A história do Brasil no Oscar

De "O pagador de promessas" a "Ainda estou aqui", relembre as produções nacionais que concorreram à estatueta


Fernanda Montenegro, que representou o Brasil no Oscar em 1999
Fernanda Montenegro, na cerimônia do Oscar, em 1999 Foto: Reprodução



Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles, fez história com as três indicações ao Oscar – melhor filme, filme internacional e atriz para Fernanda Torres. É a primeira vez que um longa-metragem produzido no Brasil e falado em português concorre ao Oscar principal, de melhor filme do ano, ao lado de nove outras produções. Entre elas estão Anora, Conclave, Duna – Parte 2, O brutalista e Emilia Pérez.

Desde que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, que escolhe os premiados, aumentou seus esforços por mais diversidade, ela vem se internacionalizando. Hoje, cerca de 20% dos membros estão fora dos Estados Unidos, incluindo dezenas de brasileiros. Isso, somado ao aumento do número de indicados a melhor filme, de cinco para dez, abriu espaço para longas internacionais e falados em línguas não-inglesas na categoria, como Parasita (2019), único estrangeiro a vencer o Oscar de melhor produção do ano. Recentemente, o japonês Drive my car (2021), de Ryusuke Hamaguchi, e o francês Anatomia de uma queda (2023), de Justine Triet, também concorreram ao Oscar de melhor filme.

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Fernanda Torres em cena de Ainda estou aqui Foto: Divulgação

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Como a própria Torres vem dizendo, uma indicação para Ainda estou aqui já é para estourar champanhe – e ainda mais na categoria principal. Isso porque a batalha para filmes não falados em inglês é muito maior. Eles costumam ficar restritos à categoria de melhor produção internacional. O longa de Salles sobre Eunice Paiva é o quinto a concorrer pelo Brasil nesta categoria e o primeiro candidato do país a chegar lá desde Central do Brasil (1998). E Torres é a segunda brasileira a disputar o Oscar de melhor atriz – a primeira, claro, foi sua mãe, Fernanda Montenegro, por Central do Brasil, também dirigido por Salles.

Mães & filhas

As Fernandas são a primeira dupla de mãe e filha a concorrer na categoria desde Judy Garland (com Nasce uma estrela, de 1954) e Liza Minnelli (Cabaret, de 1972). Nesse caso, a filha ganhou, mas a mãe, não. 

Outras duplas de mãe e filha também entraram para a lista do Oscar em categorias diferentes, como Diane Ladd e Laura Dern, Goldie Hawn e Kate Hudson e Janet Leigh e Jamie Lee Curtis. 

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Walter Salles e Fernanda Montenegro nas filmagens de Ainda estou aqui Foto: Divulgação

Torres não é a única nepo baby de talento na corrida deste ano: o sonho de Isabella Rossellini tornou-se realidade com sua indicação a melhor atriz coadjuvante por Conclave. Sua mãe, Ingrid Bergman, disputou seis vezes na categoria melhor atriz – venceu duas – e uma como melhor atriz coadjuvante, ganhando por Assassinato no Expresso do Oriente (1974).

O histórico do Brasil no Oscar

O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte, até hoje a única Palma de Ouro em Cannes para o Brasil, também foi o primeiro representante do país a concorrer ao Oscar de filme em língua estrangeira, como era conhecida a categoria melhor filme internacional até 2020. O vencedor do Oscar naquele ano foi o francês Sempre aos domingos (1962), de Serge Bourguignon.

As próximas indicações viriam apenas na década de 90, no período conhecido como retomada do cinema brasileiro após a paralisação total da produção durante o governo Fernando Collor. O quatrilho (1995) e O que é isso, companheiro? (1997), dirigidos respectivamente pelos irmãos Fábio (1957-2019) e Bruno Barreto, mostram a força da família Barreto na época, com seus pais, Lucy e Luiz sendo dois dos maiores produtores da história do cinema nacional. Eles perderam respectivamente para os holandeses A excêntrica família de Antônia (1995) e Karakter (1997). 

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Vinicius de Oliveira e Fernanda Montenegro em Central do Brasil (1998) Foto: Divulgação

Em seguida, foi a vez de Central do Brasil (1998), de Salles, que é uma coprodução com a França, mas falada em português, com equipe e elenco brasileiros e rodado no Brasil. Segundo as regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que escolhe os premiados, para um filme concorrer pelo país, ele precisa estar sob controle de cidadãos ou residentes daquele lugar. Quem recebe o prêmio é o diretor, mas o indicado é o país.

Assim, Central do Brasil foi candidato do Brasil a melhor filme em língua estrangeira e disputou a estatueta. Perdeu para o italiano A vida é bela (1997), de Roberto Benigni, que tinha distribuição nos Estados Unidos da poderosa Miramax de Harvey Weinstein, atualmente preso por abuso sexual. 

O longa extrapolou a categoria filme em língua estrangeira com a indicação ao Oscar de melhor atriz para Montenegro, que perdeu para Gwyneth Paltrow por Shakespeare apaixonado (1998), até hoje um prêmio questionado, primeiro pela qualidade da interpretação. Além de Fernandona ou Dona Fernanda, como prefere Salles, em estado de graça, estava na disputa Cate Blanchett, estupenda em Elizabeth (1998). Segundo porque, pode parecer mentira, mas Shakespeare apaixonado também foi produzido pela Miramax, ou seja, por Weinstein. Na época, ele era o rei de Hollywood e costumava fazer campanhas agressivas – para não dizer desleais – para o Oscar.

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Rodrigo de La Serna e Gael García Bernal em Diários de motocicleta (2004) Foto: Divulgação

Ainda nessa década, Uma história de futebol (1998), de Paulo Machline, foi indicado ao prêmio de melhor curta-metragem live-action.

Já no século 21, Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, com codireção de Katia Lund, era o candidato do Brasil ao Oscar de produção em língua estrangeira em 2003, mas não foi indicado. Mas, em 2004, o longa concorreu às estatuetas de melhor diretor, roteiro adaptado, edição e fotografia, graças a uma campanha bem-sucedida da Miramax – olha ela aí de novo. A não-indicação do filme ao Oscar de produção internacional em 2003 foi tão polêmica que a Academia mudou as regras para a categoria. 

Com Diários de motocicleta (2004), Walter Salles voltou, de certa forma, ao Oscar. O filme concorreu na categoria melhor roteiro adaptado e levou o Oscar de canção original (“Al otro lado del río”, de Jorge Drexler). Mas a produção é estrangeira, falada em espanhol e rodada fora do Brasil. Só o diretor é brasileiro.

É mais ou menos o mesmo caso de Carlinhos Brown, que foi indicado, junto com o também brasileiro Sérgio Mendes (1941-2024) e a estadunidense Siedah Garrett, pela canção “Real in Rio”, da animação Rio (2011), uma produção estadunidense dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha. O diretor, aliás, concorreu duas vezes: melhor curta de animação por Aventura perdida de Scrat (2002), dividido com John C. Donkin, e melhor longa de animação por O touro Ferdinando (2017). A era do gelo (2002), também codirigido por Saldanha, disputou o Oscar na categoria, mas o indicado foi Chris Wedge. Nenhum desses tem participação do Brasil na produção.

O Brasil também teve duas indicações importantes e inéditas nesse período: O menino e o mundo (2013), de Alê Abreu, disputou o Oscar de animação, e Democracia em vertigem (2019), de Petra Costa, de documentário. 

Sonia Braga em O beijo da mulher aranha (1985) Foto: Reprodução

São do Brasil?

A essa altura, você pode estar se perguntando: e Orfeu negro e O beijo da mulher aranha? Pois é, essas duas coproduções são casos mais complexos e não são consideradas brasileiras.

Orfeu negro (1959), dirigido pelo francês Marcel Camus, foi rodado no Brasil com atores brasileiros e música de Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfá, mas a produção era francesa. Por isso, concorreu – e ganhou – pela França na categoria melhor filme internacional. Portanto, não foi um Oscar para o Brasil.  

O beijo da mulher aranha (1985), do argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco e estrelado por Sonia Braga, Milton Gonçalves e Fernando Torres (pai de Fernanda), entre outros brasileiros, concorreu aos Oscars de melhor filme, direção e roteiro adaptado e ganhou o Oscar de ator (William Hurt). Foi rodado inteiramente em São Paulo, mas é uma coprodução Brasil e Estados Unidos, falada em grande parte em inglês, com atores estrangeiros.

Ainda estou aqui, mesmo sendo uma coprodução do Brasil com a França, é falado em português. Por isso, foi considerado o primeiro brasileiro a concorrer ao Oscar de melhor filme. 

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Sebastião Salgado em O sal da Terra (2014) Foto: Reprodução

Muita gente acha injusto O beijo da mulher aranha não ser considerado o primeiro, já que tem tantos elementos brasileiros. Mas no Oscar é o produtor designado que recebe o troféu de melhor filme. No caso de O beijo da mulher aranha, teria sido o estadunidense David Weisman, e a estatueta não viria para o Brasil. 

No caso de Ainda estou aqui, ainda não sabemos – no anúncio da quinta-feira (23.01), os indicados não tinham sido determinados. Mas a chance é bem maior de que produtores brasileiros sejam indicados na categoria.

Então, no mínimo, Ainda estou aqui é o primeiro longa brasileiro falado em português a ser indicado ao Oscar de melhor filme.

Documentários

Para fechar a lista, outras coproduções que disputaram foram os documentários Raoni (1978), de Jean-Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha, Lixo extraordinário (2010), de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, sobre o artista Vik Muniz, e O sal da terra (2014), de Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders, sobre o fotógrafo Sebastião Salgado. E que venham mais.

*Texto atualizado em 29 de janeiro de 2025.

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