Você já ouviu falar de pét-nat?

O espumante feito por um método ancestral, com apenas uma fermentação, é a nova sensação entre os amantes dos vinhos naturais. Saiba por que ele vale o brinde.


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Foto: Divulgação / Cantina Mincarone



Eles são borbulhantes, leves, secos, refrescantes. Caem bem na tarde de sol, têm uma cara de piquenique que só vendo e se encaixam perfeitamente naquele momento em que se quer uma bebida descomplicada, mas com personalidade. Talvez pareçam esquisitões para algumas pessoas. Deliciosos para outras.

Os pet-náts já estão nas bocas de quem conhece, bebe e celebra os vinhos naturais. Com mais gente entrando na onda de consumo consciente, buscando produtos orgânicos e limpos de química e com vários pequenos vinhateiros lançando esse tipo de espumante no Brasil, não tem sido difícil convencer quem é novo na jogada a prová-los. “Em sábados de calor, abrimos garrafas de pét-nats para vender em taças e acaba tudo rapidinho”, diz o sommelier Luis Motta, do Clos Wine Bar e Bistrô, em São Paulo, que conta com rótulos brasileiros, chilenos, italianos e franceses. Com uma acidez inesperada, eles trazem muita expressão de fruta fresca na boca. Podem ser límpidos como os espumantes tradicionais ou, para quem não se incomoda com isso, turvos pela presença das borras que sobram do processo de fermentação.

Mas de onde eles vêm, como nascem, vivem e se reproduzem? O que são esses espumantes e o que têm de diferente dos outros? A expressão pét-nat (redução carinhosa de pétillant naturel, ou seja, borbulhoso natural) foi cunhada por produtores naturebas do Vale do Loire, França, no final dos anos 1990. No começo do milênio, os pét-nats explodiram entre bebedores trendy dos Estados Unidos e levaram várias vinícolas independentes de lá a adotar a mesma técnica de produção, hoje conhecida como método ancestral. Só que a história é mais antiga do que pretende nos fazer crer o marketing de colocar novo nome em coisas que já existem (tipo co-living e rooftop).

O método tradicional (nascido em Champagne, no século 17) e o método charmat, os dois modos mais difundidos de fazer vinhos espumantes, exigem uma segunda fermentação, conseguida com adição de mais açúcar ao líquido. Já no chamado método ancestral usado para o pét-nat, descrito na França pela primeira vez em 1531, basta uma fermentação. Uma vez iniciado o banquete das leveduras no mosto de uvas maceradas, comilança que produz álcool e gás carbônico, em dado momento o vinho é aprisionado nas garrafas e as bolhas seguem sendo fabricadas ali dentro. Está aí a diferença fundamental.

A coisa, acreditam historiadores etílicos, provavelmente aconteceu sem querer. Vinhos engarrafados como tranquilos (isto é, sem bolhas) continuavam a fermentar na garrafa e o gás carbônico seguia sendo produzido pela sanha das leveduras ali dentro. Quando o sujeito ia provar, pow-pluft, acabava “libertando” um espumante com o qual não havia contado. Uma pegadinha das leveduras. “Nos lugares de clima frio, a fermentação é interrompida no inverno, mas volta a acontecer quando as leveduras despertam no calorzinho da primavera, com aquela fome danada. Imagine que você esteja comendo e depois durma por muito tempo. Aí acorda, encontra a mesa ainda cheia de delícias e começa a comer tudo de novo, loucamente. Deve ser mais ou menos essa a sensação”, ilustra a sommelière Lis Cereja, proprietária da Enoteca Saint VinSaint.

Brasil ancestral

Eduardo Zenker, vinhateiro natural e experimental da Arte da Vinha, conta que essa antiguidade espumosa também teve vez no Brasil do século 20. O irmão marista Pacômio (tem sempre um clérigo nessas jogadas) trouxe da França para Garibaldi (RS) o modo de fazer espumantes de uma só fermentação em 1904. “Em Garibaldi, onde morei há algum tempo, sempre houve a tradição de se fazer espumantes ancestrais em casa, método que uso há 15 anos”, diz.

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Rótulo de pét-nat da Arte da Vinha, vinícola em Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul.Foto: Divulgação

O trabalho pode parecer simples, se comparado ao processo de duas fermentações, mais longo e que gera vinhos mais complexos. Mas não menos laborioso. Se o produtor de pét-nat não souber o momento exato de aprisionar o vinho, garrafas podem estourar na adega. Se deixar passar a hora boa, acaba com um espumante chocho, sem muita carbonatação. “É preciso medir a pressão do vinho e a densidade de açúcar no líquido até o momento de engarrafar. Às vezes, isso acontece no meio da madrugada. Já viramos a noite envasando pét-nats. É um parto naural”, diz Sara Valar, que produz vinhos ao lado da sócia Vívian Vitorelli, na Casa Viccas, em Serafina Corrêa (RS).

Como reza a cartilha da produção natural de vinhos, espumantes ou tranquilos, não são adicionadas leveduras selecionadas, compradas em pacotinho como fermento de pão. Apenas as chamadas leveduras selvagens, presentes nas frutas, agem na fermentação. Também não entram enzimas, nutrientes, taninos, colas ou outras substâncias normalmente presentes nos vinhos industriais. É a filosofia de mínima intervenção, que também deve ao máximo evitar o uso de sulfito como conservante. “Avalio se preciso ou não empregar sulfito, mas sua adição é sempre criteriosa e nunca a regra”, diz Zenker.

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Produção da Casa Viccas: “Já viramos a noite envasando pét-nats. É um parto naural”, diz Sara Valar, sócia da vinícola.Foto: Divulgação

Além de buscar um produto mais saudável, viajar pelos pét-nats (e pelos vinhos naturais em geral) traz outras surpresas. Vinhateiros naturebas gostam de experimentar com uvas diferentonas, você não vai encontrar só as de sempre: Merlot, Cabernet, Malbec, Sauvignon Blanc, Chardonnay etc. A produção artesanal também traz imprevistos que, dependendo do ponto de vista, podem ser tomados como virtudes. O pét-nat da safra deste ano pode ser bem diferente daquele que você bebeu no ano passado, simplesmente porque na produção artesanal (todo vinho, naturalmente, deveria ser assim) é quase impossível manter o padrãozinho para que a bebida tenha eternamente a mesma cara. Para complicar um pouquinho a vida de quem busca regularidade, é comum os produtores trocarem as uvas ou suas proporções de um lote para outro, ao sabor do que encontram de melhor em cada safra.

Outra surpresa, para quem está acostumado a vinhos límpidos, é a turbidez da bebida, caso o produtor opte por não fazer a degola das leveduras. Ou seja, ele deixa numa boa, dentro da garrafa, o que sobrou da fermentação (são as leveduras mortas, mas não se espante, elas não vão te matar). Com essa proposta, o uruguaio Proyecto Nakkal apresenta pét-nats incrivelmente nebulosos. “É uma forma de levar o que acontece dentro da vinícola, durante a safra, para dentro da garrafa. É o que pode haver de mais próximo a degustar um vinho em fermentação, de entrar em contato com a essência da transformação do suco em vinho”, diz o enólogo Santiago Degásperi, do Nakkal.

Caso tenha nojinho das leveduras, a dica é deixar os pét-nats turvos de pé antes de beber, para que os sendimentos se depositem no fundo. Outro cuidado, antes de abrir uma garrafa de pét-nat, é resfriá-la a 5 °C graus, para evitar erupções e perder parte do líquido. Mantenha uma taça ou uma jarra embaixo da garrafa, para represar o vinho caso aconteça um momento vulcânico em casa. Por fim, pét-nats são vinhos jovens, precisam ser bebidos frescos, a graça deles é essa. Resista à ideia de guardá-los para uma ocasião especial, mesmo porque vinhos naturais leves e sem sulfito têm tempo de validade mais breve. A hora é essa. Abra e seja feliz, que a fila é grande e anda rápido.

O QUE BEBER

DO BRASIL

Arte da Vinha – A vinícola de Eduardo Zenker e Gabriela Schäfer, sediada em Carlos Barbosa (RS), já funcionou numa garagem e hoje trabalha com uvas de seus próprios vinhedos ou frutas selecionadas de produtores orgânicos do Rio Grande do Sul. Na seção de borbulhas, tem como carro-chefe a linha de pét-nats Elements. Este ano, chegam ao mercado Water (Chardonnay e Chenin Blanc, muito mineral e fresco), Air (Malvasia e Sauvignon Blanc, mais discreto, com destaque para os aromas florais), Earth (Pinot Noir, frutado e terroso, ótima escolha de espumante tinto) e Fire (Gamay, com um quê picante).

Cantina Mincarone – A Mincarone, conhecida como Minca pelos íntimos, tem um projeto de vinificação bem rock’n’roll, a começar pelo rótulo Tatuíra, xará da banda de surf music do vinhateiro Caio Mincarone. No passado, Tatuíra foi um blend das uvas italianas Ribbolla Gialla, Trebbiano e Malvasia, mas sua versão 2021 vem apenas com Malvasia colhida em Urubici (SC), garantindo um resultado de acidez bem boa e refrescante. Outra experiência interessante da Minca são superblends de uvas com o que a cantina encontra de melhor na produção catarinense. O 7 Castas 2021 vem com Chardonnay, Pinot Noir, Barbera, Moscato Bianco, Riesling Itálico, Cabernet Franc e Gamay. Pét-nats e outros vinhos da casa podem vir em edições especiais e limitadíssimas de garrafas pintadas à mão pelo próprio Caio.

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A Cantina Mincarone produz edições especiais de pét-nats com garrafas pintadas àFoto: Divulgação

Casa Viccas – A jovem vinícola criada por Vívian Vitorelli e Sara Valar, em Serafina Corrêa (RS), está na sua terceira rodada de pét-nats. Algumas uvas são colhidas na propriedade da família de Sara e outras são compradas de produtores da região. Uma das características do projeto é não ter medo de investir em uvas de mesa, aquelas que comemos (como a Niágara), um sacrilégio para enófilos tradicionais. “O preconceito vem de quem bebeu vinho de garrafão mal feito. Quando bem trabalhadas, uvas de mesa podem ser surpreendentes”, pontua Vívian. Em 2021, elas saem com seis pét-nats, quatro deles já no mercado. Um tinto de Pinot Noir, um rosé de Merlot, outro rosé de uvas Isabel e Glera e um branco de Glera (a uva tradicional dos proseccos italianos) vêm na frente. Em breve, outros dois rótulos: um elaborado exclusivamente com a uva Isabel e outro que blenda as variedades Niágara e Glera.

Faccin – Ao assumir a vinícola da família, fundada em 1936, em Monte Belo do Sul (RS), Bruno Faccin apostou todas as fichas na agricultura orgânica e na vinificação natural, sem adição de sulfitos como conservantes. Apagão é um de seus célebres pét-nats, alquimia alaranjada e bastante perfumosa das uvas Malvasia Bianca, Riesling Itálico, Chardonnay, Peverella e Merlot, todas cultivadas em vinhedos próprios. O branco Patinete, que brinca com um jeito maroto de se referir ao pét-nat, é feito apenas com Malvasia Bianca. Foi eleito o melhor espumante de método ancestral brasileiro em alguns concursos e rankings.

Outros rótulos – Da Morada Cia.Etílica, de Curitiba (PR), vale a pena provar os elegantes espumantes Eu Borbulho, elaborados pelo método ancestral, o branco de Chardonnay e o rosé de Merlot, ambos feitos na parceira Vinícola Franco Italiano, sob a supervisão dos mestres em fermentação Fernanda Lazzari e André Junqueira. A Vivente Vinhos Vivos, de Colina (RS), com vinhedos próprios de cultura biodinâmica, também é famosa pela produção de pét-nats e mantém em linha os rótulos Pét-Nat Chardonnay/Pinot Noir (rosé) e Pét-Nat Chardonnay/Pinot Noir (branco), ambos fresquíssimos.

DO EXTERIOR

O vizinho Proyecto Nakkal, do Uruguai, leva à risca a cartilha não intervencionista, com uvas orgânicas colhidas manualmente e pisadas à moda antiga, uso de leveduras selvagens e abolição radical de componentes industriais na bebida. O projeto dos enólogos Santiago Degásperi, Nicolás Monforte e Bruno Bresesti apresenta em 2021 a série de pét-nats Simple nas versões Blanco (Moscato Ottonel), Naranjo (Moscato Ottonel e Viognier) e Rosé (Tannat). No Brasil, ainda há exemplares da safra anterior (importação da Marvin), com composições diferentes, o Blanco de Ugni Blanc e o Naranjo de Sauvignon Blanc. Nenhum deles passa por degola, portanto, prepare-se para uma experiência roots, “de preferência numa tarde de primavera”, recomenda Santiago.

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Nos rótulos do Projeycto Nakkal, a presença das leveduras deixa a bebida turva.Foto: Divulgação

Do portfólio da importadora Vinhomix, talvez o rótulo mais interessante para quem quer mergulhar na ancestralidade seja o espumante feito pelo método ancestral Renadart e Fache Bugey Cerdon Rosé, desde o final da Segunda Guerra Mundial. A vinícola familiar elabora apenas este rótulo rosado de fermentação única das uvas Gamay e Poulsard, um vinho para presentear e impressionar. Da Itália vêm os Furlani Bianco Alpino (Nosiola, Verde Erbara e Lagarino, com uma acidez que faz a boca salivar e pedir comida) e o Furlani Bianco Macerato (Müller-Thurgau e Gewürztraminer). Do Chile, o Terroir Sonoro El Impostor (Cinsault, uma delícia tinta com toque balsâmico que vai agradar os fãs de cervejas complexas).

A importadora Wines4U traz da Austrália rótulos da Deliquente Wine & Co., como o rosado Weeping Juan (Vermentino e Lagrein) e o branco Tuff Nutt (com a incomum uva italiana Bianco d’Alessano). Com a presença das borras, também garantem uma experiência radical no universo pét-nat. Não bastasse a boa viagem sensorial no nariz e na boca, os rótulos marotos dos delinquentes já são capazes de levar alegria à festa.

Na Enoteca Saint VinSaint, além de vários vinhos brazucas e importados citados aqui, você encontra outros rótulos. Da Espanha, o branco Nuria Renom La Maca Beu (Macabeu e Moscatel). Da França, o branco Domaine Barouillet Splash (Sémillon). Da Alemanha, o rosé D.B. Schmitt Frei Körper Kultur Fizz (Portugieser e Domfelder). Da Itália, o tinto Case Bianche Pahká (Aglianico e Barbera).

CONTATINHOS

Beba Bem em Casa – projeto da sommelière Patricia Brentzel, que trabalha com rótulos de Arte da Vinha, Cantina Mincarone, Casa Viccas, Faccin e Proyecto Nakkal, entre outros produtores. Envia para todo o Brasil e entrega rapidamente na Grande São Paulo. Vendas pelo Whatsapp (11) 98307-5271.

Enoteca Saint VinSaint – Bistrô e loja de vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos de Lis Cereja. Você pode encomendar ou bebê-los lá, harmonizando com comidas sazonais e geniais. Envia para todo o Brasil e faz delivery em SP.

Maniacs – loja virtual para comprar os rótulos da Morada Cia. Etílica. Se quiser fugir dos vinhos, as cervejas da Morada são obras de arte.

Vinhomix – importadora de vinhos naturais que também tem seu próprio bar, o Clos Wine Bar e Bistrô, em São Paulo. Lá é possível pedir pét-nats e outros vinhos em taça, com sugestões dos sommeliers Luis Motta, Elisa Fernandes e Gustavo Fernando.

Vivente – o site da vinícola vende kits de pét-nats e vinhos tranquilos (sem bolhas), que também podem ser adquiridos individualmente em São Paulo no delivery do Empório Alto dos Pinheiros, com entrega rapidona.

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Rótulos da Vivente estão disponíveis no site da vinícola e no delivery do Empório Alto dos Pinheiros.Foto: Divulgação

Wines4U – importadora dos australianos da Delinquente Wines & Co. e de tantas outras vinícolas naturebas, artesanais, orgânicas e biodinâmicas mundo afora.

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