Mil e uma maneiras de fazer um coquetel sour
Pisco sour e Fitzgerald são apenas dois exemplos desse tipo de drinque que equilibra o doce e o azedo com uma boa dose de álcool. Aprenda a técnica dos sours para preparar receitas clássicas, autorais e até criar sua própria combinação.
Quer um jeito rápido, prático e gostoso de preparar um coquetel com o que você tem à mão em casa? Tem gim, cachaça, rum, uísque, tequila, algum aperitivo ou amaro no bar? Qualquer um deles serve. Sobrou limão em algum canto da fruteira? Açúcar sempre tem. Gelo nunca pode faltar – sempre é preciso muito gelo para que a festa não acabe.
Com três ingredientes, você prepara um coquetel sour charmoso e refrescante. Bastam uma base alcoólica, uma fruta cítrica e algo para adoçar: qualquer tipo de açúcar (melhor se estiver em formato de xarope), mel, melaço ou licores. Se não tiver coqueteleira, improvise com um pote e tá tudo certo. Se quiser um drinque fofinho, espumoso, um pouco de clara de ovo resolve.
Uma base alcoólica, um cítrico e uma doçura: eis o sour. Foto: Getty Images
Taí um estilo de drinque fácil de fazer e de beber, que é sucesso no mundo todo. Por aqui, nem se fala. “Fiz uma viagem ao Rio Grande do Sul no inverno mais pesado. Imaginei os gaúchos bebendo coquetéis bem alcoólicos e encorpados, mas a maioria das pessoas pedia sour mesmo, no meio daquele friozão. Não tem jeito, é a família de coquetéis mais amada no Brasil”, diz o bartender Thiago Toalha, sócio do bar Fiíca, em São Paulo.
Sour dá em qualquer canto. Do México, vem a Margarita (tequila). Do Peru, o Pisco Sour. De Cuba, o Daiquiri (rum). Dos Estados Unidos, o Whiskey Sour e mais uma infinidade de receitas. Dois dos drinques mais populares nos bares de coquetelaria paulistanos hoje são sours, ambos com base de gim: o Fitzgerald (temperado com bitter Angostura) e o Basil Smash (colorido e perfumado por folhas de manjericão).
A batida de cachaça com limão que a gente toma para abrir o apetite antes da feijoada nada mais é do que um sour. Assim como o Bate-Bate de Maracujá, adoçado com mel, popular nos carnavais pernambucanos do passado. Caipirinha? Há discussão entre bartenders se é ou não sour, por ser um drinque montado (feito no copo) e não batido na coqueteleira. A bartender Ana Gumieri, chefe de bar do Gran Bar Bernacca, coloca o coquetel símbolo brasileiro no mesmo balaio: “Caipirinha equilibra um elemento alcoólico, outro ácido e outro doce. É o mesmo conceito. É sour”.
Filho do punch
Na história da humanidade, esse equilíbrio vem sendo perseguido há séculos. Historiadores da coquetelaria, incluindo David Wondrich, um dos mais sérios, situam o punch como pai do sour. O punch, drinque coletivo preparado em grandes quantidades, foi o jeito que comerciantes e trabalhadores ingleses deram para mascarar o sabor dos destilados de baixa qualidade que encontravam na Índia no início do século 17. Misturavam cítricos, água de rosas, açúcar e especiarias ao álcool (não confunda com o milk punch, que também voltou à moda).
Os marinheiros britânicos gostaram da ideia. Produzir e armazenar punch em barris era uma boa solução para substituir vinhos e cervejas que estragavam durante longas viagens, especialmente quando o navio alcançava o calor dos trópicos. O elemento cítrico ainda trazia a vantagem de protegê-los do escorbuto, deficiência de vitamina C que os acometia com frequência. O álcool os alegrava.
No final do século 17, o rum vindo das colônias no Caribe era o destilado preferido para fazer punch, que virou modinha na Inglaterra de então. O status de um cidadão podia ser medido pelo tamanho da tigela de punch (punch bowl) que tinha em casa. A mania espalhou-se além mar. Outro estudioso da manguaça, Simon Difford, relata que foram consumidas 76 tigelas de punch nas comemorações da independência dos Estados Unidos, em 1776, pela cúpula que assinou a declaração e seus chegados.
Na época vitoriana, segunda metade do século 19, o punch vira coisa do passado. A vida andava moderna e corrida e não mais permitia passar horas em torno de uma tigela. Havia um novo jeito de beber, mais rápido e individual. Mas quem disse que o ser humano abandonaria a mistura de destilado, cítricos e açúcar? Em 1862, são publicadas as primeiras receitas de sours no livro The Bartender’s Guide, do mixologista estadunidense Jerry Thomas. Uma com brandy e outra com gim.
Vai um golinho aí? Punch bowl do século 19. Foto: MET Museum
De lá para cá, não houve quem escapasse da mistura, constantemente reinventada por bartenders de todo o planeta. A cada hora surge um sour – com manjericão, cenoura, beterraba ou aipo. Mas não é preciso ser um mixologista de alto gabarito para preparar sours gostosos em casa. O caminho é suave, embora um tanto azedinho.
O básico do sour
Há uma fórmula básica – não exatamente mágica – para fazer uma infinidade de sours. Ou melhor, diversas fórmulas, de acordo com a noção de equilíbrio que se estabeleça. Você pode gostar de mais acidez, de mais dulçor ou buscar a média entre esses dois elementos.
Para Thiago Toalha, o sour perfeito tem:
– 50 ml de base alcoólica
– 25 ml do elemento ácido
– 15 ml do elemento doce
Ana Gumieri acredita em um pouco mais de açúcar e de álcool:
– 60 ml de base alcoólica
– 30 ml do elemento ácido
– 25 ml do elemento doce
Isso não quer dizer que um bartender esteja certo e outro errado. Vale testar as duas receitas ou mexer um pouco em cada uma para sacar onde está seu ponto de equilíbrio, pessoal e intransferível. Comece pelo básico, usando cachaça prata ou rum branco, limão-taiti e xarope de açúcar – e faça os amigos de cobaia no próximo aperitivo. A partir daí, você vai testando receitas e proporções com ingredientes diferentes até ficar bamba. Não costuma demorar.
Em receitas clássicas e autorais, vemos elementos como bitters, ervas, amaros e outros borogodós. Há sours não tão básicos, com mais de três ingredientes, mas que nunca fogem à noção de equilíbrio entre doce e azedo. Depois de testar os simples, você chega aos mais complexos (ensinamos vários preparos na sequência).
Ana e Thiago dão a lista do que você pode escolher:
Destilados – todos (a não ser que alguém descubra algum que não dê um bom sour).
Amaros e aperitivos – são ótimos substitutos para a base destilada (ou podem contracenar com ela), pois trazem riqueza sensorial e, de maneira geral, são menos alcoólicos. Você pode usar Campari, Red Bitter San Basile, Cynar, Amaro di Angostura, Amaro Stomatico, Amaro Lucano, Averna, Aperol, Jägermeister, Paratudo, Brasilberg, Fernet. Bom lembrar que alguns desses produtos têm dulçor elevado, por isso vale a pena baixar a quantidade de açúcar (ou mesmo eliminá-lo) em alguns casos.
Elemento ácido – sucos de limão-taiti, limão-siciliano, limão-cravo, maracujá, grapefruit (trará um toque amargo ao sour), laranja (a baía é a mais indicada). Os sumos de algumas frutas, como a laranja e o maracujá, às vezes precisam de uma forcinha do limão para que o coquetel ganhe em acidez.
Elemento doce – xaropes de açúcar (branco, mascavo, demerara, cristal, coco), de mel, de melaço de cana, de rapadura, calda de agave. Misture uma parte de açúcar e uma parte de água, leve ao fogo, mexa e espere dissolver. Se quiser um xarope mais potente em dulçor, use duas partes de açúcar para uma de água. Espere esfriar e guarde na geladeira por 15 dias.
Licores – substituem ou reforçam o elemento doce. Licores de laranja triple sec (Cointreau, Triple Sec San Basile, Marie Brizard, Curaçao Branco), de limão (limoncello), de amêndoas (Amaretto Dell’Orso, Disaronno), de avelãs (Frangelico), de ervas (Chartreuse, Bizantino, Licor 43, Strega), de conhaque com laranja (Grand Marnier), de uísque (Drambuie, Union Distillery), de flor de sabugueiro (St. Germain). Atenção: licores leitosos (chocolate, creme de cacau, Amarula) não são bons de sour. Mas vai que alguém goste…
Clara de ovo ou aquafaba – sempre opcional, até nas receitas que tradicionalmente levam o elemento fofo (dá pra fazer Pisco Sour sem clara, sim). Há quem use albumina em pó. Para os veganos, uma boa solução é a aquafaba, a água do cozimento do grão-de-bico. Deixe o grão de bico de molho do dia para a noite, descarte a água do molho, cozinhe em nova água os grãos até ficarem tenros (aproveite e faça um homus). Guarde a água do cozimento até cinco dias na geladeira ou congele em cubos para facilitar o uso na coquetelaria.
Sour: modo básico de preparo
Ana Gumieri, do Gran Bar Bernacca, faz a coagem dupla. Foto: Divulgação
1. Numa coqueteleira com bastante gelo, coloque a base alcoólica, o elemento ácido e o elemento doce. Se quiser, adicione 10 ml de clara de ovo ou aquafaba.
2. Bata vigorosamente.
3. Faça coagem dupla para o copo com gelo ou para a taça. Na coagem dupla, usa-se o strainer (aquele coador maluco com uma mola retorcida que encaixa na coqueteleira) e uma peneirinha. O método evita que gruminhos de fruta ou pedacinhos de outros ingredientes desçam para o coquetel.
3. Sirva em copo baixo com gelo, em taça coupe ou em taça martini previamente resfriadas, dependendo do estilo do coquetel – ou do seu estilo. Para resfriar a taça, coloque água e uns gelinhos dentro dela, depois descarte-os.
4. Decore com a casquinha de fruta que tenha a ver com a receita ou com raminhos de alecrim, manjericão, hortelã.
Receitas clássicas e autorais de sour
As dicas e ideias acima não querem dizer que tudo vá bem com tudo. Bom senso é fundamental em qualquer preparo coqueteleiro e culinário. Caso bata insegurança, nada errado em seguir receitas consagradas de clássicos ou de drinques autorais dos bartenders bambas.
FITZGERALD
Coquetel Fitzgerald do Molotov Bar. Foto: Tales Hidequi/Divulgação
O coquetel que está fazendo o maior sucesso nos bares de São Paulo, criado pelo bartender superstar Dale DeGroff, nada mais é do que um sour simplão temperado com Angostura.
Ingredientes
60 ml de gim
25 ml de limão-siciliano
25 ml de xarope de açúcar
2 dashes (espirradas) de bitter Angostura
Decoração: casquinha de limão-siciliano
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para um copo baixo com gelo.
QUIRIDIM
Coquetel Quiridim, do Fiíca. Foto: Marinho
Servido como entrada em doses menores no Fiíca, o Quiridim é uma releitura do Daiquiri com toque salino. Para a ELLE, Thiago Toalha dobrou a receita.
Ingredientes
50 ml de rum branco
25 ml de limão-taiti
15 ml de xarope de açúcar
2 dashes de bitter Elixir de Abadia San Basile
5 gotas de solução salina*
Decoração: casquinha de limão
*Para fazer a solução salina, dissolva 10 g de sal em 100 ml de água.
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para um copo baixo com gelo.
WHITE LADY
Drinque White Lady, do Gran Bar Bernacca. Foto: Divulgação
Ele é mais ou menos uma Margarita com gim no lugar da tequila. Ana Gumieri diz que a receita tem feito bastante sucesso no Gran Bar Bernacca e em outros bares de São Paulo.
Ingredientes
45 ml de gim
25 ml de licor triple sec
25 ml de limão-siciliano
10 ml de xarope de açúcar (opcional para quem quer mais dulçor)
10 ml de clara de ovo ou de aquafaba
Decoração: casquinha de limão-siciliano
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira sem gelo (chama dry shake). Adicione gelo e bata novamente. Coe para uma taça coupe previamente resfriada.
BARRIS DE OURO
Drinque Barras de Ouro, do Fiíca. Foto: Marinho
A receita de Thiago Toalha brinca com as características do bourbon e do scotch whisky. Para adoçar, um tantinho de mel.
Ingredientes
25 ml de bourbon
25 ml de scotch whisky
25 ml de limão-siciliano
15 ml de xarope de mel
Decoração: casquinha de limão-siciliano
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para um copo baixo com gelo.
MACUNAÍMA
Drinque Macunaíma, do Gran Bar Bernacca. Foto: Divulgação
Nascido no bar paulistano Boca de Ouro, este sour bem brasileiro ganhou espaço em cartas de coquetéis de outros endereços da cidade e do Brasil.
Ingredientes
45 ml de cachaça branca
25 ml de xarope de açúcar
20 ml de suco de limão
7 ml de Fernet Branca
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para um copo baixo com gelo.
PISCO PUNCH
Pisco Punch, do Virô Bistrô. Foto: Manuel Araújo
Releitura brasileirinha do mixologista Marcelo Serrano para o Pisco Sour, coquetel clássico peruano à base de destilado de uvas brancas. Está na carta do Virô Bistrô.
Ingredientes
50 ml de pisco
30 ml de suco de maracujá
30 ml de limão-siciliano
25 ml de xarope de amêndoas
25 ml de clara de ovo
Finalização: gotas de bitter Angostura
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para um copo baixo com gelo. Finalize com três ou quatro gotas de Angostura sobre a espuma.
ALKERMES SOUR
Drinque Alkermes Sour, do Fiíca. Foto: Marinho
Exemplo de sour em que a principal base alcoólica é o licor, em harmonia com vermute ou fernet, para quem quer um coquetel puxado para o amargor. Mais uma dica de Thiago Toalha.
Ingredientes
40 ml de licor de ervas alkermes
15 ml de vermute tinto ou de fernet
20 ml de limão-taiti
10 ml de xarope de açúcar
10 ml de clara de ovo
Decoração: gomo fino de laranja
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para um copo baixo com gelo.
OLD CUBAN
Drinque Old Cuban, do Gran Bar Bernacca. Foto: Divulgação
Ana Gumieri nos ensina uma receita clássica com bastante borogodó: hortelã para perfumar e espumante brut para dar o toque final e frisante.
Ingredientes
6 folhas de hortelã
45 ml de rum envelhecido
25 ml de limão-taiti ou siciliano
15 ml de xarope de açúcar
25 ml ou quanto baste de espumante brut
Decoração: folhinha de hortelã
Modo de preparo
Macere as folhas de hortelã na coqueteleira, adicione gelo e todos os ingredientes (menos o espumante) e bata. Coe para uma taça coupe. Complete o coquetel com o espumante. Decore com a folhinha de hortelã.
PAPER PLANE
Drinque Paper Plane. Foto: Getty Images
Um exemplo clássico de sour que não leva açúcar. O dulçor dos ingredientes (se você escolher um amaro mais açucarado) já é suficiente para equilibrar a receita.
Ingredientes
25 ml de bourbon
25 ml de limão-siciliano
25 ml de Aperol
25 ml de amaro
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira com gelo e coe para uma taça coupe previamente resfriada.
CLOVER CLUB
Drinque Clover Club. Foto: Tales Hidequi
Outra receita de gim fofinha, linda por fora e gostosa por dentro. O coquetel surgiu no começo do século 20 no Clover Club da Filadélfia, Estados Unidos.
Ingredientes
45 ml de gim
15 ml de vermute seco
15 ml de xarope (ou geleia) de framboesa
15 ml de limão-siciliano
15 ml de clara de ovo ou aquafaba
Decoração: framboesas espetadas em um palito
Modo de preparo
Bata todos os ingredientes na coqueteleira sem gelo (chama dry shake). Adicione gelo e bata novamente. Coe para uma taça coupe previamente resfriada.
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