Corpos proibidos

Sobre anúncios, curvas e amor.


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Há duas semanas o Pinterest anunciou uma série de novas proibições no que seria uma campanha contra a gordofobia e a idealização de certos tipos de corpos na rede. Assim, ficaram proibidos, além dos já banidos anúncios de remédios e tratamentos invasivos para perda de peso, “testemunhos sobre perda de peso ou produtos para emagrecimento; linguagem ou imagem idealizando ou depreciando certos tipos de corpos; referências a Índice de Massa Corporal (IMC) ou índices semelhante e produtos que alegam facilitar a perda de peso ao serem aplicado sobre a pele”.

Embora o controle desse tipo de publicidade possa gerar algum efeito positivo, me pergunto o que esse tipo de ação tem de efetivo, se a preocupação é de fato com o cerne da questão. Ao que parece, mais uma vez, as empresas preferem lidar com os efeitos colaterais e tirar o corpo fora do que encarar a coisa de frente.

O item dois da nova proibição é um exemplo disso. O que seria uma linguagem que idealiza um certo tipo de corpo, por exemplo? Não seria essa a imagem, a linguagem da maioria dos conteúdos e publicidade dos mais variados tipos, mesmo considerando todos os avanços? Evidentemente o Pinterest se refere a peças publicitárias que façam isso diretamente, com todas as letras, na literalidade.

Mas o que faz alguém detestar seu corpo ou ter certeza de que ele é socialmente inaceitável vem da publicidade desse tipo de produto ou esse tipo de anúncio mais direto é o último elo de uma cadeia muito maior, o brilho na ponta do iceberg?

O corpo gordo ganha espaço, mas segue no papo da “inclusão”. Ainda não é um corpo que pode simplesmente estar ali como outro melhor aceito. É ainda lugar apontado como arena de debate, de vigilância. E se esse corpo passa a ser “incluído”, o é por quem detém o poder do padrão. Se houvesse vestibular de corpos, o corpo gordo teria passado, enquanto os magros e malhados simplesmente teriam vaga garantida.

No filme O amor é cego, hoje renegado por Gwyneth Paltrow, ela interpreta uma moça que faz par romântico com o protagonista masculino. Aos olhos dele, a moça, que na verdade é gorda, aparece magrinha, tem o corpo de Gwyneth.

Ou seja, o filme diz que ele a vê magra porque a ama. No discurso gordofóbico e absurdo, o amor conserta a mulher gorda transformando-a em magra, ou seja, bonita.

Quem quer que tenha imaginado esse argumento ignora qualquer coisa de mais mínima sobre amor. O amor cria beleza a partir de alguém. O amor não “inclui” benevolamente o gordo, ele simplesmente vive a atração que aquele corpo e tudo o que vem com ele é capaz de exercer. Ela não é bonita porque é gorda ou magra, a beleza é bonita porque está nela, porque é algo nela.

E não, não estou falando de beleza interior ou outro clichê do tipo, estou falando de olhar e ver beleza.

Embora haja validade nas boas intenções de limpar as redes da obsessão com anúncios de remédios, clínicas e antes e depois, a coisa é mais complicada.

O que empresas, celebridades e influenciadores poderosos estão fazendo para tirar o corpo gordo desse julgamento silencioso, desse filtro que para se dizer inclusivo segue passando pelo crivo do padrão magro?

Não basta fazer isso somente pelo viés do consumo. Se a resposta é complexa, boas perguntas ajudam. E elas não estão na opção de ver ou não publicidades dirigidas, mas em entender por que o corpo gordo é tratado com diferença nas nossas relações pessoais e profissionais, no que ele se engancha em questões políticas e da sexualidade, na esfera simbólica e nas disputas de poder.

O amor não é cego nem vê além das aparências. Ele só é capaz de enxergar com sua verdade, coisa que não cabe nas medidas tristes da vidinha de consumo.

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