Carta da editora

Entre outras mil, és tu, Brasil.

Carta da Editora

Esta é uma ELLE View Brasil. Não que em todas as outras edições a gente não seja, afinal, veja bem, a ELLE View só existe no Brasil, é exclusividade nossa e sua também – nenhuma das nossas 45 irmãs internacionais tem uma revista digital mensal com conteúdos exclusivos para assinantes. Bom, mas esta é uma ELLE View bem Brasil, porque ao longo do último mês nos debruçamos sobre coisas que são muito nossas, embora nem sempre a gente preste a atenção nelas ou dê o devido valor. 

Olha só: enquanto o mundo (inclusive, nós) celebra o novo álbum de Beyoncé e aplaude a diva reivindicar as raízes negras no country, em terra brasilis, a música caipira cantada por uma mulher negra data de 1950 – descubra ou reveja esse capítulo da nossa história em Caipiras, sertanejas, feminejas e feministas. 

Da mesma forma, enquanto muitos de nós sonham com Bali, Maldivas, mar turquesa do Caribe, nossa princesinha do mar, Ipanema, foi eleita a segunda melhor praia do mundo, segundo a publicação conceituada Best beaches: 100 of the world’s most incredible beaches, e um dos motivos é uma coisa que, se existe em outro lugar do planeta, eu desconheço: a salva de palmas a cada pôr do sol.

A chamada síndrome de vira-lata, que se fala por aqui muito antes de os vira-latas serem rebatizados Caramelos, e que às vezes turva nosso olhar, aparece também, claro, na moda. Se concursos de jovem talentos, a exemplo do LVMH Prize, ganham manchetes mundo afora, o projeto Novos Talentos, criado pelo Shop2gether, não faz tanto auê no mundinho fashion brasileiro. E olha que ele já nos deu gente da pesada, tipo Rafaella Caniello, da Neriage, Dendezeiro, João Maraschin, Marina Bitu etc.

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Verena Figueiredo Juliana Rocha

Desconfiança parecida paira sobre a semana de moda. É verdade que nós sentimos falta de muita gente talentosa que não desfila mais na SPFW. Mas pensa comigo: que outras passarelas têm tanta pluralidade?  É como se a de São Paulo reunisse todas em uma só: tem marca focada no comercial, à la Nova York, irreverente e autoral, tipo Londres, especialista no feito à mão, que, na Itália, serve quase de cartão-postal, e tem marca cujo preciosismo poderia estar logo ali, em Paris.

Tem ainda marca que olha para corpos de um jeito democrático (Reptilia), que manipula matéria-prima com maestria (Patricia Viera), que não segue nenhuma tendência, sendo sempre sinônimo de originalidade (Walério Araújo). Que começou a engatinhar outro dia e já dá saltos gigantescos (Aluf). E  que está aqui entre nós há inacreditáveis 50 anos (alô, Gloria Coelho), sem esmorecer, sem fazer concessões. Sim, tem report fresquinho sobre a SPFW N57 aqui. 

Na perfumaria, o cheiro de “sei não é maior ainda. Embora 90% das pessoas usem perfumes nacionais, de novo, o que gera notícia, “talk of the town”, em inglês mesmo, no Brazil com Z, é fragrância da gringa. Preconceito que merece ser revisto, especialmente agora, com uma nova e potente gama de novos jogadores, que entram em campo de olho na perfumaria de nicho. O mesmo vale para mercados como os de skincare e maquiagem: tem muita marca nova brasileirinha que merece ficar no seu radar. Atualize-se com a matéria Geração BR.

Outra coisa que é muito nossa, e que às vezes passa despercebida, por já estar tão inserida no nosso dia, mas grita originalidade e deboche, é a cultura do meme. Como explicar que copo americano é copo brasileiro usado pra pingado ou cerveja se não na forma de meme? Como contar o que é chá revelação ou sacolé, que também pode ser gelinho, dependendo do CEP da sua região? Quem demonstra e explica é o Greengo Dictionary, em participação especial na ELLE View.  

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Por fim, acho que o que melhor resume esse nosso país, amado e odiado, são os contrastes mesmo. Uma união de highs and lows, de arrocha com indie, de 25 de Março com Itaim, de sertanejo e moto por todos os lados, de novela e modernismo, de natureza exuberante e selvas de pedras. De riquezas e (infelizmente) misérias. Um mundo dentro de outro mundo, um país com muitos países, uma gente que ri e que chora e que, acima de tudo, não desiste nunca. 

Prova disso é a nossa garota da capa, Verena Figueiredo, que, por não desistir, como boa brasileira que é, conquistou até a Chanel. E, durante um dia tipicamente paulistano, com céu cinza e garoa, conquistou a ELLE com seu bom humor, estilo e profissionalismo – ela foi fotografada por Juliana Rocha em pontos turísticos e populares da capital (fez um sucesso danado no Mercadão Municipal), vestindo apenas marcas brasileiras, num styling incrível de Lucas Boccalão e sua equipe de moda.

Espero que você goste desta edição tanto quanto a gente gostou de fazer. De reolhar e tentar ressignificar o que temos de legal nessa pátria, cujo hino e bandeira quase foram roubados de nós. Porque os problemas, a gente sabe, não param e todo dia estão na televisão. Bora também pensar no que é bom. Nem que seja pra reclamar em seguida. 

Um beijo.
Ou melhor, um cheiro,

Renata Piza