Jaloo abraça identidade feminina e celebra dez anos de carreira em show

Existe algo que aproxima Jaloo de Madonna, Taylor Swift e Jonas Brothers: todos estão fazendo shows especiais para celebrar suas carreiras e revisitar suas discografias. Em comemoração aos dez anos de estrada, a cantora, compositora e produtora brasileira se inspirou nas estrelas internacionais e criou o show 3 eras, no qual mergulha de cabeça nos álbuns #1 (2015), ft(pt.1) (2019), e MAU, lançado no final de 2023.

A primeira apresentação aconteceu em abril deste ano e contou com apoio de banda, dançarinos, trocas de figurino e reuniu mais de 2 mil fãs na Audio, em São Paulo. “São dez anos, então precisava criar algo especial. Ainda estou com várias ideias. Pretendo soltar faixas antigas com novos arranjos e outras que nunca chegaram a ser finalizadas”, contou Jaloo à ELLE.

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Ao longo dessa década, a artista paraense explorou a tecnologia como poucos e fez do computador seu principal instrumento. Hoje se arrisca a fazer música até com o chat GPT. Em paralelo, abraçou sua identidade feminina, mudou o nome social para Jade e foi acolhida por seu círculo mais próximo. “A família biológica ou aquela que escolhemos é muito importante nessas horas.”

Na conversa com a ELLE, Jaloo falou sobre sua nova fase da vida, o processo criativo por trás do seu terceiro disco solo e da performance que fará junto da amiga e conterrânea Gaby Amarantos, na segunda edição do C6 Fest, neste sábado (18.05):

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Como você enxerga sua evolução após uma década?
Hoje tenho mais firmeza. Com relação à produção musical, também sinto que conquistei a plenitude. Sei que dou conta do recado, que consigo, uma segurança que eu não tinha no primeiro disco. Naquela época, pensava “ai, será que está bom?”. Ao mesmo tempo, existe uma relação de carinho com tudo o que já fiz no passado.

Além de voltar com um novo visual, você também adotou pronomes femininos e mudou seu nome social. Como foi passar por este processo?
Foi muito natural. Eu me identifico com o gênero fluido e acho que vou permanecer assim até morrer. É claro que sou uma pessoa trans, principalmente uma mulher trans agora. No começo, optei por não dividir tanto esse processo com a fanbase e foi uma boa decisão. É muito particular passar por esse momento de ruptura. Pude viver tudo com bastante cuidado e comecei a entender o mundo por essa nova perspectiva. Sei que perdi vários privilégios que a masculinidade me permitia ter, então ainda é um processo diário refletir sobre isso.

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E como sua família recebeu a Jade?
É muito significativo incorporar um novo nome para si mesma. A cereja do bolo foi quando cheguei no Pará e falei: “Agora meu nome é Jade”. Ver a minha mãe me chamar por esse nome e dizer que tem três filhas foi emocionante. Na rua, qualquer pessoa pode me odiar e desejar coisas horríveis, mas agora eu penso: “A minha mãe me adora, então foda-se”. A família biológica ou aquela que escolhemos é muito importante nessas horas.

Sua relação com moda e beleza também mudou?
Mudou demais. No show 3 eras, por exemplo, eu uso um vestido longo preto feito sob medida pela marca Normando. Foi a primeira vez que eu tive esse privilégio. Mas eu ainda adoro ser feia. É essa dualidade que eu acho legal. Uma das pessoas que eu mais fui apaixonada, principalmente no começo da minha carreira, pelo jeito de ser e de se vestir é a Cardi B. Porque você assiste um clipe em que ela aparece bela e estonteante, mas aí você abre o Instagram e ela está lá nos stories cheia de olheira, comendo frango frito com a mão, com as unhas todas quebradas.

“Na rua, qualquer pessoa pode me odiar e desejar coisas horríveis, mas agora eu penso: ‘A minha mãe me adora, então foda-se’”

MAU foi feito inteiramente no computador e é a primeira vez que você assina a criação completa de um disco. Como foi trabalhar nele?
Fazer música no computador foi o que me tirou da minha cidade natal e me trouxe para São Paulo. Minha vida gira em torno do computador. Todo dia conheço um plugin novo, assisto a um tutorial, baixo um aplicativo. Vivo testando coisas. Em MAU, busquei fazer muito mais do que já fazia. Compor e produzir eu já tinha feito, mas nunca havia assinado tudo. Além disso, olhei muito para o presente, como por exemplo o phonk (subgênero do hip-hop que nasceu nos EUA e mistura trap, funk e jazz com a estética lo-fi), que é um som que as crianças escutam muito hoje em dia, principalmente no TikTok. E isso me deixou fascinada. Também tiveram algumas letras em que usei o Chat GPT como apoio. É meio assustador, mas muito interessante, principalmente se você já tem uma mente criativa. Ele é uma ferramenta, você ainda precisa existir para que tudo aconteça.

Como você define o álbum?
Eletrônico, brasileiro e urgente. Quando ele foi lançado, em outubro, não foi processado direito. MAU é um disco que aos poucos está sendo assimilado e se espalhando por aí.

Você é uma artista que cresceu no ambiente online, compartilhando suas músicas em fóruns de discussão, sempre próxima do público. Como anda sua relação com as redes sociais atualmente?
Estou me reencontrando. Já fiz de tudo nas redes, até shitpost (postagem sem contexto, geralmente de cunho humorístico, como memes). Agora quero entender em que lugar do presente estou em relação à fanbase, ao próprio mundo. Muita coisa mudou na internet nos últimos anos. Lembro quando criei meu perfil no Twitter (atualmente X), em 2009. Tinha uma relação bem próxima com os fãs, postava muita música, subia pastinha com MP3 para eles. Mas não quero ser a velha reclamona, não. Não é a minha parada. É bonito perceber que você está caminhando junto. O novo sempre vem, já cantava Belchior.

Você e Gaby Amarantos vão cantar juntas no palco do C6 Fest. O que esperar desse show?
Minha relação com Gaby é muito próxima. A gente frequenta uma a casa da outra, os amigos dela são meus amigos. É uma relação bem familiar. Ela me chama até de filha agora, o que eu acho muito fofo. Ela abraçou a Jade, foi uma das primeiras. Eu fiz a produção musical do disco Purakê (2021) para ela e nós temos as músicas “Chuva”, “Q.S.A” e “Tchau” juntas. Estamos conectadas pela vida e pelo trabalho, então eu sinto que esse show no C6 Fest será muito importante.

“Gaby abraçou a Jade, foi uma das primeiras”

A riqueza dos ritmos do Pará segue presente na música que você faz hoje?
Demais. É tão presente que eu não planejo. Sempre que aparece uma música nova que sonoramente remete ao Pará, não foi porque eu quis que soasse paraense, é porque isso faz parte de mim.

Que outros artistas dessa cena você gostaria que o público conhecesse melhor?
Da atual recomendo a Zaynara. Ela é uma cantora muito querida e a gente já se encontrou algumas vezes. De clássico tem o Manoel Cordeiro, que é um Einstein da música, extremamente essencial para a música do Pará. Tive o privilégio de receber ele na minha casa, vi ele pegar um piano e sair tocando, fiquei assombrada. E também tem a Layse, que estou fascinada. Daqui a pouco eu vou bater na porta da casa dela e falar: “Mana, vamos fazer um negócio juntas?”.