Não pode?!

A maturidade pode libertar você de certos padrões impostos na juventude, mas é preciso estar atenta para não se submeter à patrulha do envelhecimento feminino.


envelhecimento feminino: mulher velha com símbolo de proibido
Ilustração: Gustavo Balducci



Não pode falar assim. Não pode andar assim. Não pode usar roupa assim. Não pode rir assim. Não pode olhar assim. Não pode gostar de sexo assim. Não pode cortar o cabelo assim. Não pode se expressar assim. Não pode questionar o mundo assim. Não pode cantar assim. Não pode dançar assim. Não pode ser namoradeira assim. Não pode falar o que pensa assim. Não pode mostrar tanto assim. Não pode ser tão inteligente assim. Não pode rebolar assim. Não pode sair assim. Não pode se impor assim. Não pode chamar a atenção assim. Não pode ser mulher assim. 

Nenhum corpo é tão patrulhado quanto o da mulher. Desde que nascemos não podemos, simplesmente, ser livres. Nem assim, nem assado. É verdade que hoje uma mulher 50+ já desconstruiu algumas narrativas que foram criadas para nós e não por nós, mas precisamos ficar atentas para não nos libertarmos de um padrão e acabarmos nos aprisionando em outro. Parece óbvio, mas, infelizmente, não é. 

Prova disso é que, apesar de todos os riscos, em 2019, o Brasil foi o país que mais realizou cirurgias plásticas no mundo. E, de acordo com dados mais recentes da pesquisa realizada pela Sociedade Internacional da Cirurgia Plástica (ISAPS, em inglês) com mais de 1 mil profissionais da área e divulgada no ano passado, o Brasil se encontra em segundo lugar no ranking internacional de realizações de cirurgias plásticas, perdendo apenas para os Estados Unidos. 

Ainda segundo a pesquisa, foram realizadas cerca de 1.306.962 operações no país. Entre os procedimentos mais realizados, estão os de rosto/cabeça, corpo e extremidades e aumento de mama. A abdominoplastia foi a escolha mais popular entre as opções de cirurgias: cerca de 112.186 realizadas. Quanto à distribuição de gênero, o levantamento indicou que, no panorama mundial, 86,3% dos procedimentos cirúrgicos são realizados por mulheres e 13,7% por homens, demonstrando o quanto nós, mulheres, nos submetemos a padrões estéticos ditados por uma sociedade que nos diz, desde que nascemos, como devemos nos comportar, pensar e, principalmente, parecer ou não. 

Muitas de nós acreditamos que com a maturidade isso muda. Mas, infelizmente, não é bem assim. É verdade que, à medida que vamos amadurecendo, nos preocupamos cada vez menos com o que os outros pensam. Mas, quando o assunto é sobre a nossa aparência, nem para as mais evoluídas é tão fácil assim lidar com a imagem refletida no espelho. Isso porque o tempo não para e a imagem que temos dentro da nossa cabeça ficou congelada exatamente naquele tempo que não volta mais.

Mas, com tanta pressão, será que um dia vamos conseguir atualizar essa imagem dentro da nossa cabeça em paz ou vamos continuar sempre perseguindo aquela imagem que ficou parada no tempo? Apesar da resposta ser tão individual quanto o próprio processo de envelhecimento é para cada uma de nós, essa luta para envelhecermos em paz deveria ser coletiva. Afinal, mesmo esse sendo o processo mais natural que existe, não podemos decidir como queremos passar por ele sem sermos julgadas. 

Não podemos exagerar demais no disfarce do tempo nem podemos entregar demais nossa idade. Sem perceber, estamos nos libertando dos padrões da juventude e nos aprisionando nos padrões do envelhecimento, em que se você fizer tudo bem direitinho, bem disfarçadinho, bem naturalzinho, beleza, aí você está autorizada a envelhecer.

E sabe o que é pior? Se por um lado é a sociedade machista e patriarcal quem dita a maioria dessas regras, por outro lado, somos nós, mulheres, que na maioria das vezes apontamos o dedo e julgamos outras mulheres, condenando todas a esse cárcere sem fim. Resultado? Não é fácil aceitar a idade numa sociedade que acaba transformando o envelhecer num ato político só porque nos dá como única opção a beleza associada à juventude.

Mas saiba que você não está sozinha. Por aqui, a gente respeita as que exageram demais, as que mostram demais e as que disfarçam muito bem, também. Sigamos abrindo múltiplos caminhos para esse envelhecer que ainda está diretamente atrelado à estética, como se fossemos um produto com prazo de validade. Por mais que seja duro, a gente precisa seguir. 

E para a turma que acha que a gente não pode… não phode! Obrigada.

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @she____t. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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