Para a ativista Xiye Bastida, construir uma relação com suas roupas faz você se apaixonar por elas

Na COP30, a ativista climática Xiye Bastida, de 23 anos, falou sobre o papel da moda na própria vida e na discussão sobre clima


A ativista climática Xiye Bastida.
Xiye Bastida. Foto: Getty Images



Aos 23 anos, a ativista climática Xiye Bastida é uma veterana das reuniões climáticas: a COP 30, que aconteceu em Belém, foi sua sexta. Xiye é do povo Otomi-Tolteca, no México, e ficou conhecida pelos protestos da juventude e pela defesa dos conhecimentos e sabedorias indígenas como solução para a crise do clima. 

Em um evento paralelo no dia 18/11, ela foi uma das poucas participantes a mencionar o papel da moda durante a conferência, falando sobre a necessidade de uma “transição justa” para o setor. Xiye estava na cidade com o Planetary Guardians, um coletivo global de líderes pautados pela ciência climática e que inclui o brasileiro Carlos Nobre, um dos climatologistas mais influentes do mundo. 

Em entrevista à ELLE Brasil, a ativista explica como a moda se relaciona com combustíveis fósseis e direitos dos trabalhadores, além de contar como conheceu a estilista Gabriela Hearst, então na Chloé. “Ela me disse: ‘Sempre que você precisar de um terno para falar na frente de homens, me avisa’.” 

A ativista climática Xiye Bastida no MET Gala 2022.

Xiye Bastida no MET Gala 2022. Foto: Getty Images

É muito raro ouvir sobre o setor da moda na COP30. Por que? 

Acho que a indústria da moda tem sido muito cuidadosa para se manter fora desta conversa. A agricultura, o cimento, todas essas grandes indústrias têm prioridade, porque são muito intensivas em carbono. Mas ninguém fala sobre a moda e todo o poliéster que ela usa. Ninguém fala sobre a moda descartável e sobre essa cultura do uso único. E com a Shein e todas essas megacompanhias que produzem tanto que nem sabemos ao certo quanto, o desperdício de moda é incrivelmente insano. Algo que acho muito interessante é que, nas COPs, a ONU sempre nos diz: você deve vestir traje formal ou cultural. É isso. Existem duas opções. Acho que isso moldou muito a percepção de que a moda não é algo com o que se preocupar de verdade – e obviamente os negociadores não são ícones de moda.

Aqui, ouvi pessoas falando sobre “tecidos à base de combustíveis fósseis”. Essas novas palavras ajudam a trazer a moda para a conversa climática?

Sim. Isso é muito importante, porque a linguagem é uma ferramenta poderosa. Por exemplo: antes, dizíamos mudança climática e, agora, dizemos crise climática. Antes, dizíamos gás natural e, agora, tentamos dizer “gás fóssil”. Se dissermos roupas derivadas de combustíveis fósseis, acende uma luz: Tem alguma coisa errada aí. Isso é animador. Tem muitas pessoas inteligentes trabalhando com linguagem e tentando fazer essa mudança acontecer.

O que seria uma transição justa para a moda?
Tem uma estatística que sempre me deixa chocada: estamos produzindo entre 80 bilhões e 100 bilhões de peças todos os anos. Nem sabemos o número exato, porque não há divulgação. Então, aqui você já começa a entrar em questões de transparência, de cadeias de suprimento, de volume de produção. Nada disso é de conhecimento público. Sabemos que a indústria da fast fashion faz isso para que as pessoas não saibam que grande parte do que é produzido é simplesmente jogado fora. Outra coisa que acho muito importante é a longevidade dos materiais. Lembro de roupas da minha avó  que ela me deu de presente. Não consigo imaginar presentear minha neta com roupas minhas, porque elas não vão durar tanto. A forma como nos vestimos e como percebemos a moda mudou dramaticamente nos últimos 30 anos. O que imagino quando falo sobre uma transição justa na moda é isso: transparência na produção, produção ligada à demanda, produtos de alta qualidade e, muito importante, proteção aos trabalhadores. Está tudo interligado.

A ativista climática Xye Bastida.

Xiye protestando em 2023. Foto: Reprodução/@xiyebeara

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Estamos em um lugar muito quente. Como você acha que as pessoas em ternos de poliéster estão lidando com isso?
Estão pensando: “Isso não está confortável”. Inclusive, os tecidos têm sido um grande tema nas redes sociais ultimamente: as pessoas estão fazendo tutoriais sobre a composição das malhas, como fazê-las durar, procurando mais algodão e fibras naturais – coisas que minha mãe me ensinou a fazer quando eu era muito nova. Essa conscientização sobre materiais está crescendo, especialmente a noção de que, se uma peça tem poliéster ou náilon demais, ela não vai durar se for uma mistura de baixa qualidade. E tem também os microplásticos. Quando você lava a roupa, há resíduos de microplásticos se dispersando na água. Um estudo mostrou que estamos ingerindo o equivalente ao peso de um cartão de crédito em microplásticos toda semana.

Como podemos conciliar estilo e os limites planetários?

Essa é uma pergunta muito boa. Se você mapear a indústria da moda dentro dos limites planetários, ela provavelmente estaria ultrapassando todos eles – tem os corantes e materiais que usamos, o volume de produção, o transporte. Sabemos que há um lugar no Quênia, por exemplo, onde existe tanto desperdício de roupas que isso está afundando a areia e matando muitos dos animais de lá, literalmente sufocando o ecossistema. Isso obviamente ultrapassa os limites.

Você é uma mulher estilosa. Qual é sua relação com a moda?

Adoro vestir coisas que fazem eu me sentir confortável, confiante e, às vezes, poderosa. A Gabriela me disse uma coisa: “Sempre que você precisar de um terno para falar na frente de homens, me avise”. Ela já me presenteou com ternos lindos e dos quais tenho muito orgulho. Além disso, todas as minhas joias têm um significado e uma história. Construir uma relação com suas roupas faz você se apaixonar por elas.

A ativista Xiye Bastida.

Xiye Bastida e Jane Goodall. Foto: Reprodução/@planetarygdns

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Como conheceu a Gabriela Hearst?

Eu estava na COP26, em 2022, e a Gabriela estava representando o setor da moda – provavelmente uma das únicas estilistas no evento. Ela me viu dando um discurso para líderes mundiais, só que, quando eu subi ao palco, os líderes tinham ido embora depois de falar. E aí ela me disse: “Eu não quero que você sinta que não pertence [nesses espaços]“, e me convidou para o Met Gala. 

Ela tinha uma plataforma grande com a Chloé, e agora com a própria marca, e foi capaz de cruzar esses dois mundos e me trazer para a cultura pop porque me viu em uma COP. Isso me deixa muito otimista sobre o que pode acontecer quando mundos diferentes se encontram.

O que você aprendeu sobre o estilo dos povos indígena amazônicos durante a COP30 em Belém?

Fiquei muito impressionada com as texturas, as cores, os materiais de todos os povos indígenas amazônicos daqui. É incrível ver tantas maneiras diferentes de usar sementes e penas. As roupas que eles usam lhes dão tanta dignidade e poder que compreendi ainda melhor como a forma que nos apresentamos ao mundo pode ajudar a fortalecer uma mensagem.

Sou de uma comunidade indígena no México chamada Otomi. Tem uma peça que usamos frequentemente, tipo uma faixa na cintura, que serve para proteção e para manter as costas eretas. As mulheres Otomi estão sempre de costas firmes e orgulhosas. Essa faixa facilita isso, e também é uma forma de mostrar que você faz parte de uma comunidade.

É isso que os indígenas amazônicos do Brasil fazem: tanta coisa é dita sem dizer uma palavra. Há tanto poder na forma como a energia deles transforma um ambiente. Fico muito feliz por termos testemunhado isso.

Não tinha pensado nisso antes, mas quando estamos numa dessas reuniões cheias de ternos e uma pessoa indígena amazônica chegava usando esses materiais e cores naturais, parecia que a própria natureza tinha entrado.

Sim. Você está trazendo a Terra com você. Você está sendo responsabilizado pela Mãe Terra e também protegido por ela.



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