Embarque na conexão Madri – Marrakech
Com raízes culturais que se entrelaçam, as duas cidades vivem um momento de alta e surgem como os destinos mais cobiçados da Europa e da África. Nosso roteiro destaca os highlights de arte, design e decoração em ambas.
Espanha e Marrocos são dois países com ligações ancestrais. A cultura muçulmana marcou a península ibérica durante quase oito séculos, a partir de 711 d.C, imprimindo forte influência sobre a gastronomia, a arte, a música, a literatura e a arquitetura espanhola.
A chamada invasão moura deixou seus traços mais visíveis no sul do país, mas há rastros dela também em Madri, como os resquícios da Muralha Árabe, erguida durante o emirado de Mohamed I; o bairro La Latina, também conhecido como mouraria, com sua igreja de San Pedro el Viejo, que possui torre no estilo mudéjar, uma mistura de influências ibéricas e mouriscas; e o Museu San Isidro – instalado em um palácio do século 12, ele reúne objetos recolhidos em três assentamentos islâmicos que existiram nos subúrbios da hoje capital espanhola, reconstruindo as origens da cidade.
É em Madri ainda que estão a maior mesquita da Europa, a Omar, e duas instituições que são referência nesse tema: a Biblioteca Islâmica da Associação Espanhola de Cooperação e Desenvolvimento (AECID) e o Instituto Internacional de Estudos Árabes e do Mundo Muçulmano, da Casa Árabe.
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Ao mesmo tempo, os espanhóis mantiveram um protetorado no norte do Marrocos entre as décadas de 1910 e 1950. Embora essas relações nem sempre tenham sido serenas, do ponto de vista cultural elas estreitaram a proximidade entre os dois países e renderam frutos.
A boa notícia é que tanto Marrakech, coração cultural do Marrocos, quanto Madri, centro político da Espanha, estão vivendo um momento de florescimento e, por isso mesmo, têm atraído a atenção de turistas do mundo inteiro, inclusive do Brasil.
Se a ideia é fazer um roteiro pelas duas cidades, vale a pena programar uma viagem a Marrakech usando a capital espanhola como parada para desfrutar o melhor dos dois destinos. A seguir, um percurso que destaca a arte, o design e o décor em cada uma delas. A reportagem sobre Marrakech você acessa aqui.
Madri, a nova cidade luz
Quem ficou muito tempo sem visitar a capital espanhola vai se surpreender ao reencontrá-la. Nos últimos anos, ela saltou de uma cidade austera, escondida sob sua sobriedade, a uma metrópole iluminada, atraente, com seus prédios e monumentos renovados, cheia de vida borbulhando em bares e restaurantes da moda e uma programação cultural invejável.
Segundo uma reportagem recente da revista The Economist, a população estrangeira na cidade aumentou 20% desde 2016, incrementada por nórdicos querendo uma vida mais tranquila, estadunidenses em busca de impostos mais baixos e, sobretudo, latino-americanos correndo atrás de boas oportunidades (o governo baixou taxas, multiplicou incentivos e ainda oferece visto para quem investir acima de 500 mil euros – um gesto de boas-vindas).
Dados do Escritório de Turismo da Embaixada da Espanha (Turespaña) indicam um aumento significativo no número de visitantes a Madri. O fluxo de turistas subiu 30% de 2022 para 2023, sendo que no caso de brasileiros, essa cifra deu um salto de 80% comparando os mesmos períodos.
Segundo o prefeito José Luis Martinez-Almeida, Madri “is the place to be!”. E ele tem toda razão. A cena cultural se multiplicou. O número de musicais dobrou – hoje é possível encontrar 15 espetáculos em cartaz simultaneamente – uma alternativa para quem antes optava por se sentar nas plateias de Londres ou de Nova York.
Para quem ama pintura, dois museus são obrigatórios. O primeiro é o Thyssen-Bornemisza. Aberto ao público em 1992, guarda quase mil obras angariadas por três gerações da família que dá nome à entidade, hoje sob os cuidados do estado espanhol. São quadros de ícones como Dalí, Picasso, Cézanne, Degas, Monet, Van Gogh, Gauguin, Schiele, Hopper, Caravaggio, Giacometti, Rembrandt, Mondrian, O’Keeffe, Van Eyck, Dürer, entre muitos outros – uma coleção tão rica e variada que permite ao visitante percorrer toda a história da pintura desde o século 13. Além de completar as lacunas do acervo dos dois museus mais importantes da cidade, o Prado e o Reina Sofia, igualmente imperdíveis. Em qualquer um deles, agende uma visita guiada em companhia de Andrea Velasco (@cultura_mandarina), uma historiadora de arte que prende a atenção do visitante com detalhes e curiosidades bem costurados sobre as obras.
Terrazas do museu Thyssen-Bornemisza. Foto: Divulgação
Já o novíssimo Galería de las Colecciones Reales abriu suas portas em julho de 2023. A construção moderna, de 40 mil metros quadrados, foi projetada pelo escritório Mansilla + Tuñón Arquitectos. Ganhadora de dez prêmios de arquitetura, ela se encaixa perfeitamente na esplanada onde estão o Palácio Real e a catedral, voltada para o parque Campo del Moro. Erguida sobre pilares de concreto e recoberto de placas de granito, conta com um acervo de mais de 650 itens organizado em três naves amplas. São pinturas, porcelanas, esculturas, armaduras e carruagens reais trazidas de diversas partes do país. Mas o destaque são as imensas tapeçarias, distribuídas entre as galerias da linhagem dos Bourbon e da Áustria. Só elas já valem a visita! São de tirar o fôlego.
Fachada da Galería de las Colecciones Reales. Foto: Divulgação
Design do bom
Se o assunto é design, a maior referência é o Madrid Design Festival, que acaba de entrar em seu sétimo ano. As três exposições que fazem parte do calendário da mostra este ano – Miguel Milá | (pre)industrial designer, Castilla La Mancha Diseña. Back to the essence e Chairs: Icons of Modern Design – seguem em cartaz até o final de março no hall do teatro Fernán Gómez. Ótima oportunidade para entender qual o recado do design madrileno nos tempos atuais.
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No mesmo formato e quase que simultaneamente, há o Fiesta Design, com instalações, oficinas e talks espalhados pelos bairros, num formato semelhante ao Fuori, que acompanha o Salão de Milão.
A cena do design espanhol tem nomes incontornáveis, como Jaime Hayon, conhecido pelas cores e formas vibrantes e pelo toque de humor em suas obras, e Álvaro Catalán de Ocón, que faz trabalhos com pegada sustentável, como a transformação de garrafas pet em luminárias.
Mas há outros grandes nomes e talentos despontando. Na listagem dos 100 designers e arquitetos mais inspiradores de 2024, a revista AD espanhola elencou 36 profissionais madrilenos (ou baseados em Madri), quase um terço do total da lista. Nela, figuram nomes que vale a pena conhecer, como o escritório de arquitetura SelgasCano, de Juan Selgas e Lucía Cano, que acabam de assinar o projeto do restaurante Tramo e foram os primeiros espanhóis a construir um dos pavilhões anuais do Serpentine, em Londres.
Já o cruzamento entre tecnologia e artesanato é a pauta do Ciszak Dalmas Ferrari tanto na arquitetura quanto no design, sempre com um viés experimental. Entre os clientes, Zara, Aesop e Loewe. Inovação também é o ponto forte do time do Ensamble Estudio, de arquitetura, com filial em Boston (EUA). Merecem destaque ainda os estúdios Casa Josephine, Mayice, Patricia Bustos, Teresa Sapey e Guillermo Trapiello (ex-Tornasol Studio).
Casa Josephine. Foto: Divulgação
Entre as galerias de arte mais importantes estão a Opera Gallery, especializada em arte moderna, com dezesseis filiais espalhadas pelo planeta. A de Madri abriu no ano passado, num espaço com três pavimentos, 1 mil metros quadrados e a escadaria mais bonita da cidade. Com pé direito com mais de 4 metros e sete salas de exposição, o projeto do prédio é assinado pelo escritório Hernández Arquitectos. Já a Marlborough tem uma história monumental. Começou em Londres, nos anos 1940 e, entre outros feitos, foi a primeira a apresentar os expressionistas alemães. Desembarcou em Madri em 1992 com a maior (e também a última) exposição de Francis Bacon e hoje é ponto de parada obrigatório para amantes de arte contemporânea. Com atenção especial aos novos talentos, o Espacio Solo é também um museu privado que acolhe a coleção Solo de arte contemporânea, que apoia e patrocina iniciativas ao redor do mundo.
Se o desejo é se jogar nas compras, mergulhe de cabeça na galeria abaixo. Além disso, a ELLE Espanha elegeu em janeiro passado as 45 lojas de décor mais quentes de Madri. Enjoy!
IKB 191
Foto: Belen Imaz
Peças vintage e atuais fazem parte da seleção do proprietário, Carlos López.
Galeria A
Foto: Divulgação
Focada em design escandinavo moderno, oferece itens assinados por grandes nomes.
Foto: Divulgação
Objetos de decoração e tecidos com um perfume do mar Mediterrâneo estão reunidos na loja de Álex Llop.
Cerâmicas, tecidos, livros, artesanato espanhol e, estrela da casa, as mantas.
Foto: Divulgação
Com passagem pela moda, o casal Geraldine e Cyril Boudarel faz uma curadoria descolada de móveis, luminárias e objetos de décor.
Comer, beber, viver!
Outro bom indicador de renascimento da cidade é a gastronomia. Madri tem 160 restaurantes listados pelo guia Michelin, dos quais 29 são estrelados. Um dos que possuem duas estrelas é o Deessa, do talentoso chef Quique Dacosta, que já tinha somado cinco estrelas de seus outros restaurantes no currículo. Quem chega ao elegante salão do hotel Mandarin Oriental Ritz, onde fica o restaurante, pode escolher entre dois menus, o histórico ou o contemporâneo, ambos inspirados na culinária da Extremadura e nos sabores do Mediterrâneo.
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O hotel, aliás, é um capítulo à parte. Instalado em um palacete da Belle Époque, ele passou por uma restauração comandada pelo arquiteto Rafael de La-Hoz e pelos designers franceses do estúdio Gilles & Boissier. São 100 quartos e 53 suítes elegantemente decoradas em estilo contemporâneo que ganharam vida nova depois do retrofit.
Chamam a atenção as obras de arte distribuídas pelos ambientes. Elas foram criadas especialmente para o hotel, com o objetivo de resgatar o passado cheio de glamour do lugar com interpretações atuais.
Nesse sentido, merecem destaque a instalação Danza Abanicos, do Factum Arte, em que o tradicional leque das damas espanholas, também símbolo do flamenco e do grupo Mandarin Oriental, se desdobra em uma escultura de parede, feita de latão.
No hall de entrada, no lugar de um lustre, os visitantes encontram uma escultura que cobre a abóboda, com folhas, flores e frutos recortados em lâminas de níquel. Assinada pelo estúdio londrino Haberdashery, ela compõe uma homenagem às espécies botânicas do Parque do Retiro, que fica logo ali. De uma beleza e de uma delicadeza únicas.
Restaurante Dessa. Foto: Divulgação
No Deessa, duas obras de arte atraem os olhares: a escultura Cabeça de Colossus, do artista francês Christophe Charbonnel, e o enorme círculo, de Rachelle Reichert, pendurado em uma das paredes, feito com sal da região de Torrevieja, onde Quique nasceu.
Enquanto no salão Palm Court, onde são servidos chás e menus leves, a surpresa é o teto de cristal que deixa a luz entrar e que por anos esteve fechado com madeira, antes da reforma.
Por fim, o bar Pictura merece um brinde (aliás, vários). Moderno e aconchegante, ele traz uma parede decorada com retratos clicados por Paula Anta, com personagens atuais da cidade, como atores, escritores, músicos, em roupas e poses que reproduzem obras de arte que estão no Prado, em suas luzes e cores originais. Depois de bebericar um La Luna, um dos drinques da casa, de mescal, hibiscos e Bourbon, e passar o tempo admirando o décor e o vai e vem elegante do bar, vem a certeza de que aqui é realmente o lugar para se estar!
* ELLE Decoration Brasil viajou a convite da Turespaña e dos hotéis Mandarin Oriental Ritz Madrid e Mandarin Oriental Marrakech, com apoio do grupo BeFly.
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