Maria Bethânia é tema de mostra com foco na força de suas palavras
Ocupação sobre a cantora no Itaú Cultural, em São Paulo, foca na sua ligação com a literatura, expõe fotos raras das suas raízes em Santo Amaro (BA) e revela bordados confeccionados por ela na pandemia.
Cinco meses antes do início da turnê de reencontro com o irmão mais velho Caetano Veloso, em agosto próximo, Maria Bethânia toma a cena como elemento central do projeto de ocupações do Itaú Cultural, numa exposição que adota como duplo mote principal a relação da cantora com as palavras e com suas raízes pessoais e familiares no Recôncavo Baiano. A Ocupação Maria Bethânia, 62ª iniciativa da série, será inaugurada nesta quarta-feira (13.03) e segue em cartaz na sede do Itaú Cultual na avenida Paulista, em São Paulo, até 9 de junho, nove dias antes do aniversário de 78 anos da artista.
A mostra tem curadoria conjunta do Itaú Cultural e da encenadora paulistana Bia Lessa, que tem dirigido espetáculos de Bethânia após a morte de seu diretor histórico, Fauzi Arap, em 2013. A cantora participa da elaboração da ocupação indiretamente, pela proximidade com Bia Lessa, narrando de voz própria a audiodescrição da parte fotográfica da exposição e oferecendo para primeira visitação pública dois bordados que confeccionou durante a pandemia de covid-19.
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A mostra ocupará dois andares da instituição. No andar inferior, uma série de fotografias, muitas delas totalmente inéditas para o público, privilegiará o relicário íntimo de Bethânia, especialmente suas relações com a família e com a terra natal, Santo Amaro da Purificação. No pavimento superior, estarão expostos os bordados e 47 monitores com um vídeo de 1h45min de imagens em looping, dirigido por Bia Lessa e centrado nas relações de Bethânia com as palavras, os compositores e os poetas que norteiam sua história na música popular brasileira.
Embora ainda não haja confirmação, o Itaú Cultural acalenta a expectativa de que Maria Bethânia visite a ocupação em algum momento daqui até junho, o que vale também para Caetano Veloso, 81, figura onipresente na música da irmã, no vídeo dirigido por Bia Lessa e na exposição como um todo.
As raízes de Maria Bethânia
No andar inferior da Ocupação Maria Bethânia, 98 imagens retratam o ambiente social, familiar e físico que gestou a artista até sua estreia no eixo Rio-São Paulo, em 1965, substituindo a cantora Nara Leão no espetáculo musical Opinião. Nessa seção, há imagens da infância e da adolescência, com os pais Canô e Zezinho e com os irmãos, em festas de Carnaval na juventude, em momentos de descanso nas residências de Santo Amaro e de Salvador, durante a preparação da procissão de Nossa Senhora da Purificação, em Santo Amaro, e seguindo cortejo para Iemanjá em Salvador. A cada imagem correspondem, projetados no chão, frases ou versos de autores como Álvaro de Campos, Clarice Lispector e Waly Salomão. Em paralelo à ocupação, o Itaú Cultural apresentará shows que remetem às raízes de Bethânia, protagonizados pelo sobrinho Moreno Veloso, filho de Caetano, e pelo santamarense Roberto Mendes, compositor frequente na discografia da cantora.
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Um dos bordados de Bethânia, criados na pandemia, em exibição na mostra Foto: Andre Seiti/ItauCultural
Os bordados
Reclusa na Bahia durante a fase aguda da pandemia, Bethânia passou a bordar à mão e confeccionou duas peças, ambas ancoradas na força das palavras. Na primeira, a inscrição Céu de Santo Amaro encabeça pontos bordados em vermelho, amarelo, marrom, cinza e preto, constituindo uma espécie de mapa geográfico e/ou simbólico. No segundo bordado, Rotas do abismo, palavras e expressões como “núcleo”, “rumo”, “norte”, “guia”, “nada”, “aluvião”, “palavra germinada”, “crua língua de fogo”, “nua serpente velada”, “tua escuridão” etc. repousam acima de um coração vermelho cujas veias e artérias parecem pulsar. “Os bordados são a parte mais inédita, que nunca foi exposta”, explica Galiana Brasil, gerente de Curadorias e Programação Artística do Itaú Cultural. “Foi o exercício de Bethânia na pandemia. Vai estar exposto na entrada do espaço mais tecnológico do segundo andar. O bordado faz um contraponto, levando para esse lugar mais visual e imagético.”
Bethânia tricotando Foto: Acervo/Ana Basbaum
As palavras
No vídeo em looping do segundo andar da ocupação, enfileiram-se imagens documentais em movimento de diversos períodos da vida e da carreira de Bethânia, com foco no diálogo da artista com a literatura, a poesia e as letras de música, em depoimentos de e/ou sobre autores como Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Sophia de Mello Breyer, José Eduardo Agualusa, Arnaldo Antunes, Caetano e outros. Curiosamente, a música não aparece como protagonista inequívoca da Ocupação Maria Bethânia. “A música entra às vezes, num grito de ‘Carcará’, mas não como uma música inteira, um show. A sonoridade está nos trechos de música, no vídeo mesmo”, descreve Galiana Brasil, lembrando que depoimentos como os de irmãos da artista estarão na íntegra no site do Itaú Cultural, em espaço dedicado à Ocupação Maria Bethânia.
Bethânia e o mar Foto: Acervo/Ana Basbaum
Maria e Bia
A curadora Bia Lessa classifica como “uma alegria” e “um desafio” trabalhar na Ocupação Maria Bethânia ou em qualquer trabalho liderado pela artista ou que diga respeito a ela. “O universo que Bethânia coloca enquanto artista e pessoa é muito rico e necessário nos momentos atuais do mundo. Ela é uma uma personalidade e uma artista que vem trazer conceitos éticos e estéticos poderosos, que precisam ser iluminados”, afirma. Na avaliação da encenadora, “ocupação” é uma palavra certeira para descrever a potência de Bethânia: “Gosto desse nome, ocupação, acho que de alguma forma é isso que ela faz. Ocupa os espaços, ocupa o espaço que acha justo para ela”. Bia justifica o corte curatorial da exposição: “Quando falamos nas palavras, estamos falando em Fernando Pessoa, Arnaldo Antunes, Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Chico Buarque, no professor de Bethânia, no pai, na mãe, em Santo Amaro da Purificação. Essa é a intenção”.
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