Não é de hoje que as marcas de beleza lançam mão de licenciamentos – ou, como se diz atualmente, “collabs” – para ganhar novos públicos e expandir os seus negócios. “A primeira parceria de O Boticário aconteceu em 1990, com a Angélica Ksyvickis”, lembra Marcela de Masi, diretora executiva de branding e comunicação do grupo que atualmente detém também as marcas Quem Disse, Berenice?, Vult, Eudora, Beleza na Web e O.U.i., entre outras. Algumas delas, inclusive, as maiores entusiastas da explosão de parcerias que tem ocorrido desde a pandemia da covid-19.
“Em 2020, ao mesmo tempo que vimos um boom do mercado de beleza, passamos – e ainda estamos passando – por uma crise global de matéria-prima e, por isso, as inovações têm ficado cada vez mais raras”, diz Carla Ramalho, fundadora da consultoria Notracorp, especializada em negócios de beauté. Segundo ela, em um período em que grandes novidades em termos de formulações e tecnologia estão fora da jogada, a pressão por resultados continua e as empresas precisam se movimentar para alcançá-los. “É aí que as colaborações passam a ser o tema de reuniões importantes”, explica.
Desde então, portanto, as combinações mais inusitadas têm pintado por aí. Em 2022, por exemplo, a Fenty Beauty se juntou com a MSCHF – um coletivo de artistas nova-iorquinos, do bairro do Brooklyn, famosos por criar produtos que “enganam” seus clientes. A collab com a marca de maquiagem de Rihanna era um jogo no formato de um estojo: dentro dele havia seis sachês e a sua missão era descobrir quais deles estavam recheados de gloss labial vermelho e quais deles eram, na verdade, apenas ketchup. No mesmo ano, também nos Estados Unidos, a Nails INC lançou uma dupla de esmaltes e adesivos para as unhas ao lado da Velveeta, empresa focada em queijos ultraprocessados – por isso, os produtos em questão eram aromatizados tal como os laticínios.
“Acho que essa foi uma lição que aprendemos com o desfile da Gucci em parceria com a Balenciaga: a gente não precisa competir, a gente pode agregar.”
Bruna Tavares
No Brasil, esse tipo curioso de parceria já apareceu em diversas marcas do Grupo Boticário. No ano passado, a Quem Disse, Berenice? se juntou com a Guaraná Antarctica para criar uma linha de maquiagem com o cheiro (e, em alguns casos, com a cor) do icônico refrigerante brasileiro. “A ideia era aproveitar o momento oportuno do início do maior campeonato de futebol do mundo e a alta da tendência ‘brazilcore’ nas redes sociais”, revela De Masi.
O que nos leva à questão do timing, que, de acordo com Ramalho, é um elemento essencial para que o argumento de uma parceria emplaque com o público de ambas as marcas envolvidas. “Precisa ter um gancho, como foi com o lançamento do Caderno Inteligente, de Bruna Tavares”, diz Ramalho sobre a marca para a qual presta consultoria. “Estávamos perto da volta às aulas, então a parceria com a Tilibra fez todo o sentido”, continua. Em entrevista à ELLE View, Tavares contou que as vendas do caderno ultrapassaram cinco vezes mais do que a meta. “A percepção é muito positiva. A gente conseguiu estourar a bolha e foi o ano de maior faturamento da nossa marca devido a isso.”
Bruna Tavares não apenas cria maquiagem para outras marcas (como Disney e Magalu), mas também assina itens de outros segmentos como sapatos, com a Piccadilly, e o Caderno Inteligente, com a Tilibra. Fotos: Divulgação
Bruna Tavares é um dos raros casos que, além de fazer colaborações que resultam em novas coleções de produtos do seu próprio segmento (maquiagem e skincare) – como no caso de sua linha com a Disney e com a Lu, influenciadora virtual do Magazine Luíza –, também tem entrado em outros mercados. Fora o da Tilibra, ela também desenhou uma linha de sapatos com a Picadilly e já fez um licenciamento triplo, que envolvia C&A, Disney e sua marca. “Acho que essa foi uma lição que aprendemos com o desfile da Gucci em parceria com a Balenciaga, em 2021: a gente não precisa competir, a gente pode agregar”, defende. “Mas é preciso cuidar para que não se perca a identidade e não incomode o público com uma insistência muito grande na mesma estratégia.” Não à toa, Tavares enfatiza que atualmente os licenciamentos de sua empresa devem representar, no máximo, 50% de seus lançamentos.
O fato é que existem riscos envolvidos no processo, ou seja, a fórmula para o sucesso não é totalmente garantida. “Para além da questão do timing, tem também a comunicação do envolvimento entre as empresas em questão. Elas precisam mostrar para o mundo essa sinergia”, retoma Ramalho. “Acho que, no fim das contas, você tem que fazer produtos incríveis”, argumenta Tavares. “Mais do que identificação, você tem que entregar qualidade, algo que faça sentido para as pessoas.”
No Grupo Boticário, por exemplo, segundo De Masi, antes de qualquer iniciativa, há um longo período do que a empresa chama de “social listening”. “Estamos o tempo todo ouvindo os nossos consumidores para criar planos que atendam os desejos da nossa audiência e ao mesmo tempo tragam contribuições benéficas às nossas marcas”, detalha.
Portanto, se em um primeiro momento parece estranho que a marca estadunidense de skincare de luxo Dr. Barbara Sturm tenha lançado uma coleção de sapatos e um spray para os pés ao lado da Aquazzura, em 2022, basta lembrar que a fundadora da empresa tem especialização em ortopedia (apesar de atualmente trabalhar com fórmulas dermatológicas).
“Quando o fluxo de lançamentos começa a ficar intenso demais, a proposta se banaliza.”
Carla Ramalho
Foi a partir desse know-how que ela ajudou a grife do designer Edgardo Osorio a criar pares tão confortáveis quanto estilosos. No mesmo ano, a Saie (focada em clean beauty) se juntou à Reformation (expert em moda sustentável) para criar uma coleção. “Nesses casos, você consegue expandir o seu público e os dois negócios crescem”, diz Ramalho.
O Grupo Boticário investe pesadamente em colaborações com outras marcas. 7 Belo, Melissa e Guaraná Antarctica, entre elas. Fotos: Divulgação
Outro perigo é o da saturação – como Tavares já mencionou. “O espaçamento é muito importante. Até quantas collabs por ano a gente consegue fazer sem deixar o consumidor com a dopamina condicionada? Será que não estamos tentando exclusivamente preencher um buraco deixado pela falta de inovação? Quando o fluxo de lançamentos começa a ficar intenso demais, a proposta se banaliza. Ou seja: a diferença entre o veneno e o remédio é a dosagem”, complementa a consultora.
“Acho que, em 2024, a gente ainda vai ver mais algumas collabs saindo por aí, mas não no mesmo volume dos últimos anos. E, talvez, lá para 2025 ou 26 a gente volte a ver o que chamamos de ‘true innovation’, que seria a real inovação. Algo como quando a Beauty Blender (esponja para aplicar maquiagem) chegou ao mercado.”
Esse tipo de lançamento disruptivo, de acordo com ela, demora mais para acontecer devido a toda pesquisa que se dá antes de um produto assim chegar às prateleiras. “No Brasil, acho que vale olhar para a Made Skin, uma marca focada em pele madura, que soltou um primer que não é grudento, mas ainda oferece um acabamento glow para a base que vier a seguir”, aposta.
Considerando as dinâmicas do business de beleza, são itens como esse que vão roubar os holofotes muito em breve – uma vez que os licenciamentos provavelmente vão esfriar um pouco. É esperar para ver.