“Sem idade” ou “repleta de idade”? Simplesmente idade

Nos últimos anos, definições como "ageless" e "agefull" começaram a ser usadas para falar sobre pessoas, principalmente mulheres, que não se limitam aos estereótipos da idade. Mas será que elas são mesmo necessárias?


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Arte: Gustavo Balducc



Em 2017, uma produtora de Londres, chamada SuperHuman, especializada em conteúdo feminino analisou o conceito de meia-idade. E o resultado não poderia ser mais contemporâneo. Depois de entrevistarem mais de 500 mulheres acima de 40 anos no Reino Unido, chegaram aos seguintes números: dois terços delas acreditam estar no auge da vida, enquanto 67% se sentem mais confiantes do que há dez anos e 84% acreditam que não podem ser definidas pela idade. Ou seja, envelhecer hoje em dia é muito diferente do que era envelhecer há 15, 20 anos. Isso porque, além de terem um estilo de vida e atitude muito mais saudáveis do que as gerações passadas, essas novas mulheres não se definem pela idade.

Diferentemente de antigamente, elas valorizam mais o propósito do que a estabilidade de qualquer vínculo e, por isso, se recusam a ficar presas a empregos convencionais ou a relacionamentos em que não se sentem felizes. Medo de mudança não faz parte da rotina dessas mulheres. Sem se definirem por quantas primaveras passaram, elas são consideradas “ageless”, termo em inglês que significa, literalmente, “sem idade”.

Da mesma maneira que os especialistas nomearam de millennial certas características da geração Y (aqueles nascidos entre 1982 e 2000), quem nutre um estilo de vida ageless é chamado de perennial (perene) – termo criado pela empreendedora de tecnologia Gina Pell e que rapidamente ganhou as principais manchetes pelo mundo. Os jornais The Telegraph e El País, por exemplo, já dedicaram várias páginas ao assunto.

Gina diz que “perennial é uma pessoa que cultiva um estilo de vida que harmoniza hábitos e gostos de diversas idades. Um movimento que não se baseia em noção cronológica, mas em identidade social.” Em entrevista à uma revista feminina, a antropóloga carioca Hilaine Yaccoub, diz que quem puxa a fila são as mulheres acima dos 40, pois “quando chegam a essa idade, alcançam um grau de maturidade em que a aprovação dos outros deixa de ser imprescindível. Elas ficam mais leves, mais donas de si e bancam suas escolhas, mesmo que discordem da maioria”. É essa atitude de confiança e autoconhecimento que dá o tom do comportamento dessa geração. Já para o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, as perennials deveriam ser chamadas de agefull (cheias de idade). “Elas estão cientes da idade e reinventam a vida”, diz em uma entrevista.

Até aqui, tudo muito bem, tudo muito bom, mas nós aqui do SHEt queremos levantar uma questão. Afinal de contas, rotular-se de uma maneira ou de outra não é uma espécie de preconceito contra a idade? Por que eu tenho que “não ter idade” ou estar “cheia/repleta de idade”? Por que eu não posso apenas ter a idade que eu tenho? E entender que, hoje em dia, mulheres em torno de seus 50 anos simplesmente agem, pensam e vivem de maneira diferente das de 50 anos atrás porque o mundo mudou, porque nós mudamos?

Só para fazer um paralelo, imaginem se resolvessem dar nomes aos homens machistas de hoje para dizerem que são diferentes dos machistas de antigamente. O que teríamos? Pseudo machistas, machistas A+, machistas soft, maquechistas, alfa machistas, machistas plus, machistas less? Gente, não faz sentido. Seriam machistas da mesma maneira, mas vivendo em um mundo diferente e, por isso mesmo, se adequando ao novo entorno.

“Por que eu tenho que ‘não ter idade’ ou estar ‘cheia/repleta de idade’? Por que eu não posso apenas ter a idade que eu tenho? E entender que, hoje em dia, mulheres em torno de seus 50 anos simplesmente agem, pensam e vivem de maneira diferente das de 50 anos atrás porque o mundo mudou, porque nós mudamos?”

Então, você já parou para pensar que uma mulher de 50 anos de antigamente talvez se comportasse como uma “senhora” porque seu entorno não lhe dava outra opção? Talvez elas não se exercitavam mais porque não sabiam o bem que isso faz, não trabalhavam fora porque os maridos não deixavam, não sonhavam mais por medo de serem taxadas como loucas, não exigiam direitos iguais porque nem sabiam que tinham direitos, não escolhiam quando e com quem se relacionavam porque a família não deixava, não tinham ambição porque não se viam como pessoas livres, não saiam só com as amigas, viajavam sozinhas e não eram donas de si porque, infelizmente, realmente não eram. Porque o meio em que elas viviam não as deixavam ser.

Elas eram discriminadas, excluídas, mal faladas: “Lá vai a divorciada, aquela ali é uma perdida, essa já perdeu o lacre, aquela outra, que horror, trabalha fora… é má companhia. É claro que nós fomos evoluindo e sabemos que foi lutando pelos nossos direitos que tudo isso foi mudando. A sociedade não muda se não exigirmos, se não nos rebelamos contra ela. Mas será que categorizando essa nova mulher não estamos, de novo, estereotipando a nós mesmas e, de alguma maneira, dizendo como devemos agir?! Estamos tendo, pela primeira vez na história, a oportunidade de derrubar as crenças associadas à mulher madura! Será que não deveríamos simplesmente respeitar que cada uma, à sua maneira, pode escolher e estar nesse mundo de acordo com o que a faz mais feliz e pronto?

Confúcio já dizia “Qual seria sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?”. Quase 2500 anos depois, essa pergunta parece fazer ainda mais sentido, principalmente, entre as mulheres maduras que hoje se veem quase na obrigação de terem que decidir se querem pertencer ao grupo ageless ou agefull. Traduzindo, se preferem se enquadrar na categoria ageless (sem idade) ou agefull (cheia/repleta de idade).

É claro que cada uma tem sua opinião e nós respeitamos todas. Algumas vão se enquadrar mais na primeira definição, enquanto outras na segunda e, acredite, muitas em nenhuma das duas categorias. Porque não existe padrão. O que importa é que estamos ressignificando o envelhecer. Idade é só um número. Tem dias que acordamos nos sentindo com mais números, tem dias que acordamos com menos. Cada dia é um dia. E é aí que mora a beleza da coisa.

O que vale é não nos definirmos por um número, um “less” ou um “full”. Nós, aqui do SHEt, apenas queremos ser o que somos. Queremos ser nossa essência sem ter que negar ou reafirmar nossas idades. Não deveria ser feio ou bonito ter 30, 50 ou 90. É o que é. E nada mais pleno e libertador do que simplesmente ser.

Afinal, depois de ter que decorar número de RG, CPF, CEP, celular, agência, conta, celular, aniversário de filho e enteado, ainda termos que nos preocupar com o número da certidão de nascimento já é demais, não é não?!

Camila Faus e Fernanda Guerreiro são criadoras do @shet_alks. Uma plataforma de conteúdo feita para mulheres que acreditam que a idade dos “enta” rima com experimenta.

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