No mundo em que vivemos, batizado pelo antropólogo Jamais Cascio de Bani (brittle, anxious, nonlinear, incomprehensible), é cada vez mais complicado distinguir o que é verdade, o que é lorota e o que é mentira mesmo, na maior cara de pau.
Sem adentrar no conceito filosófico – o que é verdade, afinal? –, a popularização da internet, com sua facilidade em propagar “notícias”, tem deixado cada vez mais borradas as linhas entre fatos e boatos. E é grande a tentação de dar um like, um encaminhar, uma sentença definitiva para algo ruidoso (com grandes chances de ser só fofoca mesmo), sem pelo menos questionar se aquilo faz algum sentido.
Cleo Gui Paganini
E, se o ditado diz que mentira tem perna curta, infelizmente essa é uma história longa: disseminar contos do vigário, para usar uma expressão igualmente antiga, não é novidade, ainda que hoje as proporções e a rapidez sejam infinitamente maiores. Capa da nossa edição, Cleo é prova disso – vou reforçar aqui o infelizmente, mais uma vez.
Em 1998, aos 15 anos, quando a internet ainda engatinhava, ela viu a mídia inflar o boato de que sua mãe, a atriz Gloria Pires, a tinha flagrado na cama com o marido, o músico e compositor Orlando Morais, considerado por Cleo como pai.
Uma narrativa mentirosa, que deixou marcas profundas na vida de todos os envolvidos, como conta Patricia Zaidan em F for fake, uma entrevista imperdível, que remonta a esse trauma e mostra como a multiartista resolveu ressignificá-lo agora, com o lançamento do seu primeiro álbum autoral em setembro.
“Ouvir meus pais darem detalhes da história me deu asco. Muito nojo de tudo. Veio também uma culpa enorme. Eu pensava: ‘O que fiz de tão errado que possa ter levado a esse boato? Como é que uma mentira alcança o tamanho que alcançou, como se fosse verdade?”, diz Cleo em um dos trechos.
Não é de espantar a reação dela. Num país machista, ser mulher costuma ser duplamente penoso. A gente é linchada em praça pública e ainda se sente responsabilizada de certa forma. Tema da brilhante coluna de Vivian Whiteman sobre a famigerada síndrome da impostora – quem nunca?
True or false?
Como você já deve ter sacado, não é caô. Essa é, sim, uma ELLE View temática. Quando soubemos do mote do novo disco de Cleo, e relembramos o que havia acontecido com ela, ligamos os pontos e decidimos mergulhar editorialmente no perigo das fake news. Não só na política, mas também naquelas que abalam sismicamente a vida de muita gente, apequenam debates, vendem gato por lebre e, muitas vezes, têm um efeito dominó.
Um ciclo malicioso que tem origem, talvez, em Goebbels (e nem vale aqui dar espaço pra ele), se espalhou pela publicidade, e do qual nem os jornalistas estão imunes – embora o jornalista sério saiba muito bem que, se Deus criou primeiro o verbo, a checagem é o princípio de tudo. Então, nada melhor do que ler Darwin, independentemente da sua crença e profissão.
Ou, pra ficar por aqui, ler Senta que lá vem a história, texto em que o diretor de reportagem de moda, Luigi Torre, mostra com maestria como o tal do storytelling (historinha pra boi dormir) tem atrapalhado o pensamento crítico; Me engana que eu gosto, sobre o culto às fake news como forma de enfrentar o desamparo diante da insegurança; e Nem tudo é verdade, com documentários falsos “vendidos” como reais – alô e tchau, Bruxa de Blair.
Parece, mas não é
Pra dar um respiro, mas mostrar também como é fácil enganar geral hoje em dia, com a ajuda da inteligência artificial, a editora de shopping, Chantal Sordi, e o editor de arte, Gustavo Balducci, criaram bolsas inéditas a partir de it-bags da moda. Se a gente não dissesse que é uma brincadeira, seria fácil acreditar que elas estariam à venda, tamanhos a perfeição e o coeficiente de desejo fashion.
Na seção, 5 estrelas, o parece mas não é pode ser de fato consumido – literalmente. Patricia Oyama, redatora-chefe e editora de lifestyle, seleciona sobremesas criativas e “enganadoras”, tipo uma musse de chocolate que tem a cara de jardim japonês.
E o que falar sobre aquela música que se assemelha muuuito com aquela outra que a gente já ouviu, mas não sabe bem onde? Dê play, confira a reportagem de Marina Santa Clara, Inspiração, homenagem ou cara de pau, e tire suas próprias conclusões.
Porque, no final, acredito que se trate disto mesmo: ler o máximo possível, duvidar, buscar outras fontes de informação e conseguir pensar por si mesmo, ainda que fazer parte do baile de diz-que-diz das mídias sociais e bares pareça, às, vezes, mais divertido.
Um beijo e obrigada pela companhia,
Renata