Aftercare: chamego é bom e a gente gosta

Uma massagem, um banho a dois, um carinho: pequenos gestos de cuidado depois do sexo são mais importantes do que se imagina. 


Ilustração: Mariana Baptista



Quem me lê aqui nesta coluna, feita com tanto carinho há mais de dois anos, sabe que eu sou fã de um bom chamego e aposto nele como uma poderosa fonte de intimidade, seja nos afetos casuais, amizades ou relacionamentos longos. O chamego é necessário. Dito isso, um movimento nascido dentro da comunidade de BDSM, que é uma ação necessária após qualquer atividade mais intensa, me faz pensar que ele deve ser levado além e adotado por todos, independentemente da relação ter sido mais ousada ou “baunilha”. Esse movimento, ou melhor, essa movimentação, se chama aftercare, que na tradução livre é um “cuidado após”. 

Quem não gosta de uma conchinha, uma massagem, de palavras de cuidado ou carinho, de relembrar as melhores partes, tomar um banho juntos ou qualquer ato que seja gostoso após a relação? Esse pode ser um toque a mais de segurança e leveza muito simples para a relação. A verdade é que transar é algo muito intenso emocionalmente, mesmo quando não existe uma intensidade no ato em si. Trocar fluidos, desejos e toques com outra pessoa nos deixa num lugar de vulnerabilidade que pode ser muito bonito, mas também pode gerar uma sensação estranha quando acaba. 

Outra coisa: apesar do sexo ser algo bastante valorizado e buscado socialmente, além de liberar muitos hormônios do bem, como endorfinas, ocitocina e serotonina, ele também possui um lado muito comum e pouco falado, que é uma certa tristeza após o orgasmo (obviamente, casos de abuso não entram aqui). E isso tem nome: é a disforia pós-coital. Num estudo de 2019 com 1.208 homens, publicado no Journal of Sex & Marital Therapy, 41% relataram ter experienciado um episódio de disforia pós-coital em algum momento da vida. Apesar de ser algo que atinge todos os gêneros, o estudo constatou que mulheres acabam tendo quase 3 vezes mais chances de viver esse sentimento após uma relação. Numa outra pesquisa feita em 2015, publicada no Sexual Medicine, com 230 mulheres heterossexuais australianas, com idades entre 18 e 55 anos, 46% afirmaram terem vivido a disforia pós-coital no passado, enquanto 5% tinham vivido isso nas últimas 4 semanas. E o que isso nos diz? Que o corpo é muito mais complexo do que julgamos. Podemos facilmente ter uma resposta física satisfatória e, ainda assim, o emocional se ver abalado e fragilizado. 

Nosso cérebro é atravessado 24 horas por reações químicas e, mesmo que a ciência esteja muito mais empenhada hoje em descobrir como são os funcionamentos ligados a experiências sexuais, ainda temos um longo caminho a percorrer para entender mais sobre o nosso sentir. Dor e prazer, euforia e tristeza, vontade e repressão, todas essas dualidades ainda são próximas de maneiras bem misteriosas para nós, e não existe uma resposta certa ou definitiva sobre a maioria das coisas que a mente e o corpo pedem ou rejeitam. 

A disforia pós-coital seria como uma rebordosa? Aquela ressaca após uma enxurrada de prazer? Talvez sim, mas ainda não temos nada mais elaborado sobre o assunto. Só sabemos que acontece, mas que também logo passa e não deve ser frequente. Outra coisa fácil de saber é que ter essa responsabilidade afetiva (por mais gasto que o termo se encontre) após qualquer tipo de atividade sexual, o que aqui estou chamando de aftercare, pode ajudar a diminuir o efeito da “ressaca de prazer” ou até amparar melhor a pessoa, para que ela passe por isso, mas consiga estar segura o suficiente para deixar o sentimento ir embora no seu tempo. Claro, em casos onde os sintomas de baixa dentro desse contexto se apresentam constantes, a pessoa deverá procurar um terapeuta sexual e investigar melhor essa reação, para que ela possa ser devidamente tratada. 

Mas, voltando ao chamego, ele não é só necessário, mas também é curativo. Muitas vezes é a falta da presença dele que torna a experiência, que até então era boa, em apenas ok ou até ruim. Vejo muitas pessoas com medo de fazerem o mínimo por sentirem que podem ser mal interpretadas, que se tomarem um café da manhã com o outro no dia seguinte, pode parecer que estão mais afim do que de fato estão. E, sinceramente, não me parece tão inteligente se negar o acesso de boas sensações e se limitar dessa forma. O afeto e o cuidado podem florescer tranquilamente em lugares casuais. A comunicação existe exatamente para que as coisas fiquem claras. Você pode se entender não pronto para estar num relacionamento sério e, mesmo assim, se importar com a outra pessoa antes, durante e depois do sexo. Assim, como você pode estar no mesmo namoro/casamento há anos e entender que as formas de sentir da sua parceria podem mudar. Por isso é importante checar e cuidar todas as vezes, em vez de achar que sabe tudo o que a outra pessoa está sentindo e não perguntar. 

Desejo que, após essa leitura, o aftercare seja incorporado de maneira mais consciente na sua vida sexual, como um passo que ajuda a prolongar o prazer e a lidar com a montanha-russa de hormônios disparados de maneira mais equilibrada. Afinal de contas, o que vem antes, também conhecido como “preliminares”, importa muito, mas nem só de intenções sexuais vive o sexo. Existe o repouso, o diálogo, o toque despretensioso e vários outros elementos que importam tanto quanto e merecem ser reivindicados e celebrados!

Clariana Leal é educadora sexual e carrega como propósito a abertura honesta e inclusiva do diálogo sobre sexo, desejo e corpo. Na sua coluna Prazer sem dúvidas, ela responde mensalmente as dúvidas do público da ELLE.

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