Carta aberta às que nunca tiveram orgasmos

A pressão vem de todos os lados e, principalmente, de nós mesas. E se a gente trocasse a necessidade de "chegar lá" pela vontade de sentir prazer?


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Esse não é um texto fácil de fazer porque envolve uma sensibilidade extrema, que prometo manter nesses próximos parágrafos. Instituições e pesquisadores apontam que estou aqui falando com 10% a 50% da população mundial feminina, e é realmente difícil estabelecer um número exato de mulheres que não tiveram orgasmos. Mas sabendo que pelo menos 40% das brasileiras nunca chegaram nem a se masturbar, podemos entender que, de fato, todos esses números fazem sentido.

Imaginar que tantas mulheres jamais impulsionaram suas buscas por autoconhecimento sexual não parece tão fora da realidade quando percebemos que estamos num país extremamente religioso, e que a cartilha dos “bons costumes” ainda é via de regra pra muitas. Conheci mulheres que abdicaram dos próprios orgasmos por acharem que viver o autoprazer não caberia no papel da boa esposa ou boa mãe e por simplesmente aceitarem que deveriam ser ou uma coisa ou outra (mas, ei, já adianto que as duas coisas se encaixam perfeitamente juntas). Há também quem não faça questão, por achar que é pecado, já que crescemos sendo ensinadas diariamente que é (mesmo não sendo).

Mas não é com quem deliberadamente escolheu não receber esse bônus da natureza que eu quero falar (isso pode ser um papo pra outra coluna), e sim por quem vem buscando, de muitas maneiras, mas ainda sim não conseguiu “chegar lá”.

Primeira coisa que eu preciso te dizer: seu corpo não está quebrado, e como você pôde ler ali no comecinho do texto, milhões de mulheres também passam pela mesma coisa. Dito isso, entendo a frustração e me assusto com a proporção que a tal “expectativa do orgasmo” tomou nos últimos tempos. Parece que hoje tudo se resume a “tenha orgasmos múltiplos”, “conheça os sete tipos de orgasmos diferentes e vá atrás de todos eles”, “como chegar ao clímax apenas com penetração” etc, e caso uma mulher não consiga cumprir todos esses requisitos, mesmo seguindo com afinco os passos descritos, ela automaticamente não é bem resolvida o suficiente. Mas esse é outro mito, porque as coisas não são tão superficiais quanto estão tentando nos fazer acreditar que são.

Sempre que não reconheço mais o mundo ao redor e me pergunto como chegamos até aqui, minha psicóloga maravilhosa lembra que (infelizmente) estamos na era da técnica. Desaprendemos a sentir, mas somos soterrados com informações e tutoriais de fórmulas infalíveis e que supostamente funcionam como mágica, pra tudo e o tempo todo. E é nesse ponto que nos deparamos com o principal problema, que não está no nosso corpo e nem em como ele é tocado, mas sim nessa loucura onde as potências se resumiram apenas a metas que devem ser alcançadas através de técnicas.

E se a gente mudasse a necessidade de ter um orgasmo pela vontade de sentir prazer? Se no fim fosse essa a meta principal, vivenciar experiências gostosas e aproveitar a própria companhia? Será que se o orgasmo fosse apenas uma consequência, algo que vem despretensiosamente pelo caminho, mas que não é o destino final, a gente, enfim, conquistaria uma relação mais profunda e leve com a nossa sexualidade? Pressão sufoca, tira a delícia que é respirar e se sentir vivo, por isso que acredito que ela jamais deveria andar junto com algo tão sagrado quanto o prazer.

Escrevo pra vocês num intuito de ampliar mais os horizontes e acalmar esses corações ansiosos. Se você nunca teve um orgasmo, saiba que tudo bem, e que, sim, ainda é possível ter, mas que sua vida ou valor enquanto mulher não precisa girar em torno disso. A vulva possui complexidades que só se entende sentindo. Respire fundo e, se precisar, mude a rota pra conseguir apreciar mais as belezas que vão te atravessar nessa caminhada, que por sinal é infinita e não segue bem uma linha reta. Lembre-se de andar de mãos dadas com seu prazer, sua paz e sua saúde mental, são eles que vão te levar pra lugares verdadeiramente mágicos. E, por fim, perceba o quanto o seu cérebro é seu maior órgão sexual, e não se esqueça de estimulá-lo com referências de sexualidade positiva antes de começar a estimular e tocar em qualquer outra parte do corpo. Fechar os olhos e sentir is the new goal.

Clariana Leal é educadora sexual e carrega como propósito a abertura honesta e inclusiva do diálogo sobre sexo, desejo e corpo. Ela é também sócia da primeira sex shop brasileira 100% focada no prazer feminino. Na sua coluna Prazer sem dúvidas, vai responder mensalmente as dúvidas do público da ELLE pelo Instagram e também aqui no site.

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