Dia mundial da poesia

Sobre pequenas memórias de poetas e alguma grande saudade.


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Daniel Faria foi estudar num mosteiro e morreu ao bater a cabeça no chão. Uma vez escreveu assim: “se acender a luz/ não morrerei sozinho”. Dada a beleza daqueles óculos aposto que no exato apagar do tombo São João da Cruz gritou: “a minha clássica contra a noite escura, Daniel”. E foram conversar, meu Deus, tanto o que tinham a dizer, com a coisa toda ajeitada em termos de iluminação.

Cruz e Sousa, seus Farois. Seus Missal e Broqueis, “Ó’ lua, lua triste”, mas a beleza daquele Farois, pra mim sempre foi, é um sol, um dos grandes, dos nossos maiores. Ainda outro dia ouvindo Cálice, da arquibancada vendo emergir o monstro da lagoa, escutei, estrela majestosa, um eco luminoso da escrita de João: “Pois do sinistro sonho/ Da embriaguez e da cegueira enorme/ Erguia-se, medonho/ Da loucura o fantasma desconforme”.

Monika Ertl ficou conhecida como aquela que vingou Che Guevara matando o coronel que lhe cortou as mãos como troféu. Fugiu do pai, um cineasta nazista, e se tornou uma guerrilheira que escrevia poemas sobre pontes estreladas e a falta que faz o amor se não o atravessamos vivendo. Em uma fotografia antiga aparece fisgada de ternura segurando um peixe entre os dedos.

Leonilson desenhou o grande rio e a ponte para não ouvir desculpas inúteis, só o silêncio das duas pessoas se olhando de frente com um sorrisinho meio sem graça.

Sweet Jane fala de poetas e de mulheres que reviram os olhos para as questões de métrica, corações, rosas que sussurram e outras coisas assim. Escuto essa música toda semana para ouvir a risada de Lou Reed. Ela concentra doçura e, no entanto, se recusa da forma mais deliciosa a ser escrita.

Sou Hilda Hilst, poeta, disse Hilda Hilst, poeta, ao conhecer Lygia Fagundes Telles, escritora com mais tempo de casa. Lygia respondeu minha futura colega, o que lendo agora parece uma boa encruzilhada. A hora da verdade foi o abraço que trocaram nesse primeiro encontro. Hilda disse um dia que desejava morrer segurando as mãos de Lygia, o que não me deixa dúvidas sobre o papel do tato também no noviciado das paixões amigas.

À memória do senhor meu professor Cordeiro, que não era o de Deus, mas fazia o milagre de botar uma classe de adolescentes para recitar poemas, confesso: amava e ainda amo cada um daqueles cadernos. Hão de chorar também pelo senhor os benditos cinamomos e os leões do chafariz secular. Mais do que da bruta mina, nunca abandonei o som da ganga impura.

Maria Lucia Alvim morreu de Covid-19 aos 88 anos em 2021, depois de publicar um livro de poemas que demorou 40 anos para ser declarado em papel. Chama-se Batendo Pasto. Um dos poemas, porque só agora bateu asas e voou e, portanto, é certamente alguma coisa de correio desse tempo, coloco aqui:
“Pousa
ó pombo
que me conheces a fundo!
Speak to me
Stay with me
Speak”.

Maria Beatriz Nascimento: um dos nomes do quilombo atlântico . “Electric Lady Land. Ontem ouvi tua voz no arquivo da TV / (…) Como se não tivesse viajado para mundo bem distante/ (…) Me faz esperar o futuro no vibrar das tuas dissonâncias”. Zumbi, Oxumaré e o mais bonito vestido cor-de-rosa de que já se teve notícias, presente.

Vivian Whiteman, escritora e psicanalista, é editora especial da ELLE e escreve sobre moda, sociedade e comportamento.

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