveram lá. Acho perigoso nichar comediante. E os outros trabalhos que já fiz? Em que categoria vão me encaixar? A gente precisa rever essas prateleiras. Ser chamada de comediante, para mim, é um elogio gigantesco. Porque eu também não tinha autorização para entrar na comédia, precisei furar essa bolha.
Como foi isso?
Foi com a Alicinha (em Corpo dourado, novela de Antônio Calmon, de 1998), que era uma Marilyn Monroe com roupagem moderna. Eu tinha 23 anos e pensei: “Como vou humanizar essa personagem, fazer com que pessoas olhem para o meu trabalho e me deem outro tipo de crédito?”. Queria sair do estereótipo, não reforçá-lo. Pedi autorização para o autor, para o diretor e fiz. Então, tenho uma gratidão imensa porque pude colocar essa tinta no meu trabalho. Foi me dado uma coisa, mas tive essa liberdade e essa ousadia. Aí, já vai um recado pra moça que puxou meu braço, me chamando de abusada: sempre fui ousada. Então, colocar voz num monólogo faz todo o sentido. Como diz a Trudy, minha personagem: “Preciso gritar porque aqui ninguém me escuta”.
Então, esse incômodo com os estereótipos não é novidade na sua vida?
Nem um pouco. Eu era uma adolescente que pintava o cabelo de louro e tinha um corpo bonito. Lembro de falar para o Wolf (Maia, diretor), que foi um grande mestre na minha vida: “O que vou ter que fazer para as pessoas me chamarem para fazer outra coisa? Raspar a cabeça?”. Ele me disse: “Abraça o que você tem agora para depois colher o que você quer”. Então, abracei esse lugar conscientemente. Porque era o que eu tinha.
“Já vinha maturando encenar algo que fizesse com que as pessoas me enxergassem de outra forma. Uma coisa diferente, para a qual nunca seria escolhida” Danielle Winits
Na peça, você aparece sem maquiagem, descabelada, quebrando totalmente esse estereótipo. Como foi se despir dessa maneira?
Foi querer mesmo estar despida em cena. É sobre isso minha personagem, uma ex-funcionária de alto escalão de uma grande empresa que não suportou a pressão de estar vivendo nesse mundo em sã consciência e se tornou catadora de lixo.
Como você se conecta com ela e o que quer dizer para as pessoas com isso?
Quero abraçar todas as vertentes possíveis na minha profissão, todas as possibilidades. Isso é um direito que todos nós temos. Uma marcha que não tem atalho. E provavelmente não seria escolhida para estar à frente dessa marcha.
A peça termina com a voz em off do diretor chamando a personagem de Dani, seu apelido. Que mensagem vocês quiseram passar com isso?
Gerald e eu conversamos muito e ele genialmente abraçou essa ideia de falar sobre mim. “É você que vai construir essa personagem. Eu vou encenar, te dar um universo para isso. Mas desde o início está sendo você, que escolheu o texto e se despiu”, disse. Durante os ensaios, ele mostrou algumas partes do processo nas redes sociais e, com isso, foi me despindo junto. Me provocando, tirando as minhas máscaras. Foi incrível.
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O diretor Gerald Thomas Foto: João Pimenta
Você faz também o trabalho de corpo do espetáculo, que é extremamente vigoroso e tem marcações muito precisas.
Precisei também me permitir. Pensei em algumas pessoas para fazer isso, mas o Gerald falou: “É seu o corpo e você é bailarina. Como vai entregar esse corpo para outra pessoa?”. Tem muita técnica envolvida nessa precisão, senão eu não me mexeria no dia seguinte.
Como foi decorar esse texto que não tem linearidade narrativa?
Eu separei por blocos e fui destrinchando cada um deles com o Gerald. Foi um processo grande de entendimento. Porque é uma peça muito para dentro, mas, ao mesmo tempo, preciso estar ali para os outros. São vozes na cabeça, é a Trudy o tempo todo achando que está vindo alguém de outro planeta.
Isso faz algum sentido para você?
Sou muito curiosa e acredito em conexões, não apenas terrenas. Com todo o conhecimento das galáxias, como podemos ter a crença tão encolhida de que estamos sós? É muito egóico pensar assim.
“Quero abraçar todas as vertentes possíveis na minha profissão, todas as possibilidades. Isso é um direito que todos nós temos. Uma marcha que não tem atalho. E provavelmente não seria escolhida para estar à frente dessa marcha” Danielle Winits
Você já pesquisou sobre isso, já viu alguma coisa?
Não, mas aos 9 anos, vi meu pai, que morreu quando eu tinha 7. Ele me visitou em formato de luz, em transparência. E foi a única vez.
Como aconteceu?
Ele veio por cima de mim e disse: “Só vim ver se você está bem”. Então saiu pelo corredor e foi até o quarto da minha mãe. Passou pelo meu padrasto e parou em cima dela também. Aí voltou, deu um sorriso e sumiu num facho de luz. No dia seguinte, descobri que minha mãe tinha feito uma limpa num depósito que a gente tinha em casa e colocado no meu quarto um quadro com o certificado dele de piloto de helicóptero, enquanto eu estava dormindo.
Por fim, o que esse mergulho no teatro contemporâneo muda na sua vida e na sua carreira, e como você se vê desse momento para frente?
De alguma forma, me despeço desse olhar que as pessoas têm sobre mim e desse lugar em que me colocaram. É um desmame.
Agora você tem mais liberdade, então.
Total liberdade. Essa despedida é um processo muito importante para mim, em vários sentidos. Muitas vezes, saio na rua e as pessoas falam “nossa, nem vi que era você.” E aí eu percebo que é porque eu estou sempre de salto, maquiada. Sei que também criei esse personagem, precisei dele para sobreviver. Mas agora quero poder sair dele e sobreviver. Esse é o momento escolhido por mim. Independentemente da autorização alheia, do olhar do outro, eu me autorizo.
CHOQUE! Procurando Sinais de Vida Inteligente: até 2 de novembro, no Teatro Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
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