Milk punch é a grande sensação da coquetelaria

Técnica de clarificação com leite, que garante coquetéis translúcidos e sedosos, voltou à moda depois de alguns séculos. Saiba onde experimentar o milk punch e como preparar seus drinques em casa.


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White Mastruz, do Subastor. Foto: Bruno Geraldi



Beber o coquetel Old Mate e fechar os olhos é transportar-se imediatamente para a praia, onde você acaba de pedir um mate trincando de gelado na medida certa: não muito amargo, não muito doce, não muito azedo. Além de mate, limão e açúcar, há pecadinhos na receita servida pelo bartender Lula Mascella no bar O Picco: single malt escocês e amaro italiano. E outro ingrediente que só as pessoas de faro ou paladar bem aguçados podem identificar: leite integral.

“Gente, mas eu não sinto o leite e nem o álcool!”, talvez você exclame, já tendo vontade de mandar engarrafar duas pets de dois litros de Old Mate, levar para casa e armar um brunch no próximo final de semana. A ideia dos coquetéis clarificados é essa: por meio da coagem do líquido em leite talhado, obter uma bebida bastante sedosa, delicadamente untuosa, cristalina e com pouca percepção alcoólica, embora o teor continue ali. Um perigo.

drinque transparente feito com a técnica de milk punch

Limessy, do Santana Bar. Foto: Clailton Vieira

O milk punch clarificado virou modinha nos bares de São Paulo e de outras cidades brasileiras. Vários lugares bacanas têm pelo menos uma receita para chamar de sua – e clientes interessados em saber qual a pedida da casa. A tendência ecoa o grito das grandes capitais da coquetelaria no planeta, onde a técnica é hype. Em Nova York, foi inaugurado há pouco tempo o Jelas, bar em que todos os drinques passam pelo processo de clarificação.

Mascella tem recebido uma resposta bastante positiva com seus milk punches. Além da receita servida no Picco, ele produz no Nu i Cru, seu outro bar na Casa das Caldeiras, o Milkcillin (versão clarinha de Penicillin com scotch, single malt, gengibre, mel e limão siciliano) e o Daicaxi (reinvenção do Daiquiri com rum infusionado com casca de abacaxi, limão-siciliano, cumaru e bitter). “No Nu i Cru, chegamos a vender mais de 400 clarificados por final de semana”, conta.

Outra característica da bebida clarificada, talvez seu maior charme, é a transparência. Dependendo dos ingredientes usados, o drinque chega a ficar incolor – mais um ponto de atração. “A mágica do milk punch começa aí. A pessoa vê um coquetel clarinho, bebe e se pergunta: ‘De onde sai todo esse sabor?’”, comenta o bartender Caio Carvalhaes.

coco chanel liquor store

Coco Chanel, do Liquor Store. Foto: Divulgação

No Liquor Store, novo bar do grupo Tan Tan, Carvalhaes serve o Coco Chanel, claro como água, mas que guarda os evidentes aromas e sabores de rum, coco, limão-taiti, licor de laranja e, se você tiver olfato de cão farejador, castanha-de-caju, que entra em formato de leite vegetal para clarificar o drinque. Ou seja: também há bons clarificados em versão vegana ou própria para quem tem intolerância a lactose.

Dura que é uma maravilha

Além de seduzir e encantar clientes com o truque que confunde visão, olfato e paladar, os bares têm no milk punch um aliado para o desafogo do serviço. Uma vez pronto, é só colocar o coquetel no copo com gelo, enfeitar com a guarnição e servir. Rapidão. E ainda dura um tanto: “Refrigerado, o milk punch pode aguentar mais de um mês sem alteração de cor e sabor”, diz Alex Sepulchro, chefe de bar no SubAstor.

Longevidade foi a vantagem que a dona de casa inglesa Mary Rockett viu quando colocou em seu caderno a receita mais antiga de milk punch de que se tem notícia, datada de 1711. Preparar uma boa quantidade do coquetel era uma mão na roda para as famílias daquele tempo, a era pré-geladeira. Além de conservar a mistura por meio da clarificação, o processo arrendondava as arestas dos destilados da época, menos refinados do que os de hoje.

Antes disso, a bebida aparece na literatura de outra pioneira, a poeta, dramaturga, tradutora e ficcionista britânica Aphra Behn, que não perdia a oportunidade de mencionar o milk punch em suas obras. Fez até ode à bebida na peça The Widow Ranter: The History of Bacon in Virginia , levada à cena em 1689:

“Punch!
É minha poção matinal,
minha bebida de mesa,
meu deleite,
minha regalia,
meu tudo.”

A moda atravessou dois séculos. O político, jornalista e inventor Benjamin Franklin, depois de passar cinco anos na Inglaterra, enviou a um amigo a receita de milk punch que aprendera, em carta datada de 1763. Foram encontradas várias garrafas do elixir no porão do escritor Charles Dickens depois de sua morte, em 1870. A rainha Victoria, que ficou no trono até 1901, encomendava a versão envasada pela empresa Nathaniel Whisson & Co. (pra você ver que coquetel engarrafado também não é novidade).

Crystalized, do bar Saz. Foto: Divulgação

Mas que vantagem Mary leva em fazer milk punch caseiro nos dias de hoje, quando tudo chega por delivery, como no palácio de Victoria? “Se você é um beberrão, vai ter um coquetel gostoso e bem balanceado sempre à mão na geladeira”, diz Mascella. Carvalhaes conta outra história: “Como sei que vão pedir para eu trabalhar de bartender nas festas de família ou de amigos, já levo umas duas receitas de milk punch prontas, cada um se serve e eu fico livre para curtir”.

Fazer em casa é fácil? “Superfácil. Dá um certo trabalho, mas vale a pena. A grande vantagem é ter um coquetel de qualidade, complexo e fácil de servir para muita gente”, resume Sepulchro. “A técnica funciona com qualquer receita que tenha o elemento cítrico. Você pode fazer milk punch de Margarita, de Daiquiri, de Caipirinha. Não tem fim.”

Agora existem dois caminhos. Provar os milk punches da cidade, iniciar sua produção caseira ou fazer tudo ao mesmo tempo agora. Mas vamos por partes…

Onde provar milk punch nos bares de São Paulo

Além de Picco, Nu i Cru e Liquor Store, há vários delírios sedosos por aí. O SubAstor, um dos pioneiros do milk punch paulistano, oferece receitas com a técnica há mais de cinco anos. O Navy Punch Rum, criado pelo bartender Fabio La Pietra, nasceu no porão do Sub e hoje é servido no Astor, o bar de cima. Os clientes exigem a permanência na carta da alquimia de framboesa, rum, licor de laranja, limão e bitter.

No Sub, hoje são apresentadas as receitas White Mastruz, de Italo de Paula, e Açaí Punch, de Alex Sepulchro. White Mastruz tem tiquira (destilado de mandioca), goiaba, mastruz, clorofila, vodca e Lillet. Vem servido com uma folha desidratada em filigrana e sobre um porta-copos com luz de led, que ressalta sua transparência. Açaí Punch tem uísque irlandês, rum, xarope de baunilha, aperitivo rosado, limão e polpa de açaí.

drinque cor de suco de uva feito com a técnica de milk punch

Açaí Punch, do Subastor. Foto: Divulgação

No Santana Bar, do bartender Gabriel Santana, a permanência do milk punch é representada pelo Limessy, apresentado na seção Os Intocáveis – os coquetéis que não saem de linha mesmo na mudança de carta. Ele tem gim, ameixa fresca e limão-taiti. No Tan Tan Bar, do chef Thiago Bañares, a pedida clarificada é o Candy Shop (gim, xarope de framboesa, vermute seco e limão).

candy shop tan tan

Candy Shop, do Tan Tan Bar. Foto: Divulgação

No novíssimo Saz, restaurante dos chefs Sergio Suslick e Pedro Tiellet, há o Crystalized (gim, vinho branco, caju, tonka, limão e especiarias), de autoria de Italo de Paula. No Boato, a equipe de Sylas Rocha prepara o Rumor Clarificado (gim, soju, lichia, grapefruit, cítricos e priprioca). No Modern Mamma Osteria, dos chefs Salvatore Loi e Paulo de Barros, o bartender Ricardo Barrero fez a versão milk punch para o Basil Smash, drinque da moda com gim, limão-siciliano, açúcar e manjericão. Foi batizado como Basilico Bianco. 

A lista continua com o Tokyo Milk Punch (saquê, vodca, uva verde, abacaxi), no restaurante Kazuo, e com o Guys and Dolls (rum, abacaxi, coco, limão e especiarias),no bar do Cineclube Cortina, liderado por Chula Barmaid. Para a nova carta do Gran Bar Bernacca, a bartender Ana Gumieri promete o Pisco Punch (pisco, rum, cachaça envelhecida em jequitibá e mix cítrico). A festa não tem hora para acabar.

Como fazer milk punch clarificado em casa

Tokyo Milk Punch, do Kazuo. Foto: Rubens Kato

Antes de partir paras as receitas de milk punch, há algumas regras a serem respeitadas, de acordo com nossos especialistas:

– O leite precisa ser integral.

– É preciso haver um agente cítrico potente. Limão é a melhor opção, seja taiti, siciliano ou cravo. Sua acidez faz o leite talhar e a “ricota” que se forma retém as partículas sólidas da bebida e clarifica o líquido na filtragem. Maracujá também funciona para talhar o leite. Abacaxi não é uma boa, a não ser que venha na companhia do limão.

– Há técnicas com leite quente, de execução mais ligeira (como a que a bartender Dida Teodoro nos ensinou nesta reportagem). AlexSepulchro, no entanto, prefere a clarificação a frio: “É mais demorada, mas une melhor as bases do coquetel e garante melhor filtragem”.

– Tenha paciência: a coagem pode demorar mais de 2 horas, até que todo líquido passe pelo leite talhado.

– Dependendo dos ingredientes (açaí, por exemplo), seu coquetel não ficará claro como água. Nem adianta dar-se ao trabalho de reclarificar mil vezes. A ideia é de que a bebida fique translúcida, isto é, permita que a luz a atravesse.

– Caso o drinque não esteja translúcido após a primeira coagem e sobrem algumas partículas em suspensão, passe de novo pelo filtro de café.

– Leites vegetais (castanhas, coco, arroz) precisam ser bem densos para segurar os sólidos da bebida, ensina Carvalhaes. Se forem aguados, não rola. Na dúvida, faça testes em quantidades bem reduzidas, para não perder um montão de ingredientes.

– Mesmo usando leite integral, reduza a receita na primeira tentativa, por via das dúvidas. Até para saber se você gosta do resultado.

– Se deseja ficar bamba na parada e fazer milk punch para todo o sempre, invista em um chinois, a peneira cônica e fininha que os restaurantes usam para fazer coagens bem refinadas.

Receita de Old Mate

drinque cor de âmbar feito com a técnica de milk punch

Foto: Sergio Crusco

Receita do bar O Picco

Rendimento: Cerca de 18 coquetéis de 100 ml

Ingredientes

75 g de chá mate
300 ml de água
400 ml de single malt
300 ml de amaro Averna
300 ml de suco de limão-taiti
150 ml de xarope de açúcar simples
300 ml de leite integral frio

Modo de preparo

1. Ferva a água, apague o fogo e coloque o chá para infusionar por 10 minutos. Coe e espere esfriar.

2. Num pote hermético grande, misture todos os outros ingredientes ao chá.

3. Mexa bem, tampe o pote e leve à geladeira por 24 horas.

4. No dia seguinte, passe a mistura por um filtro de papel (talvez você precise de mais filtros “trabalhando” ao mesmo tempo), pelo chinois ou por um pano de trama cerrada sobre uma peneira.

5. Guarde a bebida coada em garrafas na geladeira.

6. Sirva em copo baixo com gelo grande.

7. Decore com uma casquinha de limão.

Receita de Navy Rum Punch

drinque vermelho feito com a técnica de milk punch

Foto: Carol Gherardi

Receita do Astor

Rendimento: Cerca de 15 coquetéis de 100 ml

Ingredientes

350 g de framboesa fresca
450 ml de rum escuro
150 ml de licor de laranja triple sec
250 ml de suco de limão-taiti
40 ml de bitter Angostura
100 ml de xarope de açúcar
300 ml de leite integral

Modo de preparo

1. Processe a framboesa no mixer ou no liquidificador.

2. Misture o suco de framboesa com todos os outros ingredientes.

3. Mexa bem, tampe o pote e leve à geladeira por 24 horas.

4. No dia seguinte, passe a mistura por um filtro de papel (talvez você precise de mais filtros), pelo chinois ou por um pano de trama cerrada sobre uma peneira.

5. Guarde em garrafas na geladeira.

6. Sirva em copo alto com gelo até a boca.

7. Decore com um raminho de hortelã e uma tira fina de casca de laranja-baía.

Dica: Se quiser aerar o coquetel, do jeito que é servido no Astor, use a técnica de throwing, jogando o líquido de uma parte da coqueteleira para outra. Se não tem prática de bartender, esqueça a ideia e sirva sem throwing. É gostoso do mesmo jeito.

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