Nathalia Timberg volta aos palcos com A mulher da van
Prestes a completar 96 anos de idade e 90 de carreira, atriz prepara mais dois espetáculos.

O que são cinco anos na vida de uma atriz? Bem, se você se chama Nathalia Timberg, pode ser o intervalo mágico em que faz sua estreia profissional no teatro com um texto inédito de Nelson Rodrigues (Senhora dos afogados) e enfileira montagens de Dias Gomes, Arthur Miller e Tennessee Williams. Isso aconteceu de 1954 a 1959. Mas pode ser também o tempo necessário para deixar a sua assinatura, como gosta de dizer, em três clássicos instantâneos da TV: as novelas Ti ti ti, Vale tudo e Pantanal, exibidas entre 1985 e 1990.
Mas o que são cinco anos na vida de uma atriz de 95 de idade e quase 90 de carreira (incluindo a fase amadora e universitária), que se descreve como “uma boneca em que deram corda demais”? Um período de intensa atividade, não se engane, em que ela excursionou com a peça Através da Iris (2018), na qual interpretava a designer e ícone fashion estadunidense Iris Apfel, e fez a novela Fuzuê (2023). Ah, e ainda sobraram uns dias para ensaiar e estrear outro espetáculo, A mulher da van, do inglês Alan Bennett, em que Nathalia encarna uma senhora que viveu por 15 anos em um utilitário estacionado na frente da casa do autor.
Foto: Ale Catan
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A montagem original, que chegou aos palcos de Londres em 1999, tinha Maggie Smith (1934-2024) no papel de Mary Shepherd. A versão brasileira volta a ser apresentada nesta semana, em São Paulo. “Guardei esse texto por um bom tempo, mas, quando voltei a ele, fiquei tocada pelo seu humanismo, pela sua delicadeza. E não tem aula, não é didático, grifado”, afirma Nathalia, sobre a maneira como o autor britânico desenha a camaradagem que se estabelece entre os “vizinhos” e, em contraponto a ela, o preconceito de classe e o etarismo que atravessam o tratamento dado por outros personagens à suposta intrusa.
“Nessa idade, a gente é tratado como se estivesse à margem da vida. Acontece que, na profissão de atriz, você está sempre no centro”
O escudo da personagem, à beira dos 80 anos no clímax da peça, é seu jeitão autossuficiente, quase petulante. Para a sua intérprete nonagenária, porém, o simples fato de seguir em cena já cumpre esse papel. “Nessa idade, a gente é tratado como se estivesse à margem da vida. Acontece que, na profissão de atriz, você está sempre no centro”, diz. “O importante é que as rugas não se desenvolvam dentro de nós. É ter a felicidade de continuar lúcida. Você imaginar uma quase centenária no palco parece absurdo. Mas pretendo continuar abusando dos meus limites… E dos de vocês.”
É curioso ouvir a dona de um currículo de 48 novelas e mais de 60 peças (sem contar séries, minisséries e filmes) falar em limites. Em todo caso, para “abusar” deles, como ela descreve, “você precisa manter em ordem o seu instrumento, que é o corpo, a voz, a mente. Não pode deixar o bisturi ficar cego”. Em outras palavras, não se trata de “driblar o tempo, mas de usá-lo bem”. Para manter a cadência desse pas de deux com o passar dos anos, a atriz trabalha em dois projetos, que, por ora, prefere não detalhar. Mas Ricardo Grasson, que a dirige em A mulher da van, dá um spoiler: “Ela quer cravar 100 anos no palco”.
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Nos pouco menos de cinco anos que faltam para esse marco, Nathalia diz que gostaria de ver a produção cultural brasileira se voltar mais para os clássicos. Mas ela não se refere ao cânone do teatro ocidental, que visitou repetidamente ao longo das décadas, em montagens de textos do estadunidense Eugene O’Neill, do irlandês Samuel Beckett, do italiano Luigi Pirandello e do russo Anton Tchékhov, entre muitos outros. “Nós nos aprofundamos em tantas culturas estrangeiras, mas passamos pela cultura dos nossos povos indígenas por alto, quase como algo folclórico. Será que ela é assim tão árida para nós? Essa dívida me incomoda. Tenho uma sensação de culpa, de omissão.”
“Uso outra alma para trazer à tona a minha.”
Talvez essa culpa seja decorrente da maneira como a atriz entende a sua missão. “É a arte menos egoísta que existe. Você se usa para expressar o outro, busca transmitir as vozes do mundo. Na verdade, é muita pretensão!”, acaba concedendo, aos risos, antes de decantar a fórmula com um twist. “Uso outra alma para trazer à tona a minha.” Ora, mas não foi justamente a discretíssima Nathalia quem, ao ouvir certa vez de um diretor que se escondia atrás dos personagens, retrucou com um “mas é esse o objetivo!”? Contradições à parte, o esconde-esconde que ela aprendeu a jogar aos 6 anos, em uma ponta no filme O grito da mocidade (1936), deixou lições para além das técnicas de interpretação.
“A arte me ajudou a desenvolver a consciência do milagre que é estar viva. Não tenho explicações místicas. Só sei que não chegamos ao fim da equação. Ainda estamos trabalhando para resolvê-la. O viável, então, é fazer teatro.”
A mulher da van: de 4 de julho a 3 de agosto de 2025, no Teatro Bravos (Rua Coropé, 88, Pinheiros, São Paulo). Sextas, às 21h; sábados, às 17h e às 21h; domingos, às 18h. Ingressos: de R$ 60 a R$ 200.
Esta reportagem foi publicada originalmente no volume 20 da ELLE. Para comprar seu exemplar, clique aqui.
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