Na ausência de abraços…

Em sua primeira coluna, o editor de moda Lucas Boccalão interpreta como uma das principais tendências do resort 2021 remete à nossa carência por contato físico, conforto e proteção.


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Em 2010, no camarim do desfile de inverno da Saint Laurent, a diva pop Kylie Minogue disse com bastante propriedade: “Todas as melhores pessoas usaram capas! Liberace, o Super-Homem e o Conde Drácula”. Faltou incluir ela própria nessa lista, mas tudo bem. Modéstia, né? Fato é que capas sempre tiveram uma aura especial e, agora, nesse momentinho dramático pelo qual estamos passando, elas retornam ao imaginário fashion com novos significados.

Mas vamos por partes. Ou melhor, do começo. As capas foram criadas para propiciar uma camada protetora a quem as usa. Suas primeiras aparições são em ilustrações de 1.300 na realeza européia. Elas iam até o pé com barras e golas de pele. Muitas vezes eram tingidas de vermelho-sangue, cor poderosa que significava ótima colocação na sociedade. Depois, seguiram na linha do tempo como vestes de sacerdotisas, monges, bruxas, oficiais militares e até de papas.

Foi só na era Vitoriana que elas ganharam apelo mais de moda e menos utilitário. Nos anos 1920, acompanharam vestidos de noite e, na década de 30, apareceram as primeiras versões construídas com técnicas de alfaiataria, com buracos para as mãos. A partir da década de 50, os mestres da alta-costura como Christian Dior, Saint Laurent e Hubert de Givenchy reinterpretaram essa modelagem incansavelmente. Quem não se lembra dos vestidos-capa de Cristóbal Balenciaga, cortados no formato e silhueta feminina? “Você não precisa de um corpo quando vier a mim. Eu te darei um”, disse o famoso couturier.

Nos anos 1960, ficaram famosos os modelos de capa com buraco embaixo dos braços, no lugar das cavas. Dez anos depois, o shape clássico foi substituído pelos ponchos de tricô e crochês, febre entre os hippies. Agora, são as versões 60’s a principal inspiração para as peças que apareceram em várias coleções de resort apresentadas durante os meses de junho e julho deste ano.

Ainda estamos – aqueles que podem, pelo menos – trancados em casa por tempo indeterminado. Falar sobre tudo isso parece distante de nossa realidade. E é mesmo, Mas o papel da moda também é de criar escapes, sonhos, proteções. É bonito perceber como tudo isso muda organicamente a criação daquilo que escolhemos para cobrir nossos corpos. Sinta-se abraçade!

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