Agosto Lilás: entenda os diferentes tipos de violência contra a mulher
Campanha ressalta a importância de nomear comportamentos violentos que costumam ser normalizados.
Uma cena de ciúme que passa por prova de amor. Um controle da vida financeira do outro, que pode ser interpretado como zelo. Uma grosseria que é relevada por ser “o jeito da pessoa”. Atenção: nem todo tipo de violência em um relacionamento é evidente ou deixa marcas visíveis.
Com intuito de alertar as mulheres sobre os diferentes tipos de violência e convidar a sociedade para uma oferecer uma escuta ativa e acolhimento das vítimas, o Instituto Natura e a Avon lançam a campanha “Sim, é violência. Chame pelo nome” neste Agosto Lilás, o mês oficial de conscientização e enfrentamento à violência contra a mulher.
Através de ações educativas, a campanha ressalta como comportamentos considerados normais e, muitas vezes, até românticos, na realidade são tipos de violências. A iniciativa reforça também a importância de uma rede de apoio e mostra como a construção de relações saudáveis é essencial para desnaturalizar incômodos.
Números para lembrar no Agosto Lilás
A Lei Maria da Penha classifica a violência contra mulher em cinco tipos: física, sexual, patrimonial, psicológica e moral. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2025) mostram que no ano de 2024 foram registrados 1.492 feminicídios, o maior número desde que o crime passou a ser tipificado em 2015. Oito a cada dez mulheres foram mortas por companheiros ou ex-companheiros e 64,3% foram mortas em casa. Além disso, houve o registro de 51.866 denúncias de violência psicológica e 95.026 de stalking, que representaram um aumento de 6% e 18%, respectivamente, na comparação anual.
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A pesquisa “Redes de apoio e saídas institucionais para mulheres em situação de violência doméstica”, realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) em 2022, aponta que entre os principais motivos de manutenção das relações nocivas com o agressor estão a dependência financeira, o medo de ser morta caso termine a relação, o medo de perder a guarda dos filhos, a dependência emocional e afetiva, o medo de novas agressões, a vergonha do que as outras pessoas vão pensar e a crença de que o parceiro vai mudar as atitudes.
A ação do Instituto Natura e da Avon no Brasil neste Agosto Lilás conta com um hub informativo que reúne as principais informações sobre os tipos de violência e um guia sobre como identificar padrões violentos. A iniciativa conta ainda com um pilar de acolhimento através do canal Angela, que oferece suporte a mulheres em situação de violência doméstica pelo número (11) 94494-2415.
Criado em 2010, o Instituto Natura atua nos seis países da América Latina em que está presente (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru). Ele se dedica ao desenvolvimento educacional das Consultoras de Beleza Natura e Avon e trabalha em conjunto com parceiros no poder público, no terceiro setor e na sociedade civil. Desde 2024, o Instituto ampliou sua atuação para a defesa dos direitos fundamentais das mulheres, desenvolvendo iniciativas voltadas à conscientização sobre o câncer de mama e ao combate à violência contra mulheres. A seguir, confira a entrevista com Beatriz Accioly, Líder de Políticas Públicas pelo Fim da Violência contra as Mulheres do Instituto Natura.

Beatriz Accioly: Instituto Natura no Agosto Lilás. Foto: Roberto Setton
Como a campanha “Sim, é violência. Chame pelo nome” vai atuar neste Agosto Lilás?
Essa é uma campanha de conscientização que tem como grande norte trazer a discussão do quão importante é nomear situações as quais, às vezes, a gente dá outros nomes que pormenorizam a situação de violência, em especial quando não é a violência física. A Lei Maria da Penha estipula que há cinco tipos de violência: violência física, sexual, patrimonial, moral e psicológica. E, socialmente, estamos mais acostumados a falar sobre a violência física. Nossa campanha também traz esse elemento da importância de reconhecer o que são violações de direitos, que não se traduzem na agressão física, mas são tão graves e também fazem parte da definição de violência doméstica. Além de ressaltar a importância de nomear, e não tratar como algo menor, com argumentos como “ser o jeito da pessoa” ou algo cultural. Só quando nomeamos como violência é que chamamos a atenção para a seriedade e para a importância da sociedade intervir e fazer alguma coisa. A violência é algo de responsabilidade coletiva.
Falando dessas violências que são mais difíceis de identificar, quais comportamentos considerados comuns podem ser enquadrados como violência?
A violência psicológica e a violência patrimonial ainda são pouco compreendidas pela população. Porque, muitas vezes, são situações que as pessoas acham normal e confundem com um cuidado. Por exemplo, controlar a conta bancária, fazer o depósito do salário na conta do parceiro, não permitir que a mulher tenha acesso aos documentos e ficar em posse dos documentos da pessoa. Isso é muito comum e impede até que a pessoa registre uma ocorrência – sem documento você não pode fazer o registro de ocorrência. Além disso, há formas de desqualificação, de manipulação emocional, como acusar de louca e dizer que delira. Percebemos muito esse tipo de comportamento em relações violentas. Por isso, urge que sejam nomeados como comportamentos violentos para serem tratados como tais. Só tratamos como violência algo que nomeamos como violência.
Em alguns casos, ao perceber essas violências, as mulheres são muitas vezes descredibilizadas por esses comportamentos serem considerados corriqueiros. Como podemos lutar contra esse comportamento e essas violências normalizadas?
A Lei Maria da Penha é bastante recente e conhecida. Mas tem uma pesquisa, do Mapa Nacional da Violência de Gênero, que questiona o quanto as mulheres de fato conhecem os mecanismos de proteção e detalhes dessa lei. Como você vai utilizar a seu favor algo que só conhece superficialmente? Isso gera muitas impressões equivocadas. Falando de conscientização e campanha de comunicação, é muito importante ter acesso a informações de qualidade, que saiam do superficial. É essencial falar sobre o que esperar de uma denúncia, o que é possível pedir para a polícia, para o sistema de justiça e o que é possível registrar como uma forma de violência. Por isso, é tão importante aprofundar e sair de conversas introdutórias e mergulhar no tema. Uma forma de fazer com que as pessoas mudem comportamentos, valores e procurem mais políticas públicas é, justamente, fazer com que as pessoas reconheçam mais (os comportamentos violentos). Muito do que a gente chama de ciúme, cuidado excessivo ou um jeito bruto é violência.
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Um dos conceitos da campanha é “O que não se nomeia, não se vê. E o que não se vê, não se enfrenta”. A partir do momento em que a pessoa identifica uma violência, como agir? E como os vários tipos de dependência, como a financeira e a afetiva, podem influenciar na manutenção desses relacionamentos?
Sempre é recomendado que, uma vez que os padrões de violência sejam reconhecidos, não se trate com silêncio e nem se vivencie isso sozinho. É essencial buscar ajuda. Nem sempre é possível fazer uma denúncia policial, mas é possível procurar outros equipamentos públicos, como assistência social, saúde ou mesmo espaços de apoio da sociedade civil. Nós temos um serviço que é a Ângela: ela não é um serviço de denúncia, mas age como uma plataforma de apoio para mulheres que têm dúvidas e gostariam de entender o que estão vivendo e buscam um acolhimento e uma escuta. Além da vítima, é importante falar para a sociedade como um todo. Porque falamos muito para a vítima quebrar o silêncio, mas falamos pouco para a sociedade escutar com carinho, atenção e procurar informação de qualidade. Você está preparado para uma mulher que você ama te contar uma história, te pedir uma ajuda e um ombro amigo? Como você acha que reagiria? É importante falar sobre quebrar o silêncio, mas também sobre como escutar e acolher.
Sobre a questão da dependência, percebemos que a violência doméstica e familiar é muito democrática entre as mulheres. Acontece com mulheres de alta renda e mulheres que são as principais responsáveis pela renda de uma casa. Às vezes questionam o motivo de algumas mulheres não saírem de determinados relacionamentos, mas há questões. Romper o relacionamento não rompe a violência – muitos agressores são ex-companheiros. Outro ponto é que o momento do rompimento é de muito risco. Muitos feminicídios acontecem nessa hora. É importante se despir das percepções que temos sobre a violência doméstica e entender que ela tem vários formatos, que as vítimas têm vários padrões e que não há respostas fáceis. Meu conselho é sempre uma escuta carinhosa, ativa e atenta. Ninguém precisa ser especialista, mas todo mundo pode ser um ombro amigo e uma fonte de apoio e acolhimento.
Muitas vezes a vítima pode estar contando alguma situação que ela ainda não percebeu que é uma violência. Como fazer uma boa escuta e indicar que determinados comportamentos não são aceitáveis?
Talvez muitas mulheres já tenham se visto numa situação assim, ouvindo a história de uma amiga, parente ou de alguém próximo e pensando que ela não está percebendo o quão grave é o relato. É importante ter muito cuidado. Já é um passo muito grande que a pessoa esteja te contando tudo isso: ela confia em você e é importante honrar essa confiança. Porém também é importante tocar no assunto e falar. Algumas abordagens podem ser questionamentos como: “Você não acha que isso é grave?” ou “você não acha que isso pode ser mais do que um comportamento chato ou da personalidade dele?” ou “isso não é uma coisa que te coloca em risco ou que não faz bem para você?” Quando falamos que temos que meter a colher em briga de marido e mulher, todo mundo pensa imediatamente na agressão física na rua e alguém chamando a polícia. Mas ao ouvir uma história e ignorar o ocorrido, porque a pessoa ainda não nomeia ou porque a gente se sente inseguro em fazer alguma coisa, também é uma forma de negligenciar a intervenção. Podemos oferecer ajuda e a pessoa pode aceitar ou não. Mas oferecer companhia e apoio são sempre soluções solidárias que tendem a facilitar a vivência de uma experiência que é muito dura.
Para finalizar, como podemos construir relacionamentos mais saudáveis?
Temos no Instituto Natura um manual que se chama Guia dos relacionamentos saudáveis. Porque se costuma falar mais do que é uma situação de violência do que de uma situação bacana. Acredito que o diálogo, a conversa e uma educação para conhecer os direitos são fundamentais para avançar na construção de relacionamentos mais equânimes, democráticos e respeitosos. Eles não vão acontecer de maneira espontânea: precisamos estimular isso, para que os limites sejam respeitados e reconhecidos. É essencial desnaturalizar uma série de comportamentos vistos como amor, como é o caso do ciúme. Diálogo, educação em direitos e conversas difíceis, mas necessárias, são pontos de partida para estabelecer relacionamentos respeitosos e menos inseguros para as mulheres.
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