Raaaaaawwwww,

Sobre dançar em casa, amigos, música e a festa que pode começar dentro da gente.


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Raaaaaawwwww, é temporada de leonines, amigues lindas da mamãe, e é nesse clima de brilho, de brilho contra o abandono, contra a morte absurda e violenta, contra o descaso, contra o silêncio forçado ou cultivado tempo demais, é com esse tipo de brilho que eu começo mais um Só Você. Talvez seja o último nesse formato, no balanço das horas tudo pode mudar, minha gente, vem coisa boa por aí. Mistério.

Hoje vamos diferente, sem comparação, outra vibração, sobe calor.

Convidei Ísis Vergílio, repórter da ELLE Brasil, pra me deixar citar aqui uma reflexão que ela escreveu. Tão bonita. Ela deixou. Como mandar um coração, se isso aqui fosse falado, né, rs. Ela também é bailarina e, em breve, socióloga. Ou seja, o que segue é uma ideia de quem sabe. “Dançamos quando estamos felizes e quando somos atravessados pela tristeza, angústia, raiva. Toda essa movida faz parte de existir. Em tempos de distanciamento social, dançamos para esquecer e lembrar”. PAH! Ela é desse jeito. Pega no ponto, mas tem esse cuidado. Esquecer, lembrar, falar com o corpo sobre tudo o que tem acontecido.

Sabe o que ela anda dançando em casa? Eu sei porque mandei essa pergunta pra ela. Tá pra essa base (obviamente sem som perde muito, mas dá-se um jeito hoje): “Lust.”, Kendrick Lamar. I need some wateeeeer. E vai desenrolando. Como não amar? Eu amo. Minha amiga leonina, sabe. Ela joga com letras da Alcione, é um fenômeno. Ísis tá com tudo, eu só aplaudo.

Dançar, se movimentar, ocupar os espaços. No final do texto tem uma playlist com sons que a equipe e alguns colaboradores da ELLE escolheram, incluindo esse Kendrick. São músicas que essa galera está dançando em casa. Na sala, na cozinha, no quarto, no quintal, na hora que dá. Sem coreografia certa, muitas vezes sem ninguém olhando. Pode ser importante ter esse momento de dançar sozinha, dar conta de você.

Mas agora o que todo mundo sonha mesmo é chegar no rejunte, gente do céu, a saudade de uma festa, de colar na caixa vibrando, olhar seus amigos em volta dançando. Todo mundo louco por uma festa que pega. E tendo de esperar mais um pouco, infelizmente.

E sem esse moralismo caído de dizer, ai, com essa situação vai pensar em festa? Sim, pra não cair em um tipo de pessimismo destrutivo. Pra não mergulhar na tristeza mais do que precisa. Pra dar alento ao corpo, pra sentir a vida. Se a gente tivesse pensado mais em festa lá atrás não estaríamos na mão dessa gente sem swing, sem música, com essa energia mortífera.

Mas nem tudo está perdido, muita calma nessa hora. Vamo viver e deixar viver.

É hora de estar presente. E isso pode significar muitas coisas, inclusive tomar consciência do seu lugar. Chegar com grana, com ajuda profissional, com divulgação, com diversão, com rango saudável, com uma boa palavra, com música de qualidade pra dar aquela esquentada.

Enquanto não tem na rua, vamos de som ao vivo pela internet. Então meu merchan afetivo, não-publicitário, vai pras lives de DJs brasileiros na Twitch.tv, que dá pra botar alto e tem uma qualidade de som legal. Vai sair uma reportagem sobre isso feita pelo time ELLE aqui no site, fiquem de olho. A matéria também vai falar dos canais muito importantes do Criolo e da Laboratório Fantasma, entre outros. Não perca.

Então agora vou indicar os que tenho visto muito. DJ Marky, babado, icônico, respeitado mundo afora, muitas memórias de festas históricas dele na noite de São Paulo. Tem vários sets incríveis no canal e, como nos demais, rola uma programação mostrando quando será a próxima live. Mas dá pra ir vendo os anteriores. Meu preferido no momento é um que ele fez de reggae e dancehall, só clássicos, lindo demais, sério.

Daniel Ganjaman, um dos melhores produtores musicais do Brasil: Sabotage, Criolo, BaianaSystem e mais uma penca de discos que você ama tem o trabalho dele. O Baile do Ganja rola toda sexta, sábado e domingo. De vez em quando tem uma abertura das 19h às 21h, convidados variados, o mais recente foi o Mauricio Fleury, do Bixiga 70. Das 21h às tipo 23h30 tem o set do Daniel, só música boa do começo ao fim, muita coisa brasileira, altas preciosidades que eu nunca tinha ouvido na vida. E vários textos certos.

Assista Daniel Ganjaman comigo na Twitch!

Na sequência do baile vem o DJ Zegon, outro produtor foda, parte do Tropkillaz e ex-Planet Hemp. Todo um mood, toda uma produção e sets chiquíssimos, impecáveis. Às vezes ainda rola after. Tem um chat ótimo, sem aquele climão de terra devastada das redes. Quando esse baile todo puder sair pra rua vai ser babado.

Assista DJ Zegon comigo na Twitch!

No Baile do Ganja rola uma vaquinha pra ajudar a galera das equipes técnicas de som, luz, roadies, assistentes, gente que está passando apertado com o mundo sem shows. Rolou um protesto dessas categorias em São Paulo semana passada, procurem saber. É importante apoiar os trabalhadores que sempre viabilizaram seu rolê, a turnê do seu artista preferido, e que agora estão precisando de uma força. Clique aqui pra colaborar.

Força e vacina, por favor. Vacina pra todo mundo, vacina no SUS, é o que a gente quer e precisa. Até lá vamos andar com fé e com muito cuidado também, traçar rotas.

Escrevi uma matéria no mês passado sobre a questão do contato. Nela tem uma fala do psicanalista e doutor em psicologia social Paulo Beer, uma fala muito bonita e importante. Ele diz que precisamos reinventar o acaso. Tenho pensado muito nisso, nas coisas bonitas que ainda podem acontecer, e acontecem, nessa situação. Enquanto a gente se ajuda e ajuda os outros, enquanto o tempo segue, enquanto estamos vivos. Novos encontros, de várias maneiras.

Queria dedicar essa coluna a três amigos especiais pra mim, que me ajudam a acreditar nesse movimento da vida, nesse mundo que dança porque a gente se mexe com ele, do jeito que der, lembrando, esquecendo e criando.

Em ordem alfabética, pra não haver discórdia, aquelas rs Ísis. Ai, amiga, a senhora não sabe o quanto vale pra mim cada áudio de risada, cada ligação infinita nossa kkkkk, cada lanche na sua casa, cada conselho que você dá como se fosse um abraço. Te ver feliz é uma alegria tão grande, muito orgulho de saber do seu caminho e das tuas conquistas, que só começaram. Queremos muita festa, sim, o Olodum vai gritar e a emoção vai pingar de cair lágrima, afe! Luciano. Moni, moni, moni, o que seria de mim sem você. Nossos passeios, suas visitas de bike, nossos desabafos, papos na calçada, nossa Sade, nossos gongos e risadas. A história do amor na sua vida é especial e me inspira todos os dias. Sua coragem também. Thiago, só quem viveu sabe kkkkk Quantas ideias, o dia que a gente ouviu seu disco abraçados no chão, bem nós, dramáticas, Carnaval, piano e nossas conversas que eu guardo pra todas as vidas. Amo vocês e agradeço por existirem comigo.

O que será que a gente podia dançar nós quatro? Vamo botar uma Marina na fila, “Uma Noite e Meia”? Eu acho.

Não vou contar agora minha música da madrugada, mas já que o assunto é festa vou dividir um momento da noite latino-americana rs. Fui pra uma viagem de trabalho no Peru. Chegamos em Cuzco, um lugar muito maravilhoso, eu tava superfeliz. Aí que os anfitriões eram uns chatos, reaças, chamavam o povo de burro, um horror, entrei numa briga, climão. Teve um evento e todos os jornalistas foram chamados pra uma festa à fantasia. Não avisaram que era pra ir de grego, com roupa toda branca, e eu botei um vestido transparente, cabelo com brilho e um maiô embaixo, pronta pro Carnaval.

Demos de cara com um monte de gente vestida tipo lençol do Omo e coiso dourado. Os argentinos debandaram, ficamos eu e uma colombiana gente boa. Bebemos de graça até dar o limite do semi-talo e saímos porque as pessoas eram esnobes, e a música era um lixo, eletrônico cafona insuportável. Fomos andando sem rumo.

Entramos num bar popular e tinha um grupo local tocando vários instrumentos. Do nada, eles botaram um CD do Daddy Yankee e começaram a tocar por cima. Não tenho como provar rs, mas na minha memória ficou uma maravilha muito ótima. Fui atraída na direção do palquinho, eles me pediram pra subir. E foi assim que eu brindei as cinco pessoas presentes com a minha coreografia espontânea de “Llamado de Emergencia” enquanto minha colega rodava perto das mesas. Foi demais. Obrigada, Cuzco, conte comigo pra tudo, até a próxima.

Foco na rua e fé na dança.

Só Você é um oferecimento

Um beijo,

V.

PS: Sigam a lista com as escolhas do time da ELLE em:

Vivian Whiteman, jornalista e psicanalista, é editora especial da ELLE e escreve sobre moda, sociedade e comportamento.

Ilustração: Marcela Scheid

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