Em Nouvelle vague, Richard Linklater homenageia Acossado e Jean-Luc Godard

O diretor estadunidense reconstitui as filmagens do clássico francês.


Nouvelle vague
Aubry Dullin como Jean-Paul Belmondo e Zoey Deutch como Jean Seberg em Nouvelle Vague Foto: Jean-Louis Fernandez/Netflix



Diretor de filmes como Escola de rock (2003), Boyhood: Da infância à juventude (2014) e a trilogia Antes do amanhecer (1995), Antes do pôr-do-sol (2004) e Antes da meia-noite (2013), Richard Linklater é um dos nomes mais importantes do cinema independente dos Estados Unidos. Por isso, ele se identifica com o suíço Jean-Luc Godard, um dos cineastas mais inventivos da história. “A nouvelle vague foi muito influente por ser uma espécie de protótipo do cinema independente, trazendo uma era de expressão pessoal e de quebra de regras no cinema”, disse Linklater em entrevista à imprensa, com participação da ELLE. 

Foi assim que nasceu o filme Nouvelle vague, que acaba de entrar em cartaz nos cinemas brasileiros, depois de fazer sua estreia mundial no Festival de Cannes, em maio. O longa está indicado ao Globo de Ouro de melhor comédia ou musical, junto com Blue moon, outra obra dirigida por Linklater em 2025, que estreou no Festival de Berlim, em fevereiro. Blue moon, que mostra os últimos meses do compositor Lorenz Hart (Ethan Hawke, que também concorre ao Globo de Ouro), ainda não tem data de lançamento no Brasil.

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Voltando à Nouvelle vague: o filme reconstitui, em preto-e-branco e francês, a filmagem do primeiro longa-metragem de Jean-Luc Godard, Acossado (1960). Estrelado por Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg, o longa virou referência de cinema e até de estilo, com o corte de cabelo da atriz e as roupas dos personagens. Belmondo é Michel Poiccard, um jovem criminoso que é obcecado pela estudante estadunidense Patricia Franchini (Seberg). 

Godard (1930-2022) era crítico de cinema da prestigiosa revista Cahiers du Cinéma. Vários de seus colegas, incluindo François Truffaut e Claude Chabrol, já tinham dirigido filmes, criando a nova onda – a nouvelle vague – do cinema francês. O suíço queria estrear como cineasta, mas em seus termos: sem ensaios, sem roteiro, sem figurinos ou maquiagem, apenas um homem e uma mulher vagando pelas ruas de Paris. Sua ideia era filmar como um documentário, com a câmera na mão. 

“Queria fazer um filme sobre fazer um filme”, disse Linklater. “Mas como se fosse na época. Estamos em 1959, convivendo com a nouvelle vague, fazendo o primeiro longa desse cara que nunca fez nada antes, que ninguém sabe se vai ser bom ou não. Claro que, 65 anos mais tarde, nós sabemos que se trata de uma obra influente e importante. Mas para nós o espírito era de voltar no tempo e capturar como deve ter sido na época. O filme trata da paixão, da volatilidade, da alegria.”

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Zoey Deutch como Jean Seberg Foto: Jean-Louis Fernandez/Netflix

A escolha dos atores

Linklater sabia que seria uma baita responsabilidade tocar em um dos ícones do cinema mundial. Mas para os atores também não foi nada fácil. Mais de dez anos atrás, ele disse a Zoey Deutch (Jean Seberg no filme), com quem trabalhou em Jovens, loucos e mais rebeldes (2016), que queria fazer um filme sobre Acossado e que ela era sua escolha para interpretar Jean. “Não falava uma palavra em francês, então comecei a estudar caso um dia realmente rolasse o papel”, disse Deutch. 

Audry Dullin nunca tinha feito um longa-metragem, muito menos um papel principal. Para sua sorte, ele não conhecia Jean-Paul Belmondo tão bem, apesar de ser um dos maiores nomes do cinema francês. “Fui ao teste sem muita pressão”, disse. Guillaume Marbeck, que estreia em longas-metragens no papel de Godard, afirmou não ser fã do cineasta. “Godard, no céu, também pode estar amaldiçoando o resto da minha carreira. Havia, sim, um peso em meus ombros, mas eu confiava em Richard.”

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Zoey Deutch como Jean Seberg e Guillaume Marbeck como Jean Luc Godard Foto: Jean-Louis Fernandez/Netflix

Tudo conforme as normas 

Enquanto Godard estabeleceu que não seguiria as regras em sua estreia cinematográfica, Linklater usou métodos bastante distintos. “Não dá para improvisar o passado, nem outra língua. Nós ensaiamos muito. Trabalhamos com o roteiro e a linguagem. Em 1959, eles simplesmente se reuniram e filmaram, com uma equipe pequena. Não havia departamento de arte. Nós tivemos. Eles não tinham efeitos visuais. Nós precisávamos ter, para recriar 1959. Isso foi muito divertido. Mas, dentro dessa criação controlada, queríamos que parecesse muito espontâneo, porque era isso que Godard estava buscando.”

Para o diretor, foi um pouco como recuperar a alegria de estrear no cinema, só que com a experiência de um cineasta com décadas de carreira. “Não tinha a insegurança que tive no meu primeiro filme. Mas tentei não pensar demais em nada, ter a cabeça de um principiante.”

Era importante não tratar nem Godard nem os outros nomes da nouvelle vague como ídolos. “Mas claro que, no fim, sou apenas um fã estrangeiro. Se fosse francês, talvez o peso fosse maior.”

Nouvelle vague reproduziu esse espírito de amigos se juntando para filmar e se divertindo que havia na nova onda e que também existe no cinema independente estadunidense. É assim que Richard Linklater tem feito nas últimas décadas. E foi em seus termos que Godard continuou filmando até o fim.

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