Prada, inverno 2024 masculino

Miuccia Prada e Raf Simons abordam a relação entre cidade e natureza em desfile na semana de moda masculino de Milão.


Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão
Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images



Depois de quase todo desfile da Prada, rola meio que uma entrevista coletiva e bagunçada no backstage. Entra quem chegar mais rápido na boca de cena, quem se enfia no meio de algum grupo e passa despercebido, além dos profissionais de grandes veículos internacionais e celebridades. 

Lá dentro, a cena é a seguinte: Raf Simons encurralado num canto, Miuccia Prada mais à frente, ambos rodeados de braços esticados com telefones em mãos. 

Sobre o inverno 2024 masculino, apresentado no domingo (14.01), Miuccia mencionou as trocas de estações. Disse que não liga muito para isso, mas se viu interessada em explorar o tema. Para ela, no entanto, as estações não são apenas as quatro que dividem o ano. São ciclos que “permitem os humanos olhar o mundo com olhos frescos”.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Raf, que é codiretor de criação ao lado da signora P., completou: “Existe uma ideia de ecoar o ambiente, de ser influenciado por ele nas roupas – escritório e natureza, dentro e fora, essa  mudança instintiva das pessoas que se deslocam entre estas esferas opostas”.

Com isso já dá para entender onde a dupla quer chegar. Mas vamos com calma, pois este desfile foi o puro suco provocador da Prada.

Começando pelo o convite

Os primeiros sinais sobre a discussão central da mais recente coleção chegaram por correio. O convite para a apresentação deste domingo (14.01) era uma gravata, acompanhada de um cartão de visita, estampado com a foto de um campo verde e um rio. Bem Windows XP mesmo.

Na baguncinha do camarim pós-desfile, Raf comentou sobre o fato de todo mundo falar sobre natureza, de muita gente ter uma imagem de natureza como protetor de tela ou papel de parede, mas vivermos em uma realidade completamente opostas. “No final das contas, ficamos sentados em ambientes sintéticos feitos por humanos.”

O cenário

Ao chegar na Fondazione Prada, espaço onde acontecem os desfiles da marca, os convidados entravam numa espécie de antessala corporativa – carpete cinza, estruturas de divisórias e cubículos, cadeiras de escritório e computadores com o logo da grife de pano de fundo.

O baque vinha na sala seguinte: fileiras imensas das mesmas cadeiras sobre uma passarela de vidro suspenso. Os assentos estavam dispostos sinuosamente, como se acompanhavam as curvas de um rio. Ou as pequenas correntes de água que fluíam entre grama, musgo, samambaias e outras plantas embaixo do piso translúcido.

As roupas

A proposta é unir dentro e fora, cidade e campo, escritório e natureza. O tema já havia aparecido no desfile da Fendi, um dia antes, porém de maneira mais literal. Na Prada, a simbiose é mais intensa – ou intrínseca. Segundo a estilista, todas as peças do inverno 2024 masculino são pensadas para serem usadas ao ar livre.

Para isso, não são só as formas, os detalhes de roupas usadas em atividades ou trabalhos externos que se combinam ao rigor e polimento do uniforme do trabalho urbano – no caso, do terno. Os próprios tecidos também são submetidos a essa adaptação. 

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Os tricôs são quase todos texturizados, o tweed lembra um feltro ou obras do artista alemão Joseph Beuys – Miuccia e Raf vivem referenciando ele. Alguns blazers se assemelham às jaquetas usadas para jardinagem ou trabalho agrícola. Até o sapato social virou slipper – que tem tudo para virar um hit.

As tendências

Os desfiles da Prada são ótimos termômetros de tendências – e exemplos de como usá-las de formas nada óbvias. Por exemplo, os twinsets são mais secos e com proporções reduzidas. O conjunto de cardigan e blusa chega com combinações de cores intensas, dando toda uma outra leitura para o visual, que apareceu em quase todas as coleções até agora.

As modelagens alongadas e relaxadas das calças de alfaiataria, com as quais todo mundo está experimentado, só parecem realmente novas aqui. Elas são secas, com as barras na altura do tornozelo, às vezes com um leve efeito flare. No cós, a abertura é lateral, deixando a parte da frente lisa, alongando a silhueta e reforçando a imagem esguia dos modelos.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

As referências náuticas, onipresentes nesta temporada de inverno 2024, aparecem com outros significados. Geralmente, elas são atreladas a elementos de estilos britânicos, com destaque para os casacos de pescador e os trench coats. Na Prada também rola isso, mas o ponto de partida tem menos a ver com o Reino Unido e mais com a água.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Por isso, algumas calças lembram roupas de mergulho ou leggings usadas por nadadores para reduzir o atrito. Os óculos foram desenhados para simular um óculos de natação. E todo look vinha acompanhado de uma toca – item que Miuccia adora, e não é de hoje.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

São detalhes fáceis de passar batido, embora essenciais para tentativas de evolução e não mera repetição superficial. No backstage, Raf até comparou as, os ritmos e ciclos naturais à lógica da moda de renovação de mudança.

As mensagens subliminares

Miuccia e Raf sempre foram pragmáticos em seus processos de criação. O ponto de partida jamais é uma fantasia, um sonho. É sempre um recorte, um comentário, um ponto de vista sobre determinado contexto ou aspecto do tempo e realidade em que vivemos. Ainda bem.

O lado ruim dessa abordagem é que alguns desfiles podem parecer herméticos, tipo experimentos de laboratório, sob atmosfera, pressão e temperatura controlados. O primeiro depois do match da dupla, em 2020, que o diga. Sim, era no início da pandemia, mas o padrão se repetiu.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

O que faz o inverno 2024 masculino da Prada tão interessante é justamente a abertura à condições externas e naturais. O pensamento é o mesmo de sempre – a exploração de uniformes, o design reducionista, livre de excessos desnecessários, uma certa ingenuidade juvenil. A imagem é mais bagunçada, solta, natural até. E aqui vai um grande parabéns para o styling do desfile.

É uma imagem esquisita – Prada no seu melhor. É também interessante, instigante. Povoca o olhar para analisar atentamente os detalhes, os materiais, as construções, o design, as proporções, a silhueta. Mais importante ainda, é uma imagem que faz pensar, permite interpretações variadas.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

A passarela, com elementos naturais na parte debaixo e humanos ou industriais na parte de cima, já é um prato cheio para os amantes da semiótica: a terra, provedora primordial de sobrevivência, sustento e trabalho para o ser humano, ultrapassada e submetida aos sistemas financeiros e à tecnologia da vida moderna. 

Outra leitura possível passa por nossa mea-culpa e as tentativas tardias de reconexão e integração à natureza. Ou ideias de preservação, respeito e cuidado com ela em meio às nossas vidas frenéticas e artificiais.

Look Prada de inverno 2024, desfilado na semana de moda masculina de Milão

Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

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Prada, inverno 2024. Foto: Getty Images

Quando Miuccia viu o cenário pela primeira vez, achou assustador. O porquê ela não explicou, mas não é difícil imaginar. Basta sair para a rua. Ou não, nem precisa de tanto. É só olhar pela janela, acompanhar o noticiário. Nas redes sociais fala-se da natureza assumindo o controle, tomando conta, revidando. Chuvas torrenciais, enchentes, ondas de calor, secas fora de época, tsunamis, terremotos, erupções vulcânicas e afins corroboram com a tese.

Na entrevista após o desfile, Miuccia afirmou que estamos num momento em que não dá mais para ignorar certas coisas, como a natureza e nossa relação com ela. Vai ver a roupa de trabalho com qualidades para a vida ao ar livre não é intencional, é sobrevivência. Talvez o cenário, com os pequenos rios correndo por baixo da passarela, não seja idílico. Pode ser apocalíptico. Afinal, boa parte do caos climático tem forte relação com a água.

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