O Dia da Harmonização Facial

Obcecada pelo noticiário de subcelebridades, enquanto decide se opera o nariz, Erika Palomino reflete sobre beleza, imperfeição e sobre as pessoas que têm os dois lados do rosto iguais.


origin 1293



Que os políticos brasileiros são surreais nem precisamos comentar. Porém, esses dias apareceu no noticiário a informação de que a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de lei que cria o “Dia da Harmonização Facial”, a ser comemorado em 29 de janeiro. O texto ainda precisa passar por segunda votação, mas a bizarrice está lançada.

Sou obcecada por antes e depois de “celebridades” ou demi-celébrities que fazem isso. Sou capaz de ficar longos minutos diante das fotos na Internet tentando entender onde tem produto e qual técnica de preenchimento usaram. O assunto ficou quente ainda nos tempos de BBB: li que a pessoa que sai passa a madrugada fazendo procedimentos para estar estar o quê? Maravilhosa na Ana Maria Braga no dia seguinte. Ah, as fofocas dos “famosos”. Como viver sem? Mesmo porque, experimente abrir a área de “cultura” de portais de notícia e mesmo de importantes jornais, e você verá as pautas disponíveis para leitura. Caetano Veloso estacionando o carro no Leblon ficou pequeno.

Supostamente, como já diz o nome, a ideia seria harmonizar, mas tem gente que fica meio esquisita, desarmonizada até. É a nova moda, que veio depois do bico de pato, de que muitas mulheres foram acometidas há alguns anos. Não sou contra a pessoa que quer melhorar, acho tudo válido, porém… Como diz um amigo, tudo tem um limite, até a vontade de aparecer!

Houve um tempo, pré-instagram, talvez, que uma diversão era juntar duas imagens do mesmo lado do rosto da pessoa e ver no que dava. Tipo juntar o lado direito com o lado direito, e o resultado trazia quase uma terceira pessoa, muito diferente do serumani original. Agora, tem uma galera que parece ter os dois lados do rosto como uma versão real daquele efeito.

Há quem diga que a beleza reside na harmonia dos traços, na simetria deles. A supermodel dos anos 1990 Christy Turlington também supostamente seria a mulher mais bonita do mundo porque tem aquele ideal de beleza (grego?) e também por isso virou em algum momento o rosto oficial dos manequins do museu Metropolitan.

Culpe as “celebridades”, os filtros, a Kim Kardashian e a família toda. Culpe a gente mesma ou quem ficou se vendo em telas de zoom, de meet, de selfie e procurando/achando defeito durante a pandemia.

Gosto de imperfeições. Até mesmo do conceito da imperfeição. Gente muito perfeita, sei não, desconfio. A vida “perfeita” que as pessoas levam nas redes sociais, como se sabe, leva a distorções, dismorfias, depressão e tudo o mais que também sabemos que elas causam, mas seguimos acreditando nelas e caindo (também feito patos) nos algoritmos.

Quebrei o nariz há alguns anos dando uma topada na porta e, sem sequer supor o que isso tinha acontecido, com o nariz quebrado fiquei. À medida que o tempo vai passando, meu nariz (como o de todo mundo) está crescendo – and entortando. Só fui me ligar mesmo porque a trapalhada me trouxe um desvio de septo, e com ele, sinusite e dificuldade para respirar, comprometendo qualquer tentativa de atividade aeróbica. Quero muito consertar tudo isso, mas fico panicada de achar que vou acordar de uma cirurgia sem me reconhecer.

Sou desencanada, mas talvez consiga imaginar a pressão sobre atrizes (ou mesmo sobre influenciadoras) por estarem sempre pristinamente belas – e jovens. Com as tecnologias cosméticas disponíveis hoje, elas vão em frente e muitas vezes perdem a mão, perdendo o contorno de quem elas são ou foram. A Nicole Kidman, por exemplo, já colocou tanta coisa no rosto que parece um avatar dela mesma, quase aflitivo.

Uma vez, a extinta revista Visionaire fez em Nova York uma festa, que reuniu no museu de cera Madame Tussaud celebridades e os então denominados fashionistas. Ideia maravilhosa. Talvez hoje a gente se confundisse: convidades ou estátuas?

Sigo sem coragem de consertar meu nariz. Quem sabe faço no Dia da Harmonização. Aviso por aqui. Ou não!

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes