Em Fashion Neurosis, Bella Freud aborda o lado psicológico e emocional da moda
Estilista e bisneta de Sigmund Freud, Bella Freud fala sobre as premissas de seu podcast, Fashion Neurosis, durante passagem pelo Brasil a convite do evento Rio2C.

Bella Freud tinha 10 anos quando olhou no espelho e não gostou do que viu. “Estava usando um suéter de tricô, provavelmente feito pela minha mãe”, relembra. “Estava insegura.” Tudo mudou no momento em que vestiu uma camisa alguns números acima do seu. “De repente, me senti ágil, forte e empoderada.” Foi a primeira vez que ela tomou consciência do poder emocional e psicológico das roupas.
Ainda hoje, aos 64 anos, ela encontra conforto e confiança em looks com características similares. A alfaiataria – mas uma que não é exatamente formal ou enrijecida – é uma predileção. “Gosto da construção e da estrutura. Também adoro camisa e gravata, acho que direciona a atenção para o que considero meu melhor atributo: meu cérebro.”
Bella é estilista por formação. Trabalhou como assistente de Vivienne Westwood – “aprendi tudo com ela”, diz – e, em 1990, lançou sua marca homônima, famosa pelos tricôs e pelas interpretações espertas de clássicos do guarda-roupa masculino (uniformes escolares são uma referência constante). Desde outubro, porém, ela tem se destacado em outra frente: o podcast Fashion Neurosis.
Rick Owens e Bella Freud, no podcast Fashion Neurosis. Foto: Divulgação
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Nele, ela recebe convidados estrelados na sala de sua casa para uma entrevista com ares de sessão de terapia. As visitas ficam deitadas em um sofá, sob uma câmera e um microfone, com a anfitriã sentada em uma poltrona logo à frente, com suas anotações. A primeira pergunta é sobre o que estão vestindo e por quê. “Acredito que as roupas são uma ferramenta útil para lidar com inseguranças e ansiedades relacionadas à própria imagem e à autopercepção. Acho interessante como nosso psicológico e nossas emoções são refletidos no que vestimos – e vice-versa.”
“É uma piada”, comenta sobre o formato e a ambientação. É que Bella é bisneta de Sigmund Freud, um dos fundadores da psicanálise. Seus pais são Bernardine Coverley e o artista plástico Lucian Freud. As referências ao legado do bisavô, contudo, já haviam aparecido antes. Um dos primeiros best-sellers de sua marca foi um suéter estampado com a palavra psychoanalysis. Mais tarde, veio uma fragrância de mesmo nome, com notas de flor de tabaco, cedro, âmbar e almíscar.
A ideia do podcast começou a tomar forma cerca de cinco anos atrás. “Estava com vontade de fazer um programa de bate-papo sobre moda. Queria mostrar um outro lado, além das ideias glamourizadas e fúteis sobre esse meio.” Em 2020, o projeto estava praticamente todo desenhado. Uma empresa de produção havia demonstrado interesse, a gravação do episódio piloto foi agendada – e aí veio a pandemia. “Fiquei com aquilo na cabeça. Tinha a sensação de que, se não realizasse, com certeza me arrependeria.”
“Sempre me interessei pela maneira como as pessoas decidem o que mostrar e o que esconder com suas roupas.”
Até agora, foram mais de 30 programas com personalidades como os estilistas Haider Ackermann e Jonathan Anderson, os músicos Nick Cave e Kim Gordon, o fotógrafo Juergen Teller, o cabeleireiro Sam McKnight, os escritores Karl Ove Knausgaard e Zadie Smith, a DJ e produtora Princess Julia, e as atrizes Cate Blanchett, Kristin Scott Thomas e Courteney Cox.
“Tenho uma lista extensa de pessoas com quem quero conversar”, entrega Bella. O parâmetro de seleção é seu próprio interesse, admiração e curiosidade. “Alguns são meus amigos ou conhecidos, mas a ideia não é ser um grupo fechado, falar só com quem faz parte do meu círculo social.” Rick Owens, por exemplo, seu primeiro convidado, tinha pouca proximidade com a estilista. “Fiquei surpresa quando ele aceitou prontamente o convite – e com sua abertura e sinceridade.”
No divã de Freud – a bisneta –, Rick relata a relação com o pai opressor e como suas experiências infantis com dismorfia corporal influenciaram seu processo criativo na vida adulta. Kate Moss discorre sobre a alienação e a falta de autonomia sobre o próprio corpo e imagem, enquanto Susie Cave elabora sua exploração sobre outras formas – veladas ou misteriosas – de sensualidade. Falas e escutas que também reverberam no trabalho de Bella como designer.
Kate Moss no podcast Fashion Neurosis.
Foto: Divulgação
“Percebo cada vez mais que estou desenvolvendo algo capaz de fazer uma pessoa se sentir segura, destemida para ser ou fazer o que bem entender”, explica. “Sempre me interessei pela maneira como as pessoas decidem o que mostrar e o que esconder com suas roupas.” Para si mesma, Bella prefere as mensagens nas entrelinhas, ou comunicadas de forma concisa e intensa, como um slogan, frase de protesto ou refrão de música – três paixões suas.
É tudo questão de linguagem. Umas são mais diretas, pontuais e precisas. Outras demandam uma leitura mais cuidadosa e curiosa. “Tem uma expressão em inglês, wear your heart on your sleeve (vista seu coração na manga), que costumo levar ao pé da letra ao bordar ou inserir algum detalhe nas mangas das minhas peças. No fundo, estamos sempre colocando um pouco do que sentimos nas nossas roupas.”
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