Valentina Herszage: “Sinto que fiz as escolhas certas até agora”

Na torcida pelo Oscar de Fernanda Torres e “Ainda estou aqui”, a atriz relembra os bastidores do filme e fala dos próximos trabalhos.


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A atriz em ensaio para a ELLE Joias Foto: MAR+VIN



Valentina Herszage lembra com detalhes do dia em que passou ao lado do diretor Walter Salles antes de começar a filmar Ainda estou aqui, longa brasileiro indicado ao Oscar de melhor filme, melhor filme internacional e melhor atriz para Fernanda Torres.

“Fomos até a casa onde grande parte do filme seria gravado. Na véspera, o Walter me ligou e disse para não me preocupar, que aquilo não seria um teste. Ele só queria que a gente se conhecesse e passasse um tempo juntos”, lembra à ELLE. “Depois das filmagens, ainda fomos para a praia, conversamos sobre música, cinema, podcast, radionovela, mil coisas. No fim do dia, ele disse: ‘Valentina, eu adoraria se você topasse interpretar a Vera Paiva (filha da personagem de Fernanda Torres no filme).’ E eu, claro, aceitei na hora.”

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Fernanda Torres e Valentina Herszage em Ainda estou aqui Foto: Divulgação

Para a atriz de 26 anos, o filme apareceu na hora certa. “Ele chegou bem no meio do caminho: de um lado, tem gente começando a descobrir o que já fiz; de outro, novas oportunidades estão surgindo.”

Depois de vencer o Troféu Redentor de melhor atriz no Festival do Rio e o prêmio Bisatto D’Oro do Festival de Veneza, ambos por seu primeiro longa, Mate-me por favor (2015), atuar em três novelas da Globo (Pega pega, 2017-18, Quanto mais vida, melhor!, 2022, e Elas por elas, 2023), em séries (entre elas, Fim, 2023) e nos filmes As polacas (2023) e O mensageiro (2023), Valentina vive um momento especial na carreira. E espera para este ano as estreias de A batalha da rua Maria Antônia e Coisa de novela, em que contracena com Susana Vieira.

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Filha de uma psicanalista e de um agente de turismo, a carioca se prepara para assistir de Los Angeles a cerimônia do Oscar, que acontece no próximo domingo (02.03), após conferir o desfile de inverno da Burberry na semana de moda de Londres. “Estou adorando essa nova jornada de me ver nesse lugar (da moda) também.”

A seguir, os principais trechos da nossa conversa com Valentina:

Primeiro contato com Walter Salles

“Eu daria tudo para reviver aquele dia. Letícia Naveira, produtora de elenco, já tinha trabalhado comigo em Raquel 1.1 (filme de 2022). Como a experiência anterior foi boa, ela me procurou e pediu para eu gravar um teste. O texto era um relato da Vera contando sobre a prisão do pai, quando ela estava fazendo intercâmbio em Londres e descobriu tudo pelos jornais. Como havia lido o livro do Marcelo Rubens Paiva antes, foi emocionante fazer esse teste. Sabia que o Walter queria rodar esse projeto. Foi um encontro marcante, porque ele falou algo que fez muito sentido para mim: ‘A Vera está nesse momento da vida e tem os mesmos interesses que os seus. Acho que houve um encontro real entre vocês’.”

Preparação para a personagem

“Os Paiva foram ao set algumas vezes. Os filhos da Vera estiveram lá, o Marcelo (Rubens Paiva, irmão) também. Então, convivemos boa parte do tempo com eles durante as filmagens. Antes de começar a rodar, passamos por um processo de preparação, mas de certa forma, nos deram liberdade para criar a partir da nossa própria leitura do roteiro. Acho que isso foi essencial, porque interpretar uma pessoa real é algo muito delicado. Já passei por essa experiência antes e percebi que, quando você abre mão da mímica (no sentido de apenas imitar o retratado), cria algo muito mais interessante. Não tínhamos a obrigação de replicar cada detalhe. No meu caso, não havia como saber exatamente como a Vera era, até porque ela não é uma figura pública. O que fiz foi ler o livro várias vezes, ouvir entrevistas e conversar muito com todos sobre a época e as memórias daquele período. Para mim, o essencial era entender o que significava ser uma jovem saindo da adolescência nos anos 1970. O que isso representava? Alguém ansiosa para viver, experimentar o mundo, mas presa a um momento em que o Brasil estava sob uma repressão absoluta.”

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O primeiro dia no set

“Foi curioso, porque começamos a filmar em Londres primeiro, justamente no dia do meu aniversário. Coincidentemente, a atriz Luana Nastas, que interpreta a amiga da Vera, Helena Gasparian, também fazia aniversário no mesmo dia. Ficamos apenas quatro dias na cidade, tudo aconteceu muito rápido. Quando fui embora, no avião, fiquei pensando ‘meu deus, foi demais’. Mas, ao mesmo tempo, voltei meio deprimida, ‘nunca vou ter um aniversário tão icônico quanto filmar com Walter Salles em Londres’. Esse vai ser difícil de superar.”

Fernanda Torres

“Viramos velhas comadres. Não sei exatamente o que aconteceu, mas a gente se encontrou no humor. A gente fazia crochê, e, às vezes, ficava em silêncio, só dividindo o mesmo ambiente. Em outras, falávamos besteira, e, de repente, surgiam conversas superinteressantes. Fernanda é muito engraçada, então foi difícil me despedir. Ela tem essa coisa viciante, que te fisga. Todo mundo está vendo isso agora. Ela é extremamente inteligente, mas também sabe brincar. Não se leva tão a sério, e acho isso de uma elegância absurda. No filme, convivemos bastante. Mesmo nos dias em que eu filmava cenas específicas (sem a presença de Fernanda), ela estava lá. Já na série Fim (adaptação do livro de 2013 escrito pela atriz, filmada antes de Ainda estou aqui), de 2023, tive umas duas ou três diárias com ela (Fernanda faz uma pequena participação). Foi algo pontual.” 

Linha e agulha

“Eu amo crochê. Durante as gravações, estava fazendo uma blusa, enquanto a Fernanda começava a crochetar um vestido. Ultimamente, o que mais faço é tapeçaria, principalmente quadros para parede, mas já fiz muito bordado também. É algo que me ajuda a não pirar. Você entra num ritmo e, de repente, passa um tempo concentrada, sem pensar em nada. Muita gente diz que é terapia, mas, para mim, é mais como meditação. Você simplesmente conta os pontos. Como atriz, isso me ajuda muito.”

Valentina Herszage no tapete vermelho do Festival de Veneza, em 2024.

Valentina no tapete vermelho do Festival de Veneza, em 2024 Foto: Divulgação

Segunda vez no Festival de Veneza

“Veneza foi o começo de tudo. Foi muito especial porque, com o filme Mate-me por favor (2015), fui ao festival, mas estávamos em uma mostra paralela e eu tinha 17 anos. Naquela época, eu e as meninas do filme estávamos lá sem ter muita noção da grandiosidade. Andávamos pelo tapete vermelho, tirávamos fotos, mas eu não fazia ideia de que estava em um dos festivais mais importantes do mundo. Voltar com uma outra maturidade, depois de ter feito bastante cinema, foi uma experiência completamente diferente. E, principalmente, retornar com o Walter, que é o meu diretor preferido, tornou tudo ainda mais emocionante. A equipe inteira estava lá, a família (Paiva) também. O Marcelo, a Nalu, a Vera (filhos de Eunice), os filhos dela. Foi uma catarse.”

A discrição no tapete vermelho

“Apesar de ser um evento (o Festival de Veneza) deslumbrante e chiquérrimo, estávamos representando uma história brutal e, mais do que isso, a história de uma família que estava lá com a gente. Então, realmente, não caberia ninguém aparecer vestindo plumas rosa-choque. Todo mundo estava muito alinhado nesse sentido. Para o meu look, trabalhei com a stylist Rita Lazzarotti e com o Alexandre Herchcovitch, e nós três já tínhamos um vestido preto em mente desde o início. A ideia era que ninguém chamasse mais atenção do que o grupo como um todo. E amei esse look. Foi um momento de virada para mim. Sempre gostei de moda, mas de um jeito muito informal, espontâneo. E acho que foi a partir dali, principalmente desse encontro com a Rita, que percebi como moda e cinema têm tudo a ver. São duas formas de expressão artística que acompanham as mudanças das gerações, dos tempos. Estou adorando essa nova jornada de me ver nesse lugar também.”

Grupo no Whatsapp com o elenco

“Usamos o grupo do WhatsApp até hoje. No Globo de Ouro, de repente, começou a tocar uma chamada em grupo no meio da premiação. Quando liguei, estavam a Fernanda e o Selton na câmera. Amo isso no brasileiro. Todo mundo vibra junto. Eles estavam lá, mas pensando na gente também. Depois, veio o anúncio das indicações ao Oscar. Eu estava em Miami com o filme As polacas, em um festival de cinema judaico (o longa retrata a prostituição de mulheres judias no Brasil, em 1917), junto com minha melhor amiga, que também é atriz e fez Mate-me por favor, a Dora Freind. E aí, sem eu saber, ela colocou o celular pra filmar minha reação. Depois, agradeci porque realmente foi um momento histórico. Qualquer atriz sonha com isso. Foi intenso.”

Oscar

“Por enquanto, não estarei presente na cerimônia, mas vou acompanhar tudo de Los Angeles. Os convites são muito limitados, é algo que todo mundo quer ir. Do elenco, somente Selton e Fernanda devem comparecer. Mas eu e o resto da equipe vamos nos encontrar em um restaurante, um quarto de hotel ou algum outro lugar para assistirmos juntos. Depois, vamos sair para comemorar com todos. No Globo de Ouro, assisti a tudo de longe e foi ótimo. Mas desta vez, decidi que quero estar mais perto. Quero sentir a energia da coisa acontecendo.”

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A atriz em cena de Ainda estou aqui Foto: Divulgação

Legado

“No final do ano passado, fui a uma sessão de cinema e tinha um grupo de adolescentes assistindo ao filme. Temos a oportunidade de apresentar essas narrativas para as novas gerações e estar nesse lugar me enche de satisfação. É essencial que elas compreendam o que aconteceu e o que pode voltar a acontecer. Sinto que, especialmente na minha geração, existe um descolamento desse período histórico. E não acho que isso seja culpa nossa. Tivemos um governo que fez questão de esquecer parte dessa memória, criando lacunas na nossa educação. Crescemos em um país onde não temos acesso ao entendimento da nossa própria história. Me sinto muito bem de poder estudar e compartilhar essas narrativas com o público, já que não também vivi esse período.”

Árvore genealógica

“Quando meu bisavô (um contra-almirante da Marinha que era contra o Golpe de 1964) foi preso na ditadura, minha avó tinha acabado de ter seu primeiro filho, o meu tio. Ela tinha apenas 18 anos e conta que o que aconteceu na casa dela foi muito parecido com o filme: ela e sua irmã, minha tia-avó, estavam sentadas na sala quando, de repente, militares entraram para levar o pai delas. Depois de algum tempo, elas conseguiram descobrir o paradeiro dele, e minha avó passou a visitá-lo em uma prisão em Niterói (RJ), levando seu filho recém-nascido. Durante um ano, ela o visitou enquanto ele estava na solitária. É algo que já ouvi minha avó contar muitas vezes. Assim como a história de As polacas, que fazem parte da outra metade da minha família – meus bisavós que vieram da Polônia. A arte tem esse poder de nos conectar com o passado, de nos permitir reviver histórias que atravessaram gerações e que fazem parte da nossa ancestralidade.”

Família

“Cresci em uma família apaixonada pelas artes. Meus pais faziam questão de levar meu irmão e eu a exposições e museus. Acho que, desde cedo, eles nos colocaram em contato com esse universo. Desde pequena, comecei a me expressar dessa maneira e foi assim que entrei na Catsapá, uma escola aqui, no Rio de Janeiro, onde estudei dança, sapateado, canto, teatro e circo por 13 anos. Foi um lugar mágico e, acima de tudo, de despretensão. Tanto em casa quanto na escola, nunca houve essa ideia de que eu precisava dar certo, alcançar o sucesso. Sempre foi arte pela arte, pelo puro prazer de apreciar e se expressar. Mesmo que meus pais sejam de áreas completamente diferentes, sem uma ligação direta com a arte, eles sempre me deixaram muito livre, com a ideia de que, se não fosse para ser isso, tudo bem, outra coisa surgiria. Acho que essa postura influenciou muito minha relação com o meu ofício hoje. Neste ano, com o Oscar e a moda entrando cada vez mais na minha vida, preciso lidar com novas experiências e desafios. Mas sempre trabalhei fazendo filmes pequenos, políticos, esquisitos, porque gosto, porque isso sempre foi algo muito meu. Agora, estou aprendendo a me comunicar de outras formas, mas sem perder essa essência.”

Mais madura

“Acho que estou muito empolgada para os meus 27 anos. Sinto que fiz as escolhas certas até agora na minha carreira. Porque, nessa profissão, a gente também diz muitos não. Às vezes, abrimos mão de trabalhos que gostaríamos de fazer, seja porque não dá tempo, seja porque há outros compromissos. É uma trajetória em que vamos pintando um grande quadro, e, no fim, precisamos estar satisfeitos com o resultado. Agora estou no momento de curtir e refletir ‘nossa, acho que fiz coisas muito legais’. Tenho recebido várias propostas, estou avaliando roteiros e fazendo escolhas com muito cuidado, entendendo o que realmente quero para essa próxima fase.”

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