Gucci, inverno 2024 masculino

A Gucci confirmou seu novo posicionamento – e sua nova cara – no desfile de abertura da semana de moda masculina de Milão. Em setembro de 2023, a primeira coleção assinada pelo diretor de criação Sabato De Sarno direcionou a marca italiana para um caminho mais alinhado à sua história e às vontades atuais do mercado.

Foi uma virada drástica, trocando o maximalismo fantástico de Alessandro Michele, antecessor de Sabato, por uma imagem limpa, realista e abrangente. Antes da sua estreia na fashion week italiana, o novo diretor criativo estampou a palavra “ancora” em murais e outdoors em cidades selecionadas pelo mundo. Em italiano, ancora pode significar de novo, ainda, apesar.

Naquele momento, ninguém entendeu bem. Nesta sexta-feira (12.01), porém, o nome Ancora Gucci começou a fazer sentido. A coleção masculina de inverno 2024 é basicamente a feminina de verão 2024 de novo. As ideias de roupas práticas, clássicas, atemporais e sexy ainda dão o tom. Apesar do discurso pró-transformações e novidades constantes, continuidade e repetição são essenciais à moda. Mais ainda em momentos de reestruturação e construção de identidade.

Vocês devem ter reparado: o primeiro look – composto de casaco longo, regata branca, calça de alfaiataria, mocassim e bolsa jackie – é praticamente idêntico ao que abriu o desfile feminino, em setembro do ano passado. Na real, quase toda peça da coleção masculina tem sua correspondente na feminina.

Tem gente que vai achar preguiçoso, principalmente quem achou chata a estreia do estilista na casa florentina. No entanto, é uma estratégia que faz sentido. Quando as roupas do inverno 2024 masculino chegarem às lojas, as femininas de verão 2024 já terão ido embora. Ou seja, quem passar por lá terá uma ideia de unidade, continuação.

Gucci, inverno 2024. Foto: Divulgação

Look do inverno 2024 da Gucci, desfilado na semana de moda masculina de MIlão.

Gucci, inverno 2024. Foto: Divulgação

Sabato já disse em várias entrevistas que não gosta de criar narrativas nem fantasias. Para ele, moda é sobre a realidade, sobre o que pode fazer para uma pessoa – tanto no sentido de projetar sua personalidade, humor, vontades quanto na questão prática e funcional da vida. Roupa que facilita o dia a dia, se adapta por situações mil e que não cansam o olhar após a primeira usada.

Como no desfile feminino, os looks apresentados nesta semana de moda masculina de Milão não são propostas fechadas, compostos de peças que só funcionam naquela exata combinação. A intenção do atual diretor criativo é dar possibilidades para pessoas reais, não para personagens. E chora mais quem mede sucesso com engajamento, curtidas e visualizações. Essas são roupas para serem vividas.

Gucci, inverno 2024. Foto: Divulgação

Gucci, inverno 2024. Foto: Divulgação

Para esta coleção, o foco central é a alfaiataria – e dentro dela, os casacos são os grandes destaques. Sabato ama casacos, foi a primeira peça que fez depois de formado, quando era assistente de modelagem na Prada. Aqui eles aparecem em duas vertentes, que também pautam as demais peças.

Uma consiste em uma silhueta mais formal, geométrica, quase estruturada, com o torso bem definido, como uma coluna, e a parte de baixo com mais movimento.Tem blazers de abotoamento duplo com calças pregueadas, pea coats de lã e casacos sobretudo longos, às vezes quase como se tivessem cauda. A inspiração aqui é bem britânica, afinal foi em Londres que o fundador da Gucci, Guccio Gucci, teve a ideia de criar a marca.

Gucci, inverno 2024. Foto: Divulgação

A outra proposta é mais italiana, relaxada, fluida, romântica até. Bem anos 1990 à la Tom Ford, diga-se de passagem. Nesse grupo, as calças têm as barras alongadas, com uma pequena abertura na parte interna da perna para dar mais movimento. As formas ficam soltas, com camisas quase todas abertas, mangas alongadas, jeans folgados, jaquetas e hoodies levemente volumosos, regatas brilhantes e casacos franjados. Tudo controladamente oversized.

Com os produtos de couro como carro-chefe, Sabato não mediu esforços para apresentar casacos, calças, blusas e bermudas feitas do material. Isso sem contar os acessórios: além de mochilas e totes, é a bolsa Jackie, em tamanhos variados, a principal aposta. Nos calçados, o septuagenário mocassim Horsebit chega com aparência de creeper. E na joalheria, o colar Marina Chain, de 1960, ganha uma versão em prata e outra híbrida com gravata.

Gucci, inverno 2024. Foto: Divulgação

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Em um momento que boa parte do sustento do mercado de luxo vem de clientes superricos, o investimentos em peças é uma jogada acertada. Entre 2015 e 2022, com Alessandro Michele no comando criativo, a grife italiana deixou de lado esses consumidores em prol de um público apaixonado por streetwear ou fashionistas aficionados.

O problema é que, passada a euforia pós-pandêmica, esses nichos perderam poder de compra devido a uma séries de fatores, como alto custo de vida, incertezas macroeconômicas e por aí vai.

Sabato chegou a Gucci num momento turbulento de quedas vertiginosas nas vendas. Desde 2021, o crescimento da marca é bem mais lento em relação à concorrência. Sua missão, ao lado do CEO interino Jean-François Palus, é reverter esse quadro. Em outras palavras, recuperar o prestígio e a rentabilidade da casa.

A estratégia, aliás, começou a ser desenhada antes mesmo de sua nomeação para o cargo de chefe da criação. Parte dela consiste em oferecer uma gama de produtos clássicos, atemporais, feitos com técnicas e materiais de alta qualidade e capazes de agradar uma clientela mais ampla. Clientela que já se mostrou interessada em peças como as desfiladas nas duas primeiras coleções de Sabato.

Especialmente entre o público masculino, já faz algum tempo que o interesse por alfaiataria, casacos sofisticados e por um estilo mais arrumado, quase tradicional, até meio posh, sobressai a onda street e esportiva dos últimos anos. Com isso em vista, é bem provável que inverno 2024 maculino da Gucci seja um sucesso de vendas. Só não procure a prova nas redes sociais.