Natalie Portman fala à ELLE sobre os papéis que interpretamos na vida

Ela vive uma atriz em "Segredos de um escândalo", filme que conta ainda com Julianne Moore e chega aos cinemas brasileiros.


Natalie Portman em cena de "Segredos de um escândalo"
Natalie Portman em "Segredos de um escândalo", que estreia nesta quinta-feira (18.01), no Brasil Foto: Divulgação



Natalie Portman está cansada. É uma manhã de domingo, em Cannes, e Segredos de um escândalo, dirigido por Todd Haynes, foi exibido na noite anterior, com a sessão na competição do festival terminando perto das 3 da madrugada. Mas ela está animada. O filme, com estreia marcada para esta quinta-feira (18.01) no Brasil, foi uma iniciativa sua. A atriz recebeu o roteiro e ficou encantada. Logo pensou em Todd Haynes, o diretor de ótimas obras sobre mulheres, como Longe do paraíso (2002), Mildred Pierce (2011) e Carol (2015). 

Haynes trouxe Julianne Moore, com quem trabalha pela quinta vez. Julianne é Gracie, uma mulher que, duas décadas antes, começou um romance com Joe (Charles Melton, da série Riverdale), na época um adolescente de 13 anos. Foi um escândalo coberto pelos tabloides. Mas Gracie e Joe se casaram, tiveram filhos e agora, que eles vão ficar com o ninho vazio, chega Elizabeth (Natalie), a atriz que vai interpretar Gracie em um filme sobre o passado do casal. Natalie concorreu ao Globo de Ouro de melhor atriz por sua atuação; Julianne disputou a categoria de melhor atriz coadjuvante e Charles, a de melhor ator coadjuvante. Segredos de um escândalo ainda foi indicado ao prêmio de melhor filme.

Natalie, 42 anos, que fez seu primeiro longa aos 12, tem expandido sua área de atuação, produzindo e dirigindo filmes e escrevendo livros. Ela até cofundou um time de futebol feminino em Los Angeles, em 2020.

Na conversa em Cannes, a atriz falou sobre os papéis que interpretamos na vida, as suas várias áreas de atuação e o aumento de segurança no set em relação às mulheres para coibir abusos.

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Natalie Portman (Elizabeth) e Julianne Moore (Gracie) em cena do filme Foto: Divulgação

Interpretar uma atriz faz você refletir sobre sua própria carreira? 
Com certeza. Acho que todas essas questões sobre performance (no filme, Elizabeth encontra Gracie para entendê-la e estudar seus gestos e jeito de falar) são uma obsessão minha, e nem sempre consciente. Mas, em retrospecto, posso ver que esse é um tema recorrente na minha carreira (Ela interpretou uma bailarina em Cisne negro, de 2010, pelo qual ganhou o Oscar de atriz, e uma cantora pop em Vox lux, de 2018.)

Acredita que as pessoas se perguntam se você está atuando em suas interações diárias? Você se questiona se a outra pessoa está atuando?
Ah, sim. Eu penso o tempo todo. As pessoas em geral se questionam sobre a sua autenticidade, sobre as máscaras que usam para as outras pessoas. Quase todas as culturas têm um feriado ou festa de máscara que é, metaforicamente, o que podemos fazer quando somos anônimos. Que máscaras usamos para outras pessoas? E para nós mesmos? Como podemos nos libertar disso? Para o ator, isso é apenas exacerbado porque ele atua, e as pessoas sabem disso. Então, de certa forma, é muito mais verdadeiro. Mas isso deixa as pessoas céticas, pensando: isso é real? Você está apenas fingindo?

“Acho que todas essas questões sobre performance são uma obsessão minha, e nem sempre consciente. Mas, em retrospecto, posso ver que esse é um tema recorrente na minha carreira”

Além de atriz, você também é diretora. São duas personalidades separadas?
Acho que são personalidades bem diferentes porque, quando sou atriz, só quero ajudar a visão do diretor. Mas sinto que entendo melhor o que dar a ele depois de me tornar diretora. Antes, eu costumava aprimorar a mesma performance a cada tomada. Agora tento fazer algo o mais diferente possível em cada tomada porque para o diretor é melhor ter opções diferentes.

Foi você quem levou o roteiro de Samy Burch para o diretor Todd Haynes. Por que o escolheu?
Ele é um dos meus diretores favoritos, um mestre em extrair performances dos atores. E tem um jeito de realmente retratar as mulheres como humanas, o que, infelizmente, é raro. Porque, sim, podemos ter falhas, podemos mostrar muitas facetas diferentes.

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Há uma cena de sexo entre Elizabeth e Joe, em que ela o maltrata e diz: “É isso que os adultos fazem”. O filme trata muito disso, do que é ser adulto. Qual a sua relação com o conceito de idade adulta?
Acho que o filme questiona a junção da idade adulta com a perda da inocência. Muitas vezes, definimos a maioridade como a perda da pureza, como se tornar um pouco cínico e aprender que as pessoas não são tão boas. Mas Joe é uma alternativa a isso. Quando Elizabeth diz isso, você fica: ser adulto significa ser insensível e machucar uns aos outros? Não ter compaixão pelo outro?

Fazer a cena de sexo foi difícil?
Nunca é confortável. Tivemos as melhores circunstâncias possíveis, porque era um grupo de pessoas boas, que se comunicavam bem e eram gentis umas com as outras.

“Nunca é confortável (fazer uma cena de sexo)”

Nós lemos muito nos últimos anos sobre medidas de aumento da segurança no set para coibir abusos. Isso é possível?
Acho importante que as conversas continuem acontecendo, que jornalistas escrevam sobre isso, perguntem. Porque é um problema histórico. Continua sendo um lugar perigoso para os atores. As pessoas estão mais conscientes. Mas é preciso continuar trabalhando para criar um ambiente seguro nos sets.

Para uma mulher, expressar seu desconforto no set sempre foi algo controverso porque facilmente ela é chamada de exigente e difícil. Acha que isso mudou?
Sim. Os debates em torno disso tornam as pessoas muito mais receptivas a ouvir as preocupações. Mas ainda é muito difícil e corajoso dizer: “Não me sinto confortável com isso”. Temos centenas de pessoas esperando para começar a trabalhar no set. Mas acho que as reclamações são mais ouvidas por causa das constantes discussões em torno de comportamentos abusivos.

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Natalie Portman e Charles Melton (Joe), no longa Foto: Divulgação

O relacionamento de Gracie e Joe começa com um crime – ele é um adolescente de 13 anos, e ela é bem mais velha. Mas Segredos de um escândalo não entra muito no mérito de ser ou não ser um crime.
O filme pergunta se a arte pode ser amoral. Obviamente, nossa intenção é sempre retratar o comportamento humano sem julgá-lo. Frequentemente, retratamos criminosos e crimes. É possível fazer isso sem glamourizar? Sem julgar?

Você está fazendo muitos projetos diferentes, dirigindo, escrevendo livros. Quando se tornou uma espécie de artista-polvo?
Gostei desse termo. Vou roubá-lo. Acho interessante poder fazer coisas diferentes. Aprendi muito ao entrar em novos mundos. Além do que, sou atriz literalmente há 30 anos, o que é uma loucura. Então quero me desafiar, aprender coisas, explorar diferentes lados de mim mesma. Ser cofundadora de um time de futebol, por exemplo, faz com que eu exercite outros músculos. E não que eu jogue futebol!

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