Paris Fashion Week: Miu Miu, verão 2026

Miuccia Prada passou a sua carreira inteira se dedicando a recodificar símbolos ligados ao feminino. O tema atravessa o seu trabalho, tanto na Miu Miu quanto na Prada. Agora, na marca mais jovem, o foco parece estar em itens cada vez mais específicos: na temporada passada, ela se debruçou sobre o sutiã. No verão 2026, o escolhido foi o avental.

Aqui, a peça central da narrativa aparece transformada em objeto de luxo: ele é bordado com pedrarias, decorado com babados, feito de renda delicada ou de couro estruturado. O item é usado sobre calças de alfaiataria, paletós, camisas oversized e jaquetas pesadas. Seu shape também inspira novas criações, como um suéter aberto nas laterais e fechado por lacinhos.

Miu Miu, verão 2026. Foto: Getty Images

Miu Miu, verão 2026. Foto: Getty Images

Leia mais: Paris Fashion Week: Alexander McQueen, verão 2026

Nas notas entregues à imprensa, Miuccia escreve: “A coleção é uma reflexão sobre o trabalho feminino – seus desafios, adversidades e experiências. Sua invisibilidade é confrontada e abordada, reconhecida e valorizada”.

Para criar a coleção, a estilista estudou as fotografias da estadunidense Dorothea Lange e da alemã Helga Paris. As duas documentaram o universo doméstico e laboral de mulheres dos anos 1920 e 30. Em entrevistas no backstage do desfile, Miuccia reconheceu o quanto era difícil traduzir o assunto em roupas e completou: “Na moda, nós sempre falamos sobre glamour e pessoas famosas, mas temos que reconhecer que a realidade é muito diferente. Para mim, o avental encapsula a dificuldade das nossas vidas ao longo da história, das fábricas ao lar”.

Miu Miu, verão 2026. Foto: Getty Images

Leia mais: Paris Fashion Week: Jean Paul Gaultier, verão 2026

Outros elementos domésticos também ganham novas interpretações. Estampas e frufrus de toalhas de mesa dos anos 1960 aparecem em tops e vestidos, enquanto cintos multifuncionais arrematam calças e bermudas larguinhas.

Há, claro, uma razão para Miuccia se debruçar sobre esse tema: seu trabalho nunca escapa de leituras sociopolíticas. E esta coleção pode ser interpretada de duas formas.

A primeira diz respeito à própria indústria. Nesta temporada, marcada por uma série de estreias, muito se falou sobre a ausência de diretoras em cadeiras criativas nas grandes maisons. Elas ocupam o cargo de apenas 2 entre os 15 debuts. Ao longo do último mês, ficou evidente, em algumas dessas coleções – inclusive de nomes já estabelecidos –, a falta que faz o olhar feminino em roupas feitas para elas.

Miu Miu, verão 2026. Foto: Getty Images

Leia mais: Paris Fashion Week: Celine, verão 2026

Desta forma, a Miu Miu reafirma a sua vocação histórica enquanto um espaço do female gaze, a perspectiva que pensa a moda a partir da experiência da mulher, em oposição ao olhar masculino, que a reduz a objeto de desejo.

O casting ajuda a potencializar tudo isso: a atriz alemã Sandra Hüller, de Anatomia de uma queda (2023), a ucraniana Milla Jovovich, de O quinto elemento (1997), e o britânico Richard E. Grant, conhecido pelos seus papéis nas séries Dr. Who (2013) e Loki (2021-2023), são um alento em uma era dominada por modelos cada vez mais magras.

A segunda leitura é mais ampla e está ligada ao contexto atual. Não há como ignorar o avanço do conservadorismo, que ameaça conquistas progressistas das últimas décadas. Nas redes sociais, o termo trad wife – usado para designar pessoas que escolhem um estilo de vida doméstico e submisso, inspirado nos anos 1950 – tem ganhado força. No TikTok e no Instagram, influenciadoras exibem rotinas caseiras em visuais que ecoam esse imaginário.

Miuccia, no entanto, prefere usar de ironia para transformar símbolos de submissão em ícones de emancipação e desejo.