A produtora Emilie Lesclaux fala sobre a carreira e as expectativas em torno de O Agente Secreto

A francesa radicada no Recife começou na profissão por acaso, ao conhecer o diretor Kleber Mendonça Filho, hoje seu marido.


Emilie Lesclaux
Emilie Lesclaux Foto: Kleber Mendonça Filho



A vida de Emilie Lesclaux anda corrida. Não que a francesa de Bordeaux, radicada no Recife desde 2002, não esteja acostumada. Afinal, ela é produtora de cinema. Mas sua rotina ficou ainda mais agitada desde que O agente secreto, que ela produziu e o marido Kleber Mendonça Filho dirigiu, fez sua estreia mundial no Festival de Cannes, em maio, ganhando os prêmios de melhor direção e atuação masculina para Wagner Moura.

O filme foi adquirido pela Neon, mesma distribuidora do vencedor de cinco Oscars Anora, para os Estados Unidos, e ali começou sua campanha para os prêmios da Academia do ano que vem. No último dia 15 de setembro, o longa-metragem foi escolhido pelo Brasil para disputar uma vaga no Oscar de produção internacional e tentar repetir o feito de Ainda estou aqui, de Walter Salles. Mas o filme tem chances também em outras categorias, incluindo melhor ator.

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Kleber Mendonça Filho, Emilie Lesclaux e Wagner Moura nas filmagens de O agente secreto, em 2024 Foto: Gustavo Baez

O agente secreto se passa nos anos 1970, durante a ditadura militar brasileira, quando Marcelo, interpretado por Wagner, volta à sua cidade natal, Recife, para reencontrar o filho. Ele está sendo perseguido, e é em um clima de paranoia e caos, com inimigos nem sempre visíveis, que o filme mergulha o espectador. 

Emilie tinha pousado havia poucas horas quando atendeu a ELLE, por videochamada, de sua casa em Recife, que divide com Kleber e os filhos gêmeos do casal. Ela vinha de uma viagem a San Sebastián e Madri (ambas na Espanha), onde o filme foi exibido com presença de Pedro Almodóvar. Tudo parte da campanha para o Oscar e para a estreia em diversos territórios, incluindo o Brasil, onde O agente secreto será lançado no dia 6 de novembro. 

Na entrevista à ELLE, ela explicou o trabalho da produtora do casal, a Cinemascópio – além dos filmes de Kleber, é responsável por obras de outros diretores –, a conciliação da vida profissional com a pessoal e a campanha para o Oscar.

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Kleber e Emilie Foto: Divulgação

O papel de uma produtora

“O filme vem do autor, do roteirista, do diretor, mas quem faz acontecer é a produtora ou produtor”, explica. Como produtora principal de um projeto, ela acompanha desde a primeira ideia até a pós-produção. Dá palpite no roteiro e encontra os recursos para fazer o filme. Depois, participa da pesquisa de locações e escolha do elenco. “Gosto muito de me envolver nisso, porque é a parte criativa.” Em seguida, é preciso compor a equipe de filmagem, organizar a logística. “Mas tenho uma equipe grande de produção que ajuda em cada setor. É impossível fazer tudo sozinha.” Com o filme rodado, vem a pós-produção – som, imagem, efeitos visuais –, as tentativas de inserção nos festivais e a distribuição, que são as estratégias de lançamento. “É um trabalho de muitos anos em um filme só.” No caso de O agente secreto, o processo todo, desde a primeira ideia, levou cinco anos.

Os primeiros passos

“Sempre fui muito cinéfila. Quando estava no colégio, cinema era uma possibilidade. Mas acabei nas ciências políticas, que, na França, é um curso de formação geral, que permite fazer muitas coisas”, diz Emilie, que estudou no Instituto de Ciências Políticas de Bordeaux. Depois, ela fez uma especialização em cooperação internacional e veio ao Brasil para ter uma experiência profissional no Consulado-Geral da França para o Nordeste, sediado no Recife. Ela cuidava de cooperação cultural e audiovisual e foi assim que conheceu Kleber, que trabalhava no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e escrevia no Jornal do Commercio. “Quando terminou meu contrato no consulado, já estávamos juntos na vida. Comecei a ajudá-lo em tudo o que eu podia.” Nessa época, o pernambucano já dirigia curtas-metragens. Aos poucos, ela foi se especializando na área. O início de sua carreira como produtora coincidiu com a criação de uma política para o audiovisual em Pernambuco, com o primeiro edital em 2008, e com a descentralização dos recursos federais. Foi aí que o cinema pernambucano ganhou mais força. O som ao redor (2012) foi o primeiro projeto em que assumiu totalmente a produção. “Mas a carreira foi algo sem muito planejamento, que acabou acontecendo aos poucos.”

“Sem dúvida, O agente secreto é o nosso projeto mais ambicioso, a começar pelo fato de ser um filme de época, que acrescenta bastante dificuldade”

Por que tantas mulheres são produtoras?

“Não sei se porque a gente consegue fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Talvez a gente tenha mais habilidade para isso. Mas conheço homens que são excelentes produtores.” Ela diz que não se inspirou em ninguém em sua carreira, mas que teve muita ajuda de produtores e produtoras do Recife, como João Vieira Jr, de Cinema, aspirinas e urubus (2005), O céu de Suely (2006) e Baixio das bestas (2007).

Os desafios de O agente secreto 

“Sem dúvida, é o nosso projeto mais ambicioso, a começar pelo fato de ser um filme de época, que acrescenta bastante dificuldade.” O longa é cheio de personagens, tramas, subtramas e rumos inesperados, com um elenco grande e cenas complexas, com muitos figurantes. Por isso, o orçamento tinha de ser maior – O agente secreto é uma coprodução com França, Alemanha e Holanda. “Mas foi tudo muito harmonioso. Não sei explicar, mas acho que sofri menos do que em outros projetos. Bacurau (2019), por exemplo, é um filme que deveria ter um orçamento maior do que a gente tinha. E foi filmado fora do Recife. Então, sofri muito para fazer. O agente secreto, a gente filmou em casa.”

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Em sentido horário: Juliano Dornelles, Kleber e Emilie nas filmagens de Bacurau (2019) Foto: Victor Jucá

A escolha como candidato do Brasil para buscar uma vaga na disputa do Oscar de filme internacional

“A indicação do país é muito importante”, diz. “Dá mais força para até ter legitimidade de concorrer em outras categorias. Dá mais exposição. Se a gente analisar o que aconteceu com Ainda estou aqui no ano passado, é uma etapa importantíssima.” A equipe vem trabalhando com a Neon para que ele seja visto pela maior quantidade possível de votantes no Oscar. “Isso exige um trabalho de corpo-a-corpo”, explica a produtora. “A Academia está muito mais diversa, com votantes em muitos países. Não basta ir para Nova York e Los Angeles. Então, a gente tem de ir para os festivais em outros lugares do mundo.” 

Esse processo começou em agosto, com a primeira sessão em Los Angeles para membros da Academia e de outras premiações, como o Globo de Ouro. Emilie, Kleber e Wagner foram para o Festival de Telluride (EUA), Toronto e San Sebastián e apresentaram uma sessão para a Academia Espanhola em Madri. Nos próximos dias, é a vez dos festivais de Nova York e Zurique, onde Wagner receberá um prêmio. Haverá sessões em cidades como Paris e Roma, além dos festivais de Morelia, no México, e de Londres, e o Beyond Fest em Los Angeles.

“Sempre me perguntam se não é difícil trabalhar com seu parceiro de vida, mas para mim é muito natural. Seria mais difícil se tivesse uma atividade completamente diferente.”

Como lidar com as expectativas

“A gente aprendeu a não esperar nada.” Em Cannes, nunca dá para prever qual vai ser a recepção ao filme, muito menos se vai ganhar prêmios. “Mas aconteceu e foi maravilhoso. É muito importante para a carreira do filme. Em relação ao Oscar, é a mesma coisa. Tem de ir por partes e para onde o filme nos levar. É uma construção. É preciso lidar com calma com cada uma das etapas, se divertir também. E fazer o melhor possível para representar o Brasil. Vamos dar o nosso melhor.”

A vida no Brasil

Emilie conversou com a ELLE no intervalo de dois dias e meio que teve no Brasil. Em seguida, ela embarcaria para Nova York para apresentar o filme junto com o marido e Wagner. Com dois filhos prestes a completar 12 anos, não dá para ficar o tempo inteiro fora. “Kleber vai ficar meses sem pisar no Recife, mas vou ficar indo e voltando. Vou para os lugares mais estratégicos, mas tem a vida e outros projetos da Cinemascópio.” Ela está produzindo um filme que está sendo rodado na Suécia por Helen Beltrame, é coprodutora de um projeto de Maya Da-Rin e desenvolve um longa de Leonardo Lacca (todos diretores brasileiros) para ser filmado em 2026.

Em meio a tudo isso, ainda há a estreia comercial de O agente secreto em outros países, como a Alemanha, e no Brasil. “É um período bem intenso em que preciso de todas as ajudas possíveis da nossa rede de apoio. Minha mãe veio da França na semana passada para me ajudar.” Embora os meninos estejam em uma idade com maior independência, não dá para ficar longe muito tempo – e, com maiores demandas na escola, eles também não podem mais ficar semanas viajando com os pais.

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Emilie nas filmagens de Bacurau (2019) Foto: Victor Jucá

Trabalho e casamento

“Sempre me perguntam se não é difícil trabalhar com seu parceiro de vida, mas para mim é muito natural. Seria mais difícil se tivesse uma atividade completamente diferente. Porque o cinema é um trabalho que se mistura muito com a vida. Então você precisa de alguém ao lado que entenda isso”, diz. “O Kleber tem a visão dele, mas também uma habilidade de entender o lado da produção. Ele é bom de achar soluções criativas. E eu já sei o que é importante para ele.” Nem ela nem Kleber sentiram necessidade de sair de Pernambuco. “A gente gosta da nossa vida aqui.”

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