“Mas” e “Não parece”

A intenção pode até ser boa, mas acredite: dizer que a mulher não aparenta a idade que tem não é um elogio.


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Andrea Beltrão e Ivete Sangalo.

Além dessas duas mulheres serem artistas, profissionais bem-sucedidas, admiradas, talentosas, independentes, inteligentes e lindas, o que mais você acha que elas têm em comum? Quem respondeu “lidar com o preconceito por estarem envelhecendo” acertou. Não importa qual religião, cor, nível social ou qualquer outra categoria a que você pertença. No Brasil, quando o assunto é a idade, principalmente da mulher, existe o preconceito.

Recentemente, duas situações repercutiram muito nas mídias sociais e, para nossa alegria e felicidade geral da mulherada mais madura, têm dado o que falar. Não à toa.

No episódio com a Andrea Beltrão (não vamos nos esquecer de que ela acabou de interpretar Rebeca, uma mulher madura, ex-modelo às voltas com todas as questões do envelhecimento, como menopausa, prazer com um homem muito mais novo e, claro, que fez a internet bombar com uma cena de masturbação para lá de quente!), a atriz fez um depoimento para uma marca de cosméticos que questiona o uso da palavra “mas”, sempre precedendo um elogio quando o assunto tem a ver com a idade. No vídeo, olhando a câmera como se olhasse dentro dos olhos de cada um que a assistia, ela disse que, com frequência, ouvia: “Nossa Andrea, você tem 58 anos, mas está ótima! Nessa hora, eu sorrio, agradeço, não perco muito tempo com isso. Mas, o que esse ‘mas’ quer dizer? Que porque eu tenho 58 anos eu deveria estar péssima? Parece que sim. Você também já deve ter ouvido e até dito isso muitas vezes, é uma questão cultural. Mas esse ‘mas’, na verdade, carrega um preconceito gigante contra a idade, mesmo que a intenção seja boa. Elogio com ‘mas’ não é elogio. Eu tenho 58 anos ‘E’ estou ótima. Eu tenho 58 anos ‘E’ estou superlegal. Eu tenho 58 anos ‘E’ estou cheia de energia.”

Andrea tem razão. No dicionário, a palavra “mas” significa “conjunção que liga orações ou períodos com as mesmas propriedades sintáticas, introduzindo frase que denota BASICAMENTE OPOSIÇÃO OU RESTRIÇÃO AO QUE FOI DITO; porém, contudo, entretanto, todavia”. Ou seja, é como se depois do elogio, você dissesse “então, não é bem assim”, o que automaticamente transforma esse elogio em um falso elogio. Ponto para Andrea. E para as marcas que estão deixando claro o que muita gente ainda tem dificuldade de entender: envelhecer não é feio. E precisamos falar muito sobre isso, cada vez mais, para não cairmos na cilada das narrativas que nos contaram, desde muito cedo, falando exatamente o oposto disso. Envelhecer é natural, não pode ser considerado um crime, uma responsabilidade da pessoa. É como condenar alguém por, simplesmente, respirar. Ninguém vive sem respirar. Do mesmo jeito, ninguém vive sem envelhecer. Aliás, é até possível morrer jovem, mas viver sem envelhecer, nunca. Estamos todos passando por esse processo a cada segundo desde que nascemos.

Já no episódio com Ivete Sangalo, a mesma emissora que levou ao ar a novela com a personagem de Andrea Beltrão, mostrando as dores e alegrias de uma mulher madura, deu a maior mancada ao anunciar o aniversário de 50 anos da nossa rainha Veveta. Em uma das chamadas para o dia da grande festa, o locutor mandou, cheio de entusiasmo: “A GENTE SABE QUE NÃO PARECE, mas a nossa Veveta está fazendo 50 anos!” Ooooi, senhor locutor? Como assim a gente sabe que não parece?! Quer dizer que na sua opinião uma mulher com 50 anos deveria ser como?! Acabada? Sem energia? Não sexy? Não gostosa? Não fodona? Não cheia de planos? Não linda? Não talentosa? Não engraçada? Não inteligente? Não desejável? Não interessante?!

Nós, mulheres maduras, não queremos mais ouvir que não parecemos a idade que temos. Sim, sabemos que muitos dizem isso com a intenção de elogiar, mas a premissa está errada. Quem elogia dessa forma está comparando uma mulher de 50 anos de hoje com uma mulher de 50 anos de antigamente. As mulheres de antigamente, por inúmeros motivos (desde morrerem mais cedo, não terem independência financeira, não poderem trabalhar fora e serem donas da própria vida ou, simplesmente, terem voz para reivindicar o que queriam e pensavam) pareciam mais velhas de fato, mesmo sendo tão jovens. Uma pena. Mas está na hora de mudar isso e entender que a mulher de 50 anos de hoje se parece exatamente como a mulher de 50 anos… de hoje!

Na feira, ninguém pede para pesar a banana, a maçã e a melancia juntas e dar um preço só porque estão todos na categoria fruta! Do mesmo modo, não podemos comparar uma mulher de hoje com uma mulher de décadas atrás só porque as duas estão na categoria “mulher de 50 anos”. As condições mudaram, o entorno mudou, a medicina mudou, nosso pensamento e atitude mudaram! Talvez, se uma mulher madura de hoje fosse teletransportada para a década de 60, faria sentido alguém olhar para ela e dizer “você tem 50 anos, mas não parece”, afinal o grupo com a qual ela estaria sendo comparada seria muito diferente dela, então, não teria como parecer mesmo.

Mas, hoje em dia, é exatamente o contrário! Somos, na grande maioria, Andreas e Ivetes. E há ainda as Marias, Antonias, Luizas, Manuelas, Lauras e tantas outras! Cada uma encarando seus 50 de um jeito diferente, mas todas com a chance de fazerem suas escolhas, vivendo seus 50 anos da maneira que acharem melhor. Por isso, a gente queria lançar uma questão. Será que ver uma mulher de 50 hoje sem planos, sem tesão, sem vontade, sem sonhos ou desejos é que não deveria chamar a atenção a ponto de alguém dizer: “Nossa, você tem 50 anos?! Não parece.”?! A gente acha que sim.

Ah, e para terminar, no dia de seu aniversário de meio século, Veveta também postou um vídeo, toda trabalhada no brilho, maravilhosa em cima de um palco, lá em Juazeiro da Bahia, onde nasceu, dizendo para o povo se preparar, porque agora, aos 50 anos, é que ela ia “ligar os motores”!

Depois dessa, a gente só tem uma coisa a dizer para toda mulherada madura: e vai rolar a festa!!!

Ohhh, se vai.

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @she____t. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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