Minha bandeira
Em clima de aniversário, colunista defende símbolos nacionais e seus clichês, lembrando da tendência ufanista na moda: será que o verde-amarelo volta?
Nasci no Dia da Bandeira. Dia 19 de novembro, para facilitar o Google de quem (porventura) me lê. Nunca soube exatamente o porquê de essa data ser assim nomeada. Mas sempre gostei de dizer que nasci no Dia da Bandeira. Talvez por isso, possivelmente, eu tenha especial apreço pela bandeira brasileira. Mais do que isso, certamente, tenho especial apreço pelo país em que nasci. Sou brasileira, me sinto muito brasileira, amo o Brasil. Mais do que isso, citando sempre Caetano Veloso, a minha pátria é minha língua. E escolhi minha profissão porque falo – e escrevo – em português.
A bandeira foi sequestrada recentemente por um certo tipo de pensamento sobre o Brasil. Manifestar a bandeira, sacudir a bandeira, fazer farfalhar a bandeira brasileira, desfraldar a bandeira vem sendo identificado com um certo tipo de patriotismo extremista e de extrema-direita. Patriotismo, ufanismo, bizarrismo, nazismo. Essas rimas ruins.
Ufa: o que seria do Brasil sem a internet, e os memes das mulheres em fila, fazendo jogral, nos fazem até rir de uma cena de um nível dramaturgicamente surreal. Muitas delas embrulhadas à bandeira. Seria cômico, de fato, se não fosse trágico.
E lá vem o Brasil, essa nação inventada sobre as dores e as mortes de tantas e tantos, negras e negros, indígenas, povos aniquilados. Lá vem mais uma Copa do Mundo, com suas vinhetas, sua propaganda, publicidades de bancos e cervejas, aquela fome de bola, a bola na rede, euforia, catarse, transe, ópio e padê. Juntamente com o sequestro da bandeira, o país foi alijado de suas cores oficiais. E usar verde-amarelo na rua hoje é sinônimo de você sabe o quê, de adesão a você sabe quem.
Na avenida Paulista, na comemoração do segundo turno, passava uma bandeira gigante pelas mãos das pessoas que ali comemoravam seu resultado. E veio uma lufada de esperança (com isso também): será que em alguma hora teremos a bandeira de volta? Será que o verde-amarelo vai “voltar à moda”?
Se todos gostassem do verde, o que seria do azul?, minha mãe costumava dizer. Ou talvez fosse o contrário. Fato é que talvez seja melhor usar o azul, por via das dúvidas. Muita gente foi votar de branco. A simbologia das cores, a leitura política de matizes, tons e tais. Lula de gravata listrada na COP27 defendendo a Amazônia, e o amarelo-canarinho que traz de volta todo um pantone dos anos de chumbo da ditadura, essa mesma do intervencionismo militar pelo qual brada uma parte da turma por aí estrada afora. Cadê a Anitta de conjuntinho verde-amarelinho pra não deixar a gente mentir?
Eu tinha uma boneca de roupa verde que eu chamava de Menina-Brasil. Tenho uma mancha na perna que quando criança costumava chamar de mancha-mapa-do-Brasil. Eu era criança e minha mãe ouvia Elis Regina. Em volta dessa mesa velhos e moços Lembrando o que já foi. Em volta dessa mesa existem outras falando tão igual Em volta dessas mesas existe a rua vivendo seu normal… Era 1974 e eu estava lá.
Minha mãe também me ensinou a fazer panelaço. Minha mãe ouvia Milton e Chico Buarque. Coisas do Brasil. Gal Costa se foi e com ela uma parte da gente. Mas a Liniker ganhou o Grammy e é com ela que eu vou.
Lá atrás, nos anos 1990 e 2000, a gente (ainda, já) debatia o que seria a identidade da moda brasileira. Os editores gringos vinham atrás do Brasil e a gente se ufanava. A gente se ufanava dos biquínis, dos jeans, das modelos sinuosas e do corpo brasileiro.
Ronaldo Fraga desenhava os contornos do Brasil, e nisso tenho pensado muito. E em Zuzu Angel, com sua moda politizada na pele, avant-garde. E na Elke Maravilha, porque a vi vestindo Zuzu Angel na exposição linda que vi em São Luís do Maranhão.
Quem quer hoje usar verde e amarelo? O presidente eleito vai de 13.
Ele pode. E eu quero.
Quero minha bandeira de volta. A bandeira é minha. Não porque nasci no dia dela, mas porque a bandeira é de todas as pessoas; temos esse direito. Como temos direito de estarmos vivas, vivos, temos o direito a não morrer.
Quero saúde, pouca saúva, desmatamento zero, samba, futebol e Carnaval. Quero a rua, a macumba, o tambor, o gol e a encruzilhada. A vida vivida e o Brasil em sua máxima potência, todos os clichês incluídos. Votei pra isso.
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