O guia definitivo do Martini

Das dicas para fazer um clássico Dry Martini às receitas autorais, tudo o que você precisa saber sobre essa famosa e polêmica família de coquetéis está aqui.


Dry martini com três azeitonas
Dry Martini: um drinque, uma infinidade de versões. Foto: Stanislav Ivanitskiy / Unsplash



“Se algum dia você se perder na selva africana, não entre em pânico. Sente-se numa pedra e comece a preparar um Dry Martini. Em menos de cinco minutos, aparecerá alguém dizendo que as quantidades de gim e de vermute estão erradas.”

Martini é treta. A citação, atribuída ao escritor estadunidense Ernest Hemingway, ilustra a discussão que se trava, há mais de um século, sobre o que é o Dry Martini perfeito. Menos vermute? Mais gim? Batido? Mexido? Temperado com bitters ou algum elemento cítrico? Quantas azeitonas devem guarnecê-lo? A briga não tem fim.

Para além do Dry, a própria definição do que é ou não é um Martini até hoje eletriza rodas de bartenders, bebedores, filósofos, escritores. Vamos facilitar. Martinis, secos ou não, formam uma família de coquetéis compostos por uma base alcoólica (em boa parte das vezes, gim) e vermute, vinho fortificado macerado com ervas e outros botânicos. É o que dizem os autores de Cocktail Codex, obra que divide os coquetéis em seis famílias, entre elas, a dos Martinis. E é a cartilha que muitos profissionais de bar seguem.

O que é um Dry Martini clássico?

 “Vejo o Martini como uma tela composta por essa base destilada e o vinho fortificado. Você pinta como quiser. Outros ingredientes vínicos podem entrar, como o Jerez”, explica, com um toque de poesia, o mixologista Alê D’Agostino, sócio da marca de coquetéis engarrafados APTK Spirits e consultor do Guilhotina Bar, em São Paulo, que recentemente lançou uma seção de Martinis em sua carta. 

O Dry Martini clássico é gim com vermute branco seco, duas ou três azeitonas ou uma casquinha de limão como guarnição. É tradicionalmente servido na taça martini, aquela em formato “V” (mas se você servir em outra taça é Martini do mesmo jeito). Colocando outras cores na tela, como sugere Alê, você pode adicionar um quê de umami: jogar um tantinho da salmoura da azeitona no coquetel e transformá-lo num Dirty Martini. Ou substituir a azeitona por uma cebolinha em conserva. Vira Gibson, o coquetel que embebedou Bette Davis na festa sacudida de A Malvada.

negroni tambem é martini

Pasme: Negroni também é Martini. Foto: Sophia Sideri / Unsplash

Bitters também são permitidos. O Negroni, veja só, também é da família Martini: leva gim, vermute tinto doce e o bitter Campari no meio. Engana por sua cor vermelhona e o serviço habitual, no copo baixo e com gelo grande. Mas é chiquíssimo servir Negroni na taça martini, sem gelo, só com o zest de laranja por cima. O Dry Martini, ora essa, também pode ser apresentado no copo com gelão. Vira Martini On The Rocks.

A história do Martini

Antes de bugar o cérebro, um pouco de história pode ajudar a entender de onde vem a família. Embora histórias de coquetéis sejam quase sempre imprecisas, a maioria dos estudiosos coloca o Manhattan (bourbon e vermute tinto), surgido em meados do século 19, como o ancestral da linhagem. Dele teria derivado o Martinez (gim, vermute tinto e licor de maraschino), que teria evoluído para o Marguerite (não confundir com Margarita).

Marguerite já pedia vermute branco seco, junto com gim, bitter de laranja, licor anisette, uma cerejinha para decorar e uma casquinha de limão para aromatizar. Receitas com Martini no nome aparecem como variações do Marguerite publicadas no final do século 19, algumas levando xarope de açúcar e licor de laranja, além do gim e do vermute. 

Acredita-se que o nome Martini venha mesmo da marca de vermute da empresa italiana Martini & Rossi. E daí nasce mais uma confusãozinha: para muita gente, Martini é sinônimo de Martini Bianco – aquele vermute claro, docinho e bom de pileque (quem nunca?). Então, primeiramente, é preciso esclarecer que há vermutes brancos doces e secos (ambos estilos produzidos pela Martini & Rossi até hoje). Seco, em bebida, quer dizer “sem sensação de açúcar”. Ou muito pouca.

Pois na virada do século 19 para o 20, o Martini foi secando, despindo-se das cores dos licores e dos açúcares e chegando à nudez e à transparência do Dry Martini – a tela branca. A Martini empresa valeu-se da fama do Martini drink e lançou o slogan: “Não é Martini, se você não usar Martini”. Não é bem assim, como já vimos e ainda veremos.

Martini virou bagunça

Hoje há uma série de coquetéis denominados Martinis (neo-Martinis ou alternatinis) que pouco ou nada têm a ver com a linha evolutiva do Manhattan ao Dry. Espresso Martini (vodca, café, licor de café, xarope de açúcar), Apple Martini (vodca, licor de maçã, xarope e suco de limão). Até o drink de Carrie Bradshaw, Cosmopolitan (vodca, licor de laranja, sucos de cranberry e limão),  acabou enquadrado na família Martini.

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Espresso Martini é Martini? Há controvérsias. Foto: Kike Salazar / Unsplash.

“Não consigo acreditar que esses drinks sejam Martinis”, diz Alê Bussab, sócio do Trinca Bar e defensor da filosofia Martini roots. “É claro que existem intersecções entre as famílias de coquetéis, mas não dá pra chamar de Martini qualquer coisa que seja servida numa taça martini. Senão, vira bagunça.”

A bagunça começou nos anos 1980 e 90, quando bartenders que pavimentaram o que hoje conhecemos como mixologia moderna começaram a criar Martinis de tudo quanto é jeito, cor e estilo. “O grande barato da coquetelaria é extrapolar as regras, ultrapassar o que as pessoas entendem por limite”, diz Rodolfo Bob, consultor do Caledonia Whisky & Co., bar que conta com uma carta de 13 Martinis com base em gim, alguns deles abraçando a diversidade dos alternatinis.

Batido ou mexido?

Eita, mais polêmica. A história de bater o Martini na coqueteleira aparece com força quando os filmes de James Bond popularizam o gosto do agente por uma receita de gim, vodca, vinho quinado Lillet (que hoje já nem é tão quinado) e casca de limão por cima. “Bata muito bem até ficar trincando de gelado”, recomenda Bond ao bartender, num diálogo do livro Casino Royale (1953), o primeiro da série escrita por Ian Fleming.

Os detratores do Martini batido gostam de lembrar que, originalmente, James Bond não tinha o charme de galãs como Sean Connery, Roger Moore ou Daniel Craig. O espião imaginado por Fleming era um sujeito meio desajeitado, que se vestia com ternos mal cortados e lustrosos, um tipo cafonão. Sua receita, para alguns, pode ser entendida como piada.

O cinema, com sua necessidade de glamour, teria dado um sentido sofisticado ao bordão de Bond – “shaken, not stirred” (batido, não mexido) – e à própria personagem. Muita gente acha cool até hoje e tá tudo certo. Cafona, no duro, é fiscalizar o copo alheio. “Não tenho preconceito contra quem pede um Dry Martini batido. Se a pessoa está feliz, bebendo o que quer e o que gosta, é o que importa”, diz Alê Bussab.

A boa técnica a favor do bom Martini

“Martinis devem ser sempre mexidos, nunca batidos, para que as moléculas se acomodem sensualmente umas sobre as outras”, teria dito outro escritor, Somerset Maugham. É gozado imaginar o que o dramaturgo inglês, embora tenha estudado medicina, manjasse sobre o processo molecular da mistura de gim, vermute e gelo. Porém, se a acomodação é sexy, como ele garante, quem não quer?

A verdade é que bater na coqueteleira deixa o seu coquetel aguado, um pecado para a turma que venera tragos austeros e alcoólicos como Dry Martini, Manhattan ou Old Fashioned. A técnica de bater é mais comum para drinks que misturam componentes ácidos, frutados e doces, como a Margarita, o Daiquiri, o Cosmopolitan da Carrie e a Batida de Limão brasileira.

drinque coqueteleira

Coqueteleira: melhor para drinks frutados. Foto: Foto: Michael Cummins / Unsplash

A técnica de mexer, quando empregada da maneira correta, produz menor diluição e deixa o coquetel geladão, como deve ser. É o que se espera de receitas potentes como o Dry, em que álcool se mistura com álcool. “Acredito que a grande discussão, para além do batido e do mexido, é a qualidade dos ingredientes. Quem gim você está usando? Que vermute? O seu gelo é de primeira ou é cheio de cloro?”, pergunta Rodolfo Bob, que gosta de usar gins com mais de 45% de álcool para o preparo do Dry, garantindo o punch do drink.

Como preparar o Dry Martini clássico

“Brincar com as proporções do Martini é uma das coisas mais divertidas em coquetelaria. É legal fazer vários testes até descobrir que quantidades de gim e de vermute são ideais para o seu paladar”, diz Alê D’Agostino, que decidiu aumentar a dose de vermute em algumas receitas autorais do Guilhotina, diminuindo a pegada alcoólica sem prejuízo da estrutura do coquetel, para não “espantar” a turma que começa a entrar na onda Martini. 

Um Martini seco a rigor, segundo Bob e Bussab, leva 70 ml de gim e 15 ml de vermute – aproximadamente a mesma proporção 5 x 1 preferida por D’Agostino. É quase gim puro, um pancadão que muita gente não segura, porque simplesmente não aguenta beber algo tão forte ou porque prefere um sourzinho refrescante mesmo. Para quem quer insistir na ideia Martini e pretende trilhar um caminho suave, basta subir a quantidade de vermute. Há uma versão que permite quatro partes de vermute para uma de gim. Aí não é mais Dry, mas continua tudo certo, se assim você curtir.

O importante é acertar na técnica, e aí vai a aulinha, com dicas dos especialistas. Você pode segui-las à risca ou adotar as que considerar mais adequadas. O Martini é seu, afinal.

– Tenha gelo translúcido de qualidade, hoje encontrável em alguns supermercados ou entregue por delivery por empresas especializadas. O gelo profissional tem diluição mais lenta, portanto gela o coquetel mais rapidamente sem deixá-lo deixá-lo aguado. Caso opte pelo gelo caseiro, faça-o com água mineral ou filtrada, para diminuir a presença de cloro, que pode interferir no sabor do drink. Mesmo assim, o gelo esbranquiçado que costumamos produzir em casa é de diluição mais rápida, pois vem cheio de oxigênio. Gelo de posto, só em ultimíssimo caso, nível desespero.

gelo para coquetel

Não menospreze a importância de um gelo de qualidade para o coquetel. Foto: Kelvin Lutan / Unsplash

– Tenha tudo refrigerado: o copo de misturas e as taças. Deixe-os disponíveis em sua bancada de trabalho segundos antes do preparo do coquetel, ao lado da colher de bar e do strainer (peneira que não deixa o gelo do copo de misturas cair na taça).

– Se quiser arrasar na luta contra a diluição, mantenha o gim (ou outra base alcoólica) e o vermute na geladeira também. Assim, você já começa a preparar o coquetel com tudo em temperatura mais baixa.

– Coloque muito gelo no copo de misturas, até a boca quase. Despeje o gim e o vermute na proporção desejada. Mexa com a colher de bar durante 30 segundos ou o tempo que sua intuição considerar adequado. Quanto mais mexer, mais diluirá o coquetel, mais aguado ele ficará. Você decide. A temperatura ambiente também interfere na diluição. 

– Despeje o coquetel na taça resfriada. O serviço clássico pede três azeitonas enfiadas no palito para finalizar. Ou uma casquinha de limão torcida sobre a taça, para dar um perfume cítrico.

– Teste ingredientes. Com poucos exemplares de vermute seco no Brasil, os bartenders acabam preferindo clássicos franceses, como Dolin e Noilly Prat. APTK e San Basile produzem versões nacionais. Gins há aos borbotões, inclusive fabricados no Brasil, de diferentes perfis e níveis de qualidade, do medíocre ao espetacular. Vá devagarinho, provando um aqui, outro acolá. Ou peça dicas ao seu bartender de devoção. Até encontrar o grande amor de sua vida. Sem treta.

Algumas variações de Dry Martini

Freezer Martini: Prepare algumas doses de Martini na proporção de gim e vermute desejada. Importante: em temperatura ambiente, sem mexer ou bater com gelo. Guarde o coquetel pronto em uma garrafa no congelador. Tranquilo, não congela. Sirva diretamente na taça resfriada. Por não ter diluição alguma, essa versão é paulada na moleira.

Perfect Martini: 60 ml de gim, 15 ml de vermute seco, 15 ml de vermute tinto e uma espirrada de bitter de laranja. Guarneça com casca de laranja-baía.

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Vesper Martini, imortalizado por James Bond. Foto: A mbitious Studio / Rick Barrett / Unsplash

Vesper Martini: tal inspirado em James Bond. São 60 ml de gim, 20 ml de vodca, 10 ml de Lillet. Decore com casquinha de limão.

Picasso Martini: esse é uma graça! Faça pequenos cubos de gelo com partes iguais de água mineral e vermute seco. Sirva o gim resfriado em freezer na taça e adicione um cubinho. 

Fino Martini: chique e sequíssimo. 60 ml de gim e 15 ml de Jerez Fino. Casquinha de limão por cima.

Vodka Martini: 60 ml de vodca e 30 ml de vermute. Ou outra proporção que considere mais gostosa. Azeitonas ou casquinha de limão para finalizar.

Smoky Martini: 60 ml de gim, 15 ml de uísque escocês single malt defumado, ½ colher de bar de vermute seco. Azeitona ou limão para finalizar.

Reverse Martini: 60 ml de vermute seco e 30 ml de gim. Ultrapassa a noção de Dry, mas tudo bem.

Naked Martini: o mais punk de todos. Apenas gim e nada de vermute. Tá, pode molhar a azeitona no vermute antes de colocar no coquetel. Mas é mesmo um coquetel? Não, é apenas gim puro. Prepare-o solitariamente, na selva. Vai que alguém apareça.

Receitas de coquetéis autorais de Martini

Confira invenções e reinvenções, secas ou não, de Alê Bussab, Alê D’Agostino, Rodolfo Bob e suas equipes. O modo de preparo é igual para todos (exceto o último, o Breakfast Martini, um alternatini batido). Você aprendeu acima: coloque os ingredientes no copo de misturas com bastante gelo, mexa com a colher de bar, sirva na taça resfriada e adicione a guarnição.

Marguerite

Versão do antecessor do Martini pela equipe do Caledonia, para você mostrar que manja.

marguerite martini

Marguerite do Caledonia. Foto: Divulgação

45 ml de gim (a casa sugere o Ford’s)
45 ml de vermute seco
2,5 ml de xarope de açúcar
2,5 ml de Cointreau Noir
1 dash de bitter de laranja
Spray de pastis Ricard para finalizar
Casca de laranja-bahia para decorar

Chilli Martini

Martini apimentado da nova carta do Guilhotina, para quem quer começar a noite no samba.

chilli martini

Chilli Martini: toque picante. Foto: Divulgação

60 ml de gim
20 ml de Noilly Prat
7,5 ml de Luxardo Bitter Bianco
7,5 ml de xarope de mix de pimentas*
Casquinha de laranja para decorar

*Numa panela, coloque 500 ml de água, 500 g de açúcar, 5 g de pimenta-da-jamaica, 5 g de pimenta sichuan e 3 unidades de pimenta-dedo-de-moça. Deixe ferver, desligue o fogo, espere esfriar, coe e guarde na geladeira.

Stirred, Not Shaken

Uma tirada de onda para cima de James Bond, da carta de Martinis do Caledonia.

martini caledonia

Misturado, não batido. Foto: Divulgação

50 ml de gim (a casa sugere o japonês Roku)
15 ml de Scotch single malt defumado (tipo Laphroaig ou Talisker)
7,5 ml de licor de elderflower (St. Germain)
10 ml de Jerez Fino
4 gotas de solução salina*
Um alcaparrone para decorar
Zest de limão-siciliano para perfumar

*Misture partes iguais de água e sal. Mexa bem, até dissolver o sal. Guarde na geladeira.

Dirty Harry 

Receita do Guilhotina com vermute doce em contraste com a acidez do vinagre.

martini dirty harry

Dirty Harry: contraste de sabores. Foto: Divulgação

60 ml de gim
30 ml vermute bianco (doce)
10 ml de redução de vinagre de maçã, água, açúcar, sal e aceto balsâmico*.
Picles  para decorar

*Leve ao fogo médio 500 ml de vinagre maçã, 500 ml de água, 55 g de açúcar, 45 g de sal, 15 ml de aceto balsâmico. Mexa até reduzir. Espere esfriar e guarde na geladeira.

Presidente

A invenção do Trinca Bar mostra que o rum pode ser a base de um Martini bem complexo.

Trinca President Thales Hidequi 1

Presidente: à base de rum. Foto: Tales Hidequi

60 ml de rum envelhecido por 3 anos
30 ml vermute seco
5 ml de licor Luxardo Maraschino
5 ml de calda de cereja amarena
3 dashs bitter de laranja
Cereja amarena para decorar

Dirty Coronation

Outra subversão do Trinca Bar, com um vinho de Jerez substituindo a base destilada.

dirty coronation martini

Dirty Coronation: Jerez no Martini. Foto: Tales Hidequi


60 ml de Jerez Oloroso
20 ml de vermute seco
10 ml de vermute rosé (o Trinca produz uma versão artesanal e marca brasileira Aureah também tem um rótulo rosé)
5 ml de licor Luxardo Maraschino
1 dash de bitter de laranja
20 ml de água de azeitona preta
Azeitona preta para decorar

Breakfast Martini

Exemplo de neo-Martini do Caledonia, para quem quer quebrar regras e beber algo frutilly. 

breakfast martini

Vai um Martini no café da manhã? Foto: Tales Hidequi

50 ml de gim (a casa sugere Beefeater 24)
12 ml de mix de geleias de laranja e de damasco
2 ml de Cointreau Noir
20 ml de suco de limão-siciliano
1 dash de bitter de Earl Grey
Casca de laranja-baía para decorar

Modo de preparo

Coloque todos os ingredientes na coqueteleira com bastante gelo. Bata vigorosamente, para dissolver bem as geleias. Coe para uma taça previamente resfriada. Decore com a casca de laranja.

 

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