Vinícola Urbana faz e serve vinhos em pleno bairro de Pinheiros, em São Paulo

Vinho produzido no meio da cidade? São Paulo tem! Em um casarão na zona oeste, a uva vai da prensagem à taça e é harmonizada com comidinhas. De quebra, ar livre para curtir, papear e até levar o pet.


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Vinícola Urbana: novo espaço para amantes do vinho. Foto: Divulgação



Tá na moda. No mundo todo. Cidades como Londres, Nova York, Lisboa, Sydney, Seattle, Porto Alegre, Brasília e tantas outras têm suas vinícolas urbanas. São Paulo acaba de ganhar mais uma (não é a primeira), batizada da maneira mais reta: Vinícola Urbana. Fica no bairro de Pinheiros, não exatamente onde se concentra o fuzuê de bares e restaurantes, mas num casarão discreto, protegido por um muro alto, numa quadra bem tranquilinha da rua Francisco Leitão. Quem passa por ali não imagina que na cidade possa se fazer vinho – da prensagem das uvas à fermentação, ao amadurecimento em barricas ou em tanques de aço, ao engarrafamento e à taça.

Quem entra na Urbana talvez tenha a impressão de ter recebido o convite para uma festinha. O lugar, que até pouco tempo funcionava em clima de soft opening, já está bombando. Era para ser um começo suave, mas alguma influencer, que de fato tem o dom de fazer amigos e influenciar pessoas, postou no Instagram e um mundo de gente correu para conferir a novidade.

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Vinícola Urbana: clima de festinha ao ar livre entre amigos. Foto: Divulgação

Só que não espere muvuca de bloquinho no Carnaval interminável de São Paulo. A vinícola é ampla. Decorada à moda minimalista e industrial, tem bastante espaço ao ar livre no jardim da frente e no quintalzão dos fundos, preparados para receber humanos e pets. A quem tem curiosidade, oferece visitas ao espaço de vinificação, que fica atrás do quintal. A quem quer ficar só no vinho e no papo, brinda simpatia e um cardápio de comidinhas leves, além de cerveja e sidra, também produzidas pela casa.

De economista a vinhateiro

A Vinícola Urbana é obra de Daniel Colli, que se mandou para a Europa a fim de se formar em economia e acabou caindo de amores pela gastronomia e pelo vinho. Estudou na Escuela Hofmann de Barcelona e especializou-se na Ferrandi, em Paris. Fuçou produções de azeite, porco ibérico, viveiros de ostras e vieiras, tudo o que pudesse conhecer. E vinícolas, muitas. Na escola francesa, as degustações eram diárias. Cada um levava um vinho e a diversidade de provas foi afinando seu paladar.

De volta ao Brasil, Daniel provou um Sauvignon Blanc produzido no estado de São Paulo. Gamou e foi um clique: pesquisou, estudou vinificação e o processo de dupla poda, técnica que permite fazer vinhos de colheita de inverno no sudeste e no centro-oeste brasileiros. Fez os primeiros vinhos na varanda de seu apartamento. Animado com as possibilidades, encontrou em Cunha, a 250 quilômetros de São Paulo, o terroir que considerou ideal para começar sua produção. Ali, planta Pinot Noir (sua paixão, ele é do time que ama Borgonha), Sauvignon Blanc, a ibérica Alvarinho e mais duas variedades híbridas em fase de teste.

Além das uvas de seus próprios vinhedos, Daniel “importa” frutas da Serra Gaúcha, de Campos de Cima da Serra e de Petrolina (que tem capacidade para fazer quatro colheitas por ano) para compor o portfólio da Urbana. A tintas Tannat e Merlot e as brancas Arinto e Viognier (que tem ganhado bastante espaço no Brasil) também estão no pacote. A oferta pode variar com novas seleções de uvas ou ao sabor das ideias que fervilham na cabeça do vinhateiro.

Frescor e descomplicação na taça

O que chama atenção, logo de cara, é o frescor dos vinhos da Vinícola Urbana, a acidez lá em cima e a facilidade de beber. O corte pouco comum da portuguesa Arinto e da francesa Viognier, ambas vindas de Petrolina, é o perfeito branco de verão. Leve e frutado, faz a boca salivar no primeiro gole, que chama outro… Na onda da refrescância, Daniel também vinifica um espumante pét-nat de Viognier que casa gostosamente com a tábua de queijos da casa. Haveria ainda uma incomum assemblage de Alvarinho e Sauvignon Blanc (outra mistura rara) colhidas em Cunha e fermentadas em carvalho. Na verdade, houve, pois o estoque esgotou e tivemos a chance de provar uma das últimas garrafas. Snif.

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Produção local: com muito frescor e sem afetação. Foto: Divulgação

Mas não fique triste. Se quiser saborear um vinho com uvas vindas de Cunha, ainda há o Pinot Noir da linha Pilar, a mais chique da casa. O tinto segue a linha de frescor que Daniel atribui à localização de Cunha, pertinho de Paraty, com bastante influência de brisas oceânicas, porém a 1.030 metros de altitude. Uvas plantadas em boa altitude e recebendo o sopro marítimo costumam originar vinhos leves e frescos, o que é tendência de consumo.

Ainda há Tannat da Serra Gaúcha e um Merlot de Campos de Cima da Serra (fique de olho nessa região, que vai dar o que falar, comentamos sobre ela aqui). O Tannat Jovem passa por maceração carbônica, técnica bastante usada na região francesa de Beaujolais que dá grande leveza ao vinho. Se tem na cabeça o Tannat pancadão, à moda old school do Uruguai, prepare-se para mudar seus conceitos.

Vinícola Urbana: casa de experiências e sabores

A Vinícola Urbana pretende ser uma casa de experiências e já começa a investir em outras categorias de bebidas. Há uma cerveja em fase de teste (mas que já pode ser degustada) e uma sidra de maçã com pitanga e polpa de cacau. Desce aveludada (resultado da adição do cacau), seca, com uma ponta de acidez da pitanga e muita fruta.

“Queremos trabalhar produtos, outros fermentados que não caíram no consumo geral, como a sidra. E não nos incomodamos em fazer coquetéis, como o Clericot, com a nossa produção. Aqui é um lugar de brincar e de se divertir com o vinho. Estamos apenas começando, mas queremos desbravar possibilidades e dessacralizar o vinho como aquela bebida séria. Só que mantendo muito respeito por ele também”, diz Daniel, que ainda cuida da comida da casa e inicia no negócio de importação de vinhos, para incrementar sua oferta. Um moço atarefado.

A palavra respeito, na visão de Daniel, pode ser traduzida por mínima intervenção: fabricar um vinho honesto sem adição de adjuntos e componentes químicos, ao contrário da grande indústria da bebida, que gera sabores padronizados em busca de lucro. Rola respeito por quem bebe também. Ele aparece na taça em bebidas de boca limpa e sem defeitos. Quem já participou de inúmeras degustações tem um frio na espinha quando ouve falar em “um produtor novo que começou a vinificar no apartamento”. O alerta de vinhos com cheiro de pum e gosto de vinagre apita forte. A visita à Vinícola Urbana, no entanto, arrefece qualquer tremelique. Vá na fé que tá legal.

Vinícola ou vinhedo?

A confusão é bastante comum, mas fácil de explicar. Vinhedo é o lugar onde as uvas são plantadas. Vinícola é a fábrica onde a bebida é produzida (pode ser gigante ou pequetita). Mais fácil imaginar vinhedo e vinícola juntinhos, o que acontece com muita frequência. Só que tem vinícola sem vinhedo, que recebe as uvas dos agricultores. Tem agricultor que apenas fornece uvas para a indústria do vinho ou as manda para uma vinícola que produza os rótulos de sua marca. Há vários outros tipos de arranjos. Caso da Vinícola Urbana, que cultiva as próprias uvas, também as compra de outras propriedades e faz vinhos com elas longe do campo.

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Vinícola Lacustre: Brasília vista de outro ângulo. Foto: Divulgação

Agora imagine vinícola e vinhedos juntos numa grande cidade. Existe e fica em Brasília. O Vinhedo Lacustre, dirigido pelo enólogo Carlos Sanabria, consegue essa proeza. Em proporções diminutas, mas consegue. Fica a 10 minutos de carro do centro, no Lago Norte, e dali se pode ter uma bela visão da cidade projetada por Niemeyer e do Memorial JK nos acenando ao longe.

Para quem nunca foi a Brasília ou passa por lá na correria política e profissional, é bom lembrar que a cidade não é toda plana como se propaga. Ela é mais altinha por aquelas bandas, onde o Lacustre tem um mirante para encontros ao pôr-do -sol e um bistrô cheio de delícias. Tudo harmoniza com os vinhos de Syrah, Merlot ou Cabernet Sauvignon (além de uma linha experimental de pét-nats) produzidos ali. Programinha bem legal de se fazer na próxima visita à capital do país.

Porto Alegre também surfa na onda das vinícolas urbanas

Vinícolas urbanas (sem vinhedos) pipocam em outras cidades brasileiras. Porto Alegre tem a Ruiz Gastaldo, no pacato bairro de Chácara das Pedras. A casa recebe uvas de várias regiões do Rio Grande do Sul e vinifica Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Cabernet Franc, Nebbiolo, Tannat, Teroldego, Traminer e outras variedades mais ou menos conhecidas. 

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Ruiz Gastaldo: vinificação em Porto Alegre. Foto: Divulgação

Para a coisa funcionar, as uvas devem viajar em caminhões refrigerados até a cidade. Caso contrário, podem começar o processo de fermentação durante a viagem e desandar a receita. Quem garante que dá certo é o enólogo argentino Adolfo Lona, um dos nomes fundadores do espumante brasileiro de qualidade. Lona transferiu parte de sua produção para a capital gaúcha, a fim de ficar mais tempo perto da família. Sem querer, surfou na tendência.

São Paulo tem mais uma microvinícola, a Alma Gêmea, na Vila Sônia, que prepara sua transição para Cunha. Outro endereço conhecido como vinícola é a Lucano, na paulistana Penha. Ali, no entanto, apenas descansam, em barris ou tanques de aço, vinhos produzidos no Rio Grande do Sul. O patriarca da família, Leonardo Lence, chegou a plantar e vinificar uvas Moscato no quintal e no porão da casa, construção que perdeu o status de vinícola, no duro, quando seus descendentes decidiram profissionalizar a produção no sul. De uma forma ou de outra, é prova de que a cidade sempre teve potencial para fazer vinho.

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