Devendra Banhart: “Escrevo músicas até começar a sentir uma emoção”

Cantor, que faz shows em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, fala à ELLE sobre música brasileira, eleições presidenciais nos EUA e Issey Miyake.


Devendra 9662 edit2 REVISED LEAD
Fotos: Divulgação



Em janeiro, Devendra Banhart anunciou em seu perfil no Instagram que estava retornando ao Brasil e perguntou aos fãs o que eles gostariam de ouvir nos shows da turnê que começa nesta quarta-feira (10.04), em São Paulo, passa por Porto Alegre (11.04) e termina no Rio de Janeiro (13.04), no festival Queremos!. “Além disso, isso é do Google Tradutor! Ainda não falo português, que vergonha! Que pena e somehow, que prazer!”, escreveu no mesmo post.

Dois meses depois, Devendra começou a entrevista com a ELLE arranhando um português. “Eu me sinto muito ligado ao Brasil”, contou. “Moro em Echo Park, em Los Angeles, um bairro de muitos brasileiros, onde você não pode andar na rua sem que alguém te ofereça um açaí ou um pão de queijo. Infelizmente, meu brasileiro favorito, Rodrigo Amarante, se mudou para Nova York, mas eu estou tentando trazer Tim Bernardes”, disse.

Entre os pedidos de música de fãs brasileiros, Devendra, 42 anos, mostrará seu mais recente álbum, Flying Wig (2023), em sua quarta visita ao Brasil. Já são 21 anos de carreira e onze álbuns, em que este texano com raízes venezuelanas se consolidou com um dos nomes mais interessantes da música independente dos Estados Unidos, depois de ser um dos expoentes do movimento folk psicodélico do início dos anos 2000.

Na entrevista a seguir, ele fala sobre as eleições presidenciais nos EUA, Issey Miyake, skate e como equilibra sua música, poesia e pinturas:  

DEVENDRA BANHART

LEIA MAIS: BEYONCÉ RESGATA RAÍZES NEGRAS DO COUNTRY EM “COWBOY CARTER”

Houve um intervalo de quatro anos entre seu penúltimo álbum, Ma (2019), e Flying Wig. Neste período, você esteve envolvido com a música a maior parte do tempo?
Entre e Flying Wig, fiz um álbum instrumental com o (músico e produtor estadunidense) Noah Georgeson, chamado Refuge (2021). Cada um escreveu metade do disco, e fizemos isso remotamente, por meio do Zoom, basicamente. Mas isso tomou muito tempo. Então, parece que esse álbum foi uma boa transição de Ma, que tem muitas guitarras acústicas, para Flying Wig, que tem mais sintetizadores. Refuge está entre essas duas coisas. Mas provavelmente todo disco é uma mudança para o próximo. Obviamente, a pandemia foi uma grande influência do álbum. E acho que todo mundo vai fazer discos que são influenciados pela pandemia por muito tempo. Mesmo se disserem que não tem nada a ver com a pandemia, ainda tem, porque nós todos experimentamos isso coletivamente. Realmente, comecei a apreciar poder sair, mesmo que eu adore tocar arrumado em casa. É muito divertido, muito teatral, mas a performance começa quando escolhemos uma roupa e saímos para o mundo. Então, comecei a realmente valorizar algo que eu sempre amei, que é a moda, como você se veste, como isso muda como você se sente e o que isso diz ao mundo. E como você pode ‘ler’ alguém pelo que ele está vestindo, não julgando, mas observando a história que ele está contando. E pode ser “eu não quero que você olhe para mim”, isso é uma história também. Isso é muito bonito, porque muda qualquer interação social.

Devendra 9464 edit1 REVISED 3

Cate Le Bon foi uma colaboradora importante para Flying Wig. Como essa parceria surgiu?
Somos amigos há muitos anos. Eu estava trabalhando por muito tempo com uma pessoa e passamos a fazer gravações juntos de uma maneira diferente, o que abriu espaço para coproduzir o disco com alguém. Convidei Cate (cantora e compositora galesa), e ela é tão boa que disse: “Você é quem está produzindo”. Então, ela assinou Flying Wig e fez isso de forma muito colaborativa. Sempre adorei sua música, suas letras e é muito útil trabalhar com alguém que você quer impressionar. Cate não diz apenas ‘sim’, ela realmente me desafia e isso fez o álbum mais interessante. E também foi ela que me deu essa roupa de Issey Miyake. O design dele te encoraja a sentar e parar de uma forma particular. E, claro, a postura muda a forma como você canta. Acho Issey Miyake um designer maravilhoso para cantores, porque as roupas quase forçam você a estar em uma posição que é ideal para cantar, para projeção.

Seu primeiro álbum completou 20 anos recentemente. Como acha que sua música se transformou nessas duas décadas? 
Bem, soa como uma tortura para mim ter que ouvir esses álbuns (do início da carreira). A verdade é que eu não os escuto, mas se fizesse poderia pensar que é apenas um outro ser humano. Faz muito tempo e me sinto tão longe dessa pessoa. Por outro lado, sinto que estou cantando sobre a mesma coisa. Não acho que seja estranho, poderia tocar essas músicas. Sinto que elas são muito eu e que as escrevi ontem. É um pouco paradoxal, não é muito uma resposta, mas quero dizer que muitas coisas mudaram e, ao mesmo tempo, estou preocupado porque nada mudou. Não sei qual é a verdade. Eu sabia menos naquela época, mas achava que sabia mais. E agora sei um pouco mais, mas não o quanto eu pensava que sabia então.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by Devendra Banhart (@devendrabanhart)


LEIA MAIS: HÁ CLIMA PARA FESTIVAIS DE MÚSICA EM 2024?

Como você tenta balancear sua música, sua poesia e suas pinturas? Acho que as pessoas não sabem que você estudou arte na faculdade.
São três disciplinas diferentes e elas se alimentam umas das outras. Normalmente, escrevo e vejo quais poesias precisam de música e quais podem existir sem ela. Eu estudei em uma escola de artes, mas as minhas pinturas são brutas e infantis. Não tão infantis, porque desenho pênis e coisas assim. Não acho que sejam boas pinturas, mas que talvez possam fazer alguém rir ou sorrir. E aprecio quando alguém me faz rir. Não pinto até achar bonito, mas até começar a rir. E escrevo músicas até começar a sentir uma emoção. Geralmente, é algo um pouco mais triste, relacionado à saudade, ao medo e à dor. Estou trabalhando em um segundo livro de poesias e parece que cada uma delas tem que ter algum tipo de experiência aprendida. Então, uma música é talvez algo que senti, uma pintura é algo que vi e uma poesia é algo que aprendi.

Você planeja lançar este livro este ano?
Não sei, vamos ver. Apenas comecei a trabalhar nele, a editar. Lancei um livro de poesia (Weeping Gang Bliss Void Yab-Yum, 2019) alguns anos atrás e acho que já tenho material suficiente para um segundo. Também quero lançar um livro de fotografias, mas vou esperar voltar ao Brasil para que eu possa clicar o máximo que puder.

“Acho Issey Miyake um designer maravilhoso para cantores, porque as roupas quase forçam você a estar em uma posição que é ideal para cantar, para projeção.”

Nos próximos meses, você tem shows na Europa. Depois de tantos anos fazendo turnês, ainda é prazeroso viajar?
Bem, nós nos amamos na banda, nos divertimos e isso faz com que alguns dos desafios fiquem mais fáceis. Quando as pessoas pensam em turnê, acham que você está apenas se divertindo. No post do Instagram, estamos na praia. Mas a realidade é que você não dormiu, não almoçou ou não jantou. Você está apenas se deslocando, carregando coisas, se ajustando, testando o som. É exaustivo, na verdade. Então, isso requer muito esforço e disciplina. É como um portal para um mundo, um ritmo de existência totalmente diferente. E isso é muito mágico. Nós somos muito agradecidos por poder continuar fazendo isso. E eu consigo me conectar com a cidade. A primeira coisa que faço quando chego em uma nova cidade, ou tento fazer, é encontrar algum lixo que eu possa pegar e jogar fora. Ou dar um pouco de dinheiro para alguém na rua, como uma oferta para dizer “olá, estou aqui”. É uma forma de me apresentar para um lugar, é um jeito ritualístico de viver. Mas o mundo chama o ritual de irracional. O mundo chama de irracional a maioria das coisas mais bonitas.

“Uma música é talvez algo que senti, uma pintura é algo que vi, e uma poesia é algo que aprendi.”

As eleições presidenciais dos Estados Unidos serão em novembro. Quais são as suas expectativas e como você vê este cenário político atual?
Tenho amigos que não conseguem nem dizer o nome de Trump porque é traumático para eles. Para mim, é ainda mais traumático que ele tenha voltado. Tenho que tentar ser compassivo porque sou budista, fiz um voto. Então, tento dizer: “Essa pessoa nunca foi amada, nunca teve um amigo de verdade, nunca foi tratada com bondade”. Ele é o que acontece quando você nunca foi amado. O fato de tantas pessoas quererem votar nele também mostra quantas pessoas nunca foram tratadas com dignidade, bondade e compaixão. Na eleição, vou votar no candidato democrático, sou hiper de esquerda. Mas estou muito pessimista. Quando se trata de política, já vivi o bastante, vejo padrões retornarem, vejo pessoas dizendo a mesma coisa. Mas há quem me inspire. Assistir a um discurso da (congressista estadunidense) Alexandra Ocasio-Cortez me faz chorar. Então, existem esses pequenos diamantes.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by Devendra Banhart (@devendrabanhart)


Sua admiração por Caetano Veloso é conhecida, assim como sua parceria com Rodrigo Amarante. Você mencionou Tim Bernardes. O que mais tem ouvido da música brasileira?
O disco solo do Tim é muito bom. Também gosto muito de Ana Frango Elétrico. Ainda escuto Ney Matogrosso, Dick Farney, eu ouço música brasileira antiga, Dorival Caymmi, Tim Maia, Novos Baianos. Todos os dias escuto, obviamente, Caetano, mas tenho mergulhado nos álbuns de Maria Bethânia. Também amo Hermeto Paschoal e Tom Zé, é tão bom e ainda soa muito moderno e fresco para mim.

Você segue andando de skate? Em Mala (2013), você dedicou uma música a um skatista, “The ballad of Keenan Milton”. 
Eu ainda ando de skate. Mas desde que Rodrigo Amarante não esteja por perto. Porque ele quebrou minha perna com sua cabeça enquanto andávamos de skate. Mas eu amo muito ele. Acho que o skate é o balé mais lindo. Também foi assim que fui apresentado a muitas das minhas músicas favoritas, através de vídeos de skate. Não saberia nada sobre David Bowie e John Lennon. O skate foi uma grande introdução à música para mim. Obrigado ao skate.

Devendra Banhart: quarta-feira (10.04), na Audio, em São Paulo; quinta-feira (11.04), no Opinião, em Porto Alegre, e sábado (13.04), no festival Queremos!, no Rio de Janeiro.

LEIA MAIS: MARIA BETHÂNIA É TEMA DE MOSTRA COM FOCO NA FORÇA DE SUAS PALAVRAS

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes