Clarete, o vinho tinto que você vai amar beber no verão

É um rosé carregadão ou um tinto leve? Você decide. O que importa é que o estilo clarete ganha terreno e traz frescor, elegância e mil possibilidades de harmonização.


vinho clarete
Fresco, leve e frutado, o clarete desponta como o vinho do verão 2024. Foto: Divulgação Sanabria



O vinho clarete engana os sentidos. Para algumas pessoas, é um rosé carregadão, de cor bem intensa. Para outras, um tinto que não conseguiu alcançar o tom rubi de seus colegas mais potentes. Você pode enxergar dos dois jeitos, vai dar mais ou menos na mesma, pois ele fica no meio termo entre o rosé e o tinto. Não existe, na legislação brasileira, uma norma que defina o que é clarete. Mundo afora, o conceito é bastante discutido e funde a cuca de muita gente. Mas vamos descomplicar a parada.

Importante é sacar que claretes são vinhos feitos de uvas tintas (às vezes, misturadas com brancas) têm corpo leve, são frescos, jovens, delicados, frutados e de teor alcoólico moderado. Você pode e deve servi-los gelados. São bons de praia e piscina, encaram o calorão numa boa, pois se espera do bom clarete ser dono de boa acidez, o que garante refrescância ao vinho. Na boca, têm mais personalidade que os rosés e menos taninos que os tintos. Vale harmonizá-los com saladas, queijos magros, pescados, frutos do mar e até embutidos, massas de molho vermelho e pizzas. Ou beber de golada na tarde de papo. Quem não quer um tinto assim?

Jonathan Marini, enólogo da gaúcha Garbo Enologia Criativa, também queria um tinto com esse mesmo jeitão. “Sentíamos falta de algo mais fresco e alegre dentro do nosso portfólio, um tinto de verão despretensioso, pra tomar de balde”, ele conta. Decidiu, junto a seus sócios, vinificar a uva Pinot Noir colhida em Monte Belo do Sul (RS) em estilo clarete. Embora esse fosse seu desejo, tinha dúvidas sobre o sucesso da empreitada. O público entenderia o que é um clarete, compraria a ideia?

Clarete, um estilo a ser descoberto

A desconfiança foi dissipada logo nas primeiras provas do Cherry Bomb no wine bar da Garbo, nos Caminhos de Pedra de Bento Gonçalves. Mesmo sem saber – ou sem querer saber – o que é um clarete, muita gente se apaixonou pelo vinho. O ataque forte de frutas silvestres no nariz e na boca, como uma bomba de sabor, a acidez vibrante, o corpo leve e a facilidade de beber transformaram o rótulo em hit da vinícola. “O sucesso superou nossas melhores expectativas”, diz Jonathan.

“O clarete é um vinho a se descobrir. Ainda é um produto de nicho, mas acredito que veio pra ficar. As pessoas curtem, porque é um tinto pra beber gelado, acompanha bem um ceviche, um crudo, um carpaccio. Tem feito muito sucesso em restaurantes por sua versatilidade de harmonização”, diz Carlos Sanabria, da Sanabria Vinhos, que há três anos vinifica, no Rio Grande do Sul, o clarete Frida Radiante (corte de Pinot Noir e Chardonnay), em homenagem a Frida Kahlo. Em 2023, lançou o Belchior Clarete (100% Pinot Noir), em reverência ao compositor cearense.

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Belchior Clarete: 100% Pinot Noir. Foto: Divulgação

O sucesso do estilo, ainda que restrito a quem provou e gostou (ou a quem sabe das coisas), é atestado a cada evento a que os produtores levam seus claretes. Sanabria conta que esgotou a provisão de claretes que apresentou em duas feiras recentes, destinadas ao consumidor final, a Vinum Brasilis, em Brasília, e o Sparkling Festival, em São Paulo. Aumentar a produção de claretes na próxima safra, no primeiro semestre do ano que vem, já é uma decisão da Sanabria e da Garbo.

Como se faz um clarete

Para entender o borogodó do clarete, primeiro é preciso saber que o que dá cor ao vinho tinto são as cascas das uvas. Quanto mais as películas ficam em contato com o líquido, mais intensa será a cor da bebida. Se você deixa as cascas boiando ali por pouquinho tempo e – zupt – as retira, obtém um rosé bem clarinho, tipo Provence. Se as deixa por mais tempo, o vinho vai tingindo. Aí você decide que tonalidade ele terá, dos vários tons de rosa, passando pelo que podemos chamar de clarete, ou chegando ao vermelhão rubi.

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Mais escuro que um rosé, mais claro que um tinto convencional. Foto: Divulgação Garbo

Misturar uvas tintas e brancas – mesclando vinhos já prontos ou fermentando as uvas juntas – é outra técnica comum na elaboração de claretes. É assim que Sanabria faz Frida Radiante, um dos grandes sucessos de sua vinícola. O mesmo método foi usado pela Sozo, de Campos de Cima da Serra, região gaúcha que ainda vai dar muito o que falar. O vinho da uva italiana Sangiovese foi cortado com uma pequena porcentagem da francesa Chardonnay.

“Nossa Sangiovese veio muito delicada e elegante na safra passada. Como costumamos resgatar técnicas ancestrais de vinificação, decidimos que o estilo clarete seria a forma ideal de trabalhá-la. A expressão da uva em seu terroir também é muito importante para nós, e a Sangiovese se revelou equilibrada, com leve tanicidade, complexidade e persistência aromática no vinho”, diz Rodrigo Sozo, responsável técnico da vinícola familiar, que elaborou seu primeiro clarete em colaboração com a Don Affonso, de Caxias do Sul.

Um pouco da história do clarete

Técnicas ancestrais? Sim, pouca coisa é novidade no mundo do vinho. Se alguém aparece com uma “descoberta”, desconfie do ineditismo. É bem provável que a coisa já tenha acontecido muito tempo atrás. O clarete foi moda da Idade Média até o século 19, e a onda veio da França. A palavra “clairet”, transformada em “claret” pelos ingleses, era usada para designar vinhos tintos de cor pálida. Ou seja, clarinhos.

Já era um estilo típico de Bordeaux antes de virar febre internacional. Após o casamento do rei Henrique II da Inglaterra com Leonor de Aquitânia, no século 12, a exportação de claret bombou. Leonor já havia sido rainha da França, casou-se com Luís VII e separou-se. Henrique era rival de Luís, e a troca de maridos deu uma força para que os ingleses ocupassem boa parte do oeste francês, incluindo Bordeaux, que se transformou no porto mais importante da França.

A partir do século 18, Bordeaux seria reconhecida por seus vinhos potentes, tânicos, de grande extração e envelhecidos em madeira, estilo copiado em todos os cantos vinícolas do mundo. Antes disso, sua principal vocação eram os tintos clarinhos, pouco extraídos, consumidos em grande quantidade pelos ingleses. Até hoje alguns britânicos old school chamam qualquer vinho produzido em Bordeaux de claret, mesmo os pancadões.

Índia, Inglaterra, Portugal e América do Sul

Durante a colonização da Índia pelos ingleses, a partir do século 19, era natural que os vinhos de Bordeaux, seus xodozinhos, viajassem ao oriente. Naquele calor de lascar, inadequado ao exército britânico, foram criadas variações de punch tendo o vinho como base alcoólica. Os coquetéis podiam levar frutas, açúcar, limonada, pepino, ervas, especiarias, muito gelo e algum destilado para dar corpo e fazer a cabeça. 

O novo e refrescante coquetel, que cada um fazia com o que tinha à mão, foi batizado de Claret Cup (caneca de clarete). Quando os ingleses foram bater na América do Sul, levaram a receita. Basta enrolar a língua e repetir “claret cup, claret cup, claret cup”… para chegar ao Clericot (ou Clericó), a mistura de vinho branco, rosé ou espumante com frutas e outros ingredientes que argentinos e uruguaios amam. Hoje vale tentar repetir a ideia original com algum clarete moderno, olha que fofo.

Mas a história não tem só a via França-Inglaterra, com suas contaminações pelo mundo. Os portugueses, que sabiam das coisas, também faziam vinhos tintos de cor esmaecida, de olho no mercado britânico. Eram chamados parduscos e foram grande sucesso no século 14. O enólogo Anselmo Mendes, da região dos Vinhos Verdes, revive o estilo em dois rótulos. Embora não categorizados oficialmente como claretes, são essenciais para quem quer entender esse tipo de vinho.

Que claretes provar

Cherry Bomb (Brasil) – uma bomba de frutas silvestres, como cereja, groselha e framboesa, no nariz e na boca, é o que este vinho promete e entrega. A cor é de cereja brilhante também, fruto da vinificação de Pinot Noir de Monte Belo do Sul (RS). Por R$ 109, na Anja Vinhos.

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Cherry bomb: explosão de frutas silvestres. Foto: Divulgação

Clarete de Sangiovese Don Affonso e Sozo (Brasil) – um vinho bem laborioso, em que uma parte das uvas Sangiovese é trabalhada brevemente em madeira, sem prejuízo do frescor, acentuado pelo corte com Chardonnay. Taninos macios e pura elegância. Por R$ 117, na Sozo.

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Clarete de Sangiovese Don Affonso e Sozo: frescor e elegância. Foto: Divulgação

Belchior Clarete (Brasil) – Da série de rótulos que homenageiam ídolos da cultura, o clarete de Belchior é feito com Pinot Noir da Serra Gaúcha. Como seus irmãos brazucas, traz bastante frutas vermelhas frescas ao paladar. Bom para as rodas de violão. Por R$ 152, na Sanabria.

Frida Radiante (Brasil) – Metade Pinot Noir, metade Chardonnay, é de uma leveza encantadora. As duas variedades são pródigas em frescor e acidez, equilibrando a receita com boa expressão de fruta. Ótima opção para as tardes de verão. Por R$ 165,50, na Sanabria.

Era dos Ventos Clarete (Brasil) – a gaúcha Era dos Ventos não informa que variedades usa para elaborar este clarete. Cofermenta uvas tintas e brancas para chegar a um resultado frutado, suculento e com toques florais. Um pequeno luxo. Por R$ 218, na Família Kogan.

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Era dos Ventos: uvas tintas e brancas. Foto: Divulgação

Valparaiso Vitale (Brasil) – a vinícola gaúcha elabora tintos com a técnica em que o sumo é obtido apenas com o peso das uvas uma sobre as outras, sem prensagem. São entendidos como claretes, por sua leveza. Tem de Sangiovese, Pinot e Nebbiolo. De R$ 139 a 190, na Valparaiso.

Antonio Dias Clarete (Brasil) – exemplar de Três Palmeiras (RS), feito com a uva Malbec, traz bastante cereja e outras frutas silvestres no aroma e no paladar. Tem acidez, é macio e pode ser servido como aperitivo ou com massas com molho de tomate. Por R$ 99,90, na Antonio Dias.

Pardusco e Pardusco Private (Portugal) – vinhos de Anselmo Mendes que são referência do estilo ancestral português. O primeiro mescla Alveralhão, Pedral e Cainho. O segundo é 100% Alveralhão e passa por longo estágio em madeira. Por R$ 161,01 e R$ 371,61, respectivamente, na Decanter.

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Pardusco Private: clarete com longo estágio em madeira. Foto: Divulgação

Rufia Clarete (Portugal) – obra do vinhateiro João Tavares de Pinã, do Dão, região marcada pela delicadeza. Feito com a uva Rufete, é fresco e frutado, com aromas de morangos, baunilha e toque defumado. Bom para harmonizar com aves. Por R$ 98, na Zahil Rio.

Cebolal Palhete (Portugal) – Portugal tem uma norma para claretes e palhetes. Os primeiros são feitos apenas com uvas tintas. Os segundos, com brancas e tintas misturadas. Como este exemplar do Douro, que mistura diversas variedades. Por R$ 189,90, na Adega Express.

Casa de Mouraz Nina (Portugal) – Dão é sinal de leveza, e este palhete revela toda sua bossa, com Alfrocheiro, Baga, Bical, Encruzado, Malvasia Fina e Tinta Roriz. Um vinho de banquete, que pode ser harmonizado com peixes gordurosos ou pato. Por R$ 428, na Belle Cave.

Clarete de Criollas de Don Graciano Paso a Paso (Argentina) – uma festa na boca, provocada pela mescla de Criolla Grande, Moscatel Rosado, Pedro Ximénez e Torrontés Sanjuanino. Um vinho de grande elegância e sutileza, elaborado com uvas raras. R$ 179,90, na Família Kogan.

Cousiño-Macul Claret (Chile) – O Chile é famoso pelo Cabernet Sauvignon intenso. Este clarete permite conhecermos a uva em versão light e por um preço camarada. Com bastante fruta, pode acompanhar carnes leves grelhadas ou risotos encorpados. Por R$ 99, na Soul Wines.

Preços pesquisados em novembro de 2023 e sujeitos a alterações.

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