BTS é coisa de garota de treze anos

E eu tenho certeza de que precisamos aprender bastante com elas.


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Na noite do último dia 21 de novembro, o BTS fez história na indústria da música sendo o primeiro ato asiático a receber um prêmio de Artista do Ano em uma premiação americana. E poucas vezes me senti tão feliz.

Tudo bem, muita gente já sabe que sou ARMY (a sigla para os fãs do BTS) e acompanho a carreira dos sete usando uma lupa bem grossa com lentes roxas de amor. Sim, muita gente sabe que sou um clichê de fã, uma pessoa que se dedica ao artista, que compra, apoia, vota, faz tudo o que pode para ver seu artista mais amado ganhando todos os prêmios e brilhando em todas as oportunidades.

Porém muitas vezes em que falo sobre o BTS, escuto piadas sobre como suas fãs são apenas garotas de treze anos. E em todas elas me pergunto: qual é o problema em ser uma garota de treze anos?

Tudo bem, muita gente já sabe que eu tenho trinta anos, não treze. E eu conheço algumas boas dezenas de ARMYs que são até bem mais velhas do que eu. Já recebi mensagens de fãs de mais de sessenta anos. Porque o que nos motiva é um amor diferente. É um sentimento que ativa toda sua eletricidade de alegria, é o que te faz capaz de admirar outra pessoa (ou outras sete pessoas) de um jeito que te faz feliz. E se isso é coisa de garotas de treze anos, então eu tenho certeza de que precisamos aprender bastante com elas.

Tenho uma lista de coisas em comum com as meninas fãs do BTS: dedicação para entender pelo menos duas línguas – inglês e coreano –; para conseguir acompanhar notícias e conteúdos sobre os sete; disposição para insistir em votações, apoiando aqueles que fazem arte que nos toca; organização e paciência para conseguir ter álbuns físicos e outras coisas relacionadas aos sete, já que ainda não temos uma distribuição dos álbuns fora da Coreia do Sul e é muito difícil conseguir a arte deles em forma física (demora, é caro, tem risco de extravio e envolve uma espera que parece sem fim); muita autoconfiança para suportar piadas e deboches de quem é racista, ignorante ou simplesmente idiota e, acima de tudo, a consciência de que artistas precisam de suporte, precisam do apoio daqueles que acompanham seus trabalhos; eu tenho – assim como as garotas de treze anos – a consciência de que artistas precisam ter fãs.

Veja só, eu também sou artista. Nem de longe o tipo de artista que é uma estrela da música, sou uma escritora brasileira e sertaneja que, bem, teve que começar do zero, sem nenhuma ajuda, publicando meus escritos de forma independente, e que só chegou até aqui, agora numa grande editora, agora colunista da ELLE, porque a “indústria” não podia mais me ignorar. E acho que essa é uma coisa que tenho em comum com o BTS, que também começou distribuindo panfletos nas ruas pedindo que pessoas fossem ao show gratuito deles. E é por isso que sei o quanto o apoio de quem gosta do meu trabalho é fundamental para que eu possa sobreviver da arte. Fazer dela o meu trabalho. Ter liberdade e tempo para me expressar e, felizmente, hoje usar as minhas plataformas para apoiar outras autoras que estão começando da mesma forma que comecei há alguns anos.

Há duas coisas que todos nós precisamos aprender com esse caso das garotas de treze anos que são fãs do BTS: 1) Se você não alimenta a arte que te toca, ela morre; e 2) Por que é tão aceitável expressar esse tipo de machismo tão cruel contra meninas? Por que quando uma coisa é vista como “coisa de menina”, ela é diminuída e ridicularizada?

Eu não estou aqui para dizer que se alguém não é fã do BTS, essa pessoa está falhando. Eu estou aqui para dizer que se você não é fã do trabalho artístico que você consome, que te alimenta, então você está falhando.

Não, você não precisa passar horas traduzindo material do coreano para o inglês e do inglês para o português. Você não precisa virar madrugadas assistindo premiações. Na literatura, o mais próximo que temos de uma expectativa como premiações americanas de música é o Prêmio Nobel, e essa aproximação ainda é muito, muito distante. Na verdade, o que você pode fazer é de fato comprar o que o artista que você admira cria, seja um álbum musical ou um livro, e tornar intencional a sua relação genuína com aquela expressão artística. Ou seja, saber que é importante apresentar aquele material para mais pessoas, falar dele nas suas plataformas (sim, suas redes sociais contam muito) e não deixar que esse artista fale sozinho. Muitas vezes na minha carreira eu quase falei sozinha, em eventos com pouquíssimo número de pessoas presentes. Até que eu chegasse ao palco principal da Flip, um dos maiores eventos literários do país, até que eu tivesse um livro traduzido para outra língua e fosse fazer “turnê” de lançamento na França, pode acreditar, eu já me senti muito sozinha. Mas aquelas poucas pessoas que liam o que eu escrevia e que me mostravam apoio foram como chamas que me mantiveram insistindo.

Esse texto é muito mais um desabafo de fã, ou talvez uma comemoração de fã, do que algo planejado e estruturado. Ainda estou eufórica por ter assistido a euforia do BTS, ainda estou elétrica pela energia compartilhada com os outros fãs. Homens, mulheres, meninas, meninos, de todas as idades, todas as orientações sexuais, todas as etnias. Eu estava ontem, no mesmo horário, com os mesmos olhos brilhantes, sintonizada com uma garota de treze anos da Tailândia, da Nigéria, do Canadá, da Turquia. Com orgulho, compartilhando algo com meninas que se mostram tão fortes, tão mais alertas e conscientes do que tantos adultos que dizem amar arte, literatura, cinema, teatro, música.

Tudo bem se você não tem tempo para dar ao artista que você admira o tipo de dedicação que uma ARMY doa ao BTS. Mas o que você tem feito para que a arte dessa pessoa que você acompanha se mantenha viva, pulsante, e suficiente para que essa pessoa se sustente em um país que desvaloriza a arte de tantas formas?

Da próxima vez, não caia em armadilhas machistas, não faça pouco das meninas de treze anos. E das mulheres de trinta. Mas reflita sobre o que você pode aprender com elas.

A dedicação dessas garotas de treze anos fez história na noite do dia 21 de novembro de 2021. Isso jamais será apagado.

Eu quero ser muito mais como uma garota de treze anos. Muito obrigada, meninas, por me acolherem no grande grupo de fãs e por me ajudarem a aprender coreano.

Muito obrigada por me inspirarem como artista.

Nascida em Juazeiro do Norte, na região do Cariri (CE), em 12 de Fevereiro de 1991, Jarid Arraes é escritora, cordelista, poeta e autora do premiado “Redemoinho em dia quente”, vencedor do Prêmio Biblioteca Nacional, do APCA de Literatura na Categoria Contos e finalista do Prêmio Jabuti. Jarid também é autora dos livros “Um buraco com meu nome”, “As Lendas de Dandara” e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis”. Atualmente vive em São Paulo (SP), onde criou o Clube da Escrita Para Mulheres e tem mais de 70 títulos publicados em Literatura de Cordel.

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