O que editoras e livreiras estão lendo – e recomendam a você

Mulheres por trás da Africanidades, Dois pontos e Gato sem rabo, entre outras empreitadas literárias, contam o que anda por suas cabeceiras. Na lista, uma biografia de Sueli Carneiro, diários de Virginia Woolf e um livro de contos de Anna Muylaert.


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Há uma boa lista de editoras e livrarias comandadas por mulheres, parte delas surgidas nos últimos meses. A editora Fósforo foca em livros que somam ciências e humanidades, enquanto a Africanidades é especializada em literatura afro-brasileira e feminista. Entre as livrarias, a Gato sem rabo joga luz sobre autoras latino-americanas e africanas. Digital, a Dois pontos aposta na curadoria de livros feita por pessoas (e não algoritmos), enquanto a Janela une literatura, gastronomia e café em um único espaço, no Rio.

Aqui, as livreiras por trás dessas empreitadas dividem o que estão lendo:

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Foto: Divulgação/Reprodução

CIÇA PINHEIRO, cofundadora DOIS PONTOS

Inaugurada em abril deste ano pela dupla Ciça Pinheiro e Ana Paula Rocha, a livraria é 100% digital e aposta em uma curadoria feita por convidados como Letrux ou Bob Wolfenson ou por seleções temáticas criadas por experts (e não algoritmos), além clubes de assinatura mensais.

O lugar, de Annie Ernaux (Fósforo)

“Para mim, essa autora foi uma descoberta e tanto. Ela faz um relato muito pessoal e íntimo, mas, ao mesmo tempo, trata de temas que são de todos nós, como o acerto de contas com o pai e o entendimento do nosso lugar no mundo. Uma escrita linda, muito delicada e envolvente. Um livro curtinho de memórias que funciona como um romance, porque é cheio de cenas marcantes, de personagens inesquecíveis.”

Irmão de alma, de David Diop (Nós)

“Uma história forte e muito marcante sobre a participação dos soldados senegaleses na Primeira Guerra. Além de todo interesse histórico, é um livro sobre o absurdo da guerra, da violência, da luta corpo a corpo e sobre o enlouquecimento do narrador — e como o autor faz isso bem! O livro ganhou o International Booker Prize este ano.”

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Foto: Divulgação/Reprodução

KETTY VALENCIO, fundadora da AFRICANIDADES

A Africanidades é uma livraria especializada em literatura afro-brasileira e feminista na Vila Pita, zona norte de São Paulo. Nasceu como loja virtual em 2013 e, quatro anos depois, passou a ter loja física.

Narrativas negras, do Coletivo Narrativas Negras (Voo)

“É uma obra bibliográfica que resgata a história de algumas heroínas nacionais. Muitas delas sofreram apagamento histórico e, com isso, infelizmente não aprendemos sobre elas na escola ou em locais de memórias. Ao todo, são 40 biografias de mulheres negras inspiradoras, que contam a história do Brasil. O trabalho foi realizado pelo Coletivo Narrativas Negras por meio de financiamento coletivo.”

As rosas que o vento leva, de Xandra Lia (Kitabu)

“A história se passa em torno da família S., mas a obra mostra o protagonismo de mulheres negras com personagens interessantíssimos, como a Tia Rosa. Entre afetos, rezas, ervas e memórias, tendo como pano de fundo fatos importantes na história do Brasil, a autora, Xandra Lia, utiliza sua vivência como pesquisadora e historiadora para construir uma narrativa belíssima. É um livro com uma escrita sensível e poética sobre a ancestralidade. Uma leitura envolvente e cheia de elementos que te levam a uma memória afetiva, assim não tem como a(o) leitora(o) não se identificar.”

32 vozes negras por Marielle Franco, várias autoras (Africanidades)

“O projeto foi realizado por diversas mulheres negras que ainda estão indignadas com os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes. Houve uma chamada pública pelo site Blogueiras negras e uma das condições para participar era ser mulher negra (cisgênero ou transgênero). Com isso, a ação se transformou em um e-book bilíngue (português–inglês) disponibilizado gratuitamente. São relatos poéticos de 32 autoras de diversos lugares do Brasil e atravessados por interseccionalidades, ou seja, com diversos marcadores sociais, como classe econômica, nível de instrução, faixa etária e diversidade sexual.”

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Foto: Divulgação/Reprodução

LETICIA BOSISIO, fundadora da livraria-café JANELA

Localizada no bairro Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, a Janela mistura em um só ambiente literatura, café e gastronomia. Leticia Bosisio abriu o negócio com Martha Ribas.

A palavra que resta, Stênio Gardel (Companhia das Letras)

“O autor é de Limoeiro do Norte, Ceará, e conta a história do amor homoafetivo entre dois meninos do sertão, no contexto de uma cultura super machista. Quando descobrem isso, eles são afastados, há uma crise familiar e um dos meninos, que é analfabeto, é mandado embora de casa. Ele recebe uma carta do outro, que dizia a ele que o ensinaria a ler, e vai embora com ela, sem conseguir se despedir. Ele passa a vida toda ao lado dessa carta sem conseguir lê-la e lidando com a questão de sua sexualidade.Quando idoso, vai estudar para ler a carta. É lindo, porque o autor escreve com um vocabulário singular, que traz uma brasilidade. É uma história de amor e de superação, que traz essa questão fundamental dos LGBTQIA+ de maneira tocante.”

Correio noturno, de Hoda Barakat (Tabla)

“A Tabla lança muitos livros do Líbano, e esse é mais um, que trata do universo dos refugiados. É um livro de cartas de imigrantes, que estão isolados e excluídos. Uma carta se desdobra em outra, que se desdobra em outra, e em outra, e em várias histórias, todas muito fortes, que falam de saudades, esperanças, reencontros e solidão.”

Quando o sangue sobe à cabeça, de Anna Muylaert (Lote 42)

“É um livro de contos com mulheres protagonistas e traz o corpo feminino como um elemento que atravessa todos eles. O conto que dá título ao livro mostra três mulheres na mesma casa. Uma é adolescente e quer menstruar. Outra é uma dona de casa entrando na menopausa, com receio de menstruar. E a terceira é uma empregada doméstica que está fazendo um aborto. Anna Muylaert fala do sangue na vida da mulher nesses três momentos diferentes.”

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Foto: Divulgação/Reprodução

FERNANDA DIAMANT, uma das fundadoras da FÓSFORO

A editora desenvolvida e inaugurada durante a pandemia busca ter um catálogo plural e dá ênfase a obras que interseccionam ciências e humanidades. Fernanda Diamant, que já foi curadora da Flip, é também cofundadora e editora da revista literária Quatro cinco um. Ela criou a Fósforo com Rita Mattar e Luis Francisco Carvalho Filho.

Continuo preta, de Bianca Santana (Companhia das Letras)

“A Sueli Carneiro tem 70 anos e fundou há mais de 30 anos uma das principais ONGs feministas brasileiras, o Geledés – Instituto da Mulher Negra, que virou um dos principais formuladores do feminismo negro brasileiro. É uma mulher gigante. A Bianca é muito jovem e fez muitas coisas: além da biografia da Sueli, ela escreveu Como me descobri negra, um livro muito legal e muito delicado para jovens. A autora trabalhou muito para organizar o grande acervo da Sueli de pesquisas e trabalhos intelectuais de autoras e autores negros. Continuo preta traz a reunião de uma dupla que resulta em um livro muito rico.”

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Foto: Divulgação/Tauana Sofia e Reprodução

JOHANNA STEIN, fundadora da GATO SEM RABO

Recém-inaugurada, a livraria no centro de São Paulo dedica-se apenas a autoras, especialmente latino-americanas e africanas.

As mulheres de Tijucopapo, de Marilene Felinto (Ubu)

“É um livro importante porque foi escrito em 1982 e a narradora continua a ter uma força muito grande. Ela é de Recife e, na trama, vive questões que dialogam com o contemporâneo, como a história das mulheres pretas, pobres e nordestinas, sem perder de vista questões particulares. É um livro muito potente, porque a personagem busca as origens da família dela e da feminilidade. Tijucopapo é a localidade fictícia que faz referência às mulheres guerreiras de Tejucupapo, que protagonizaram no século 17 um levante feminista contra os colonizadores europeus. Estou amando esse livro, e o indico vivamente.”

Diários: 1915–1918, de Virginia Woolf (Nós)

“Virginia Woolf é uma escritora muito importante e mantém uma atualidade incrível. O nome da livraria Gato sem Rabo surgiu a partir de uma metáfora que ela usa em um dos seus ensaios, Um teto só seu. Diários vale muito a pena ser lido porque essa escrita sobre si mesma, além de servir de ferramenta para a escritora refinar a própria voz autoral, também ajuda a constituí-la como pessoa. A gente consegue observar nos escritos dela seus questionamentos mais profundos. Em meio ao período entreguerras, da Gripe Espanhola, dos bombardeios, ela continuava a escrever. É importante e necessário dialogar com essas autoras para imaginarmos novas possibilidades de existência diante dos nossos desafios contemporâneos.”

Eisejuaz, de Sara Gallardo (Relicário)

“Alguns críticos comparam Eisejuaz a Macunaíma (de Mário de Andrade) por tratar de um indígena que foi catequizado por protestantes. A gente consegue observar nesse romance o sincretismo das religiões, como o xamanismo com elementos do protestantismo, e a maneira como o indígena expressa isso é linda. Ele vai em busca de mensagens divinas e quem responde a ele são a floresta, os bichos, o redemoinho no rio. Então, pela força desse sincretismo, a gente pode compreender as nossas origens. A Sara Gallardo é uma autora latina e poder lê-las é maravilhoso. Elas são o foco principal da nossa curadoria, que dá atenção às autoras do sul global, às latino-americanas e africanas, abrindo espaço no centro do diálogo literário. A tradução da Mariana Sanchez é muito boa.”

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