Paris Fashion Week: Louis Vuitton inverno 2024

Nicolas Ghesquière visita seu passado ao longo dos seus 10 anos como diretor criativo da Louis Vuitton para reafirmar códigos essenciais ao seu estilo.


Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.
Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images



O desfile de inverno 2024 da Louis Vuitton aconteceu no dia 05 de março, numa estrutura montada num pátio do museu do Louvre. Exatamente 10 anos atrás, no dia 05 de março de 2014, naquele mesmo local, Nicolas Ghesquière apresentava sua primeira coleção como diretor criativo da marca. A ocasião fez o designer francês olhar para o passado e recuperar – na verdade, reafirmar – elementos essenciais ao seu estilo. 

Ele chegou à gigante do luxo dois anos depois de encerrar um contrato de 15 anos com a Balenciaga. Ele sucedeu Marc Jacobs, então há 16 anos no cargo atual de Ghesquière. A mudança não tinha como ser mais contrastante. Marc adorava um grande espetáculo, um bom drama, tudo bem pictórico, bem teatral.

O inverno 2014, primeira coleção do seu sucessor, veio marcado por uma silhueta anos 1960, design influenciado por ideias modernistas, tudo meio geométrico, estruturado e futurista. E tudo bem visualmente simples e objetivo. Agora, no desfile de inverno 2024, é possível ver alguns desses elementos nas jaquetas de ombros arredondados e levemente reduzidos, com caimento rente ao corpo e recortes de faixas diagonais.

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Uma década atrás, a moda também passava por um momento de limpeza estética, menos é mais, praticidade, conforto e tudo mais que a gente lê e escuta há umas três temporadas. Porém, ao longo do tempo, as criações do novo diretor criativo tornaram-se mais ambiciosas técnica e visualmente.

Não tem exemplo melhor do que a sequência de casacos inteiramente bordados, comprimento encurtado e desenho inspirado pelas casacas usadas pelo rei Luís XIV da França. Eles são versões melhoradas – ainda mais sofisticadas – das jaquetas do verão 2018.

Ghesquière sempre teve uma quedinha por trajes históricos, principalmente da realeza e aristocracia francesa. Era algo recorrente no seu tempo de Balenciaga, embora interpretado pelas lentes do fundador da maison, Cristóbal Balenciaga.

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Na Louis Vuitton, demorou um tantinho para esse lado aparecer. Sua retomada real-oficial, valendo, veio na virada das décadas de 2010 para 2020. Além dos casacos já mencionados, os looks com saias com babados volumosos, presos por debaixo de camisetas alongadas (como no inverno 2021), e os brocados dos conjuntos dourados são boas demonstrações dessa recuperação do passado.

Porém, nada é literal, nem uma coisa só para o estilista. As relíquias colecionadas nessa viagem no tempo raramente são apresentadas sem a companhia de materiais tecnológicos, ideias futuristas ou apenas alguma lembrança contemporânea. Tipo no inverno 2019 ou inverno 2022, quando combinou volumes e silhuetas de roupas do século 16 com o power dressing dos anos 1980.

A penúltima década do século 20, aliás, parece não sair da cabeça de Ghesquière. Suas coleções recentes foram, em menor ou maior grau, influenciadas pelos estilos de então. A de inverno 2024 não está imune, vide o tailleur azul e os cinzas que o seguem. Todos bem estruturados, com proporções ampliadas e aquela ideia de força e poder, aqui com pitadas sci-fi, outra paixão do designer.

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

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O gosto por ficção científica estabelece uma conexão com a tecnologia, que permite um link com roupas esportivas. Na atual coleção, elas vão das mais fácies, tipo as parkas e jaquetas do começo da apresentação até os vestidos recortados, com camadas e aplicações de penas de tecidos desfiados – versões super de luxo dos desfilados no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em 2016, na coleção de resort 2017.

Nesse vale a pena ver de novo só que diferente, rolou até aceno à época de Marc Jacobs na Louis Vuitton. Os gorros, as luvas e os looks alongados, com barra na altura das canelas, em tons neutros, viviam nas criações do estadunidense.

Além da retrospectiva, havia a intenção de explorar a revolução das roupas ao longo da história, permeada por emoções, pessoalidades e mais um tanto de coisas. É outro tema pelo qual o diretor criativo anda um pouco obcecado. O último desfile da marca antes da pandemia, que o diga.

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

A mesma coisa que falei sobre a identidade do trabalho do Demna, se aplica para Nicolas Ghesquière. Claro, dadas as devidas proporções e particularidades de cada estilista e de cada marca. Diferentemente da Balenciaga, a Louis Vuitton não tem um arquivo, nem um legado cheio de roupas incríveis feitas por um dos maiores criadores de moda do século 20. A linha de prêt-à-porter da principal propriedade do grupo LVMH, só nasceu em 1997, com a contratação de Marc Jacobs. Antes disso, não tinha roupa nenhuma, só acessórios.

Há mais liberdade para criação sem uma herança que todo mundo lembra e venera como parâmetro. Existem o logo, a padronagem, o monograma, é verdade, mas não são nada limitantes. Embora extremamente importantes – são o que fazem da marca a maior no planeta dentre as de luxo no – não são os principais identificadores da assinatura de Ghesquière.

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Na verdade, é o sucesso dos logos – e dos acessórios de couro em que são aplicados – que permite uma espécie de carta branca para o designer fazer o que bem entender. É tanta bolsa vendida, que a pressão sobre o prêt-à-porter é consideravelmente menor (bem menor) do que em outras grifes.

Desde sua primeira coleção para a casa, Nicolas Ghesquière imprimiu um estilo só seu, reconhecível até hoje, 10 anos depois. Não que de lá pra cá foi tudo igual, uma repetição sem fim. Pelo contrário. Foi uma evolução e sobreposição de referências, temas, roupas e histórias que permeiam o universo criativo do francês desde sempre.

Em tempos de alta rotatividade de diretores criativos, permanecer no cargo por uma década, e já ter os próximos cinco anos garantidos – seu contrato foi renovado em novembro passado – não é pouca coisa.

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Look do desfile da Louis Vuitton inverno 2024, na Paris Fashion Week.

Louis Vuitton, inverno 2024. Foto: Getty Images

Muita gente não curte suas roupas. E, verdade seja dita, elas podem mesmo ser complicadas demais para vida como ela é. Também pode ser difícil entender onde elas se encaixam, se é que se encaixam, no mundo de agora.

Mas aí precisamos parar para pensar e analisar o cenário com mais abrangência e coerência. Uma das principais reclamações – e limitações até – do mercado esbarra no sistema formulático homogêneo e repetitivo, não é mesmo? 

Aí, tem esse criador com um privilégio gigante para imaginar, experimentar e criar sem precisar se adequar ao modo de funcionamento em série que só produz a mesma coisa sem parar. 

E ainda faz isso com um conhecimento enorme, uma execução técnica absurda, unindo tradição com modernidade e produzindo imagens de moda com potencial de vislumbrar outras alternativas – em todos os sentidos.

Esta aí a diferença entre gosto pessoal e reconhecimento.

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