Cinco pontos para entender o desfile da Balenciaga em NY
Demna Gvasalia levou cruise da marca ao centro do capitalismo, a bolsa de valores de Nova York, para expandir repertório de peças que questionam desigualdade.
Há uma máxima de que o dinheiro não tem cheiro. Numa nova abordagem sobre os limites do status e de quem paga caro por ele, a Balenciaga subverteu o ditado no desfile que levou ao coração do capitalismo, a bolsa de valores de Nova York, neste domingo (22.05), após quase 20 anos sem apresentar uma coleção nos Estados Unidos.
Nos looks de primavera 2023, como foi identificado o cruise da marca, o estilista Demna Gvasalia afirmou com todas as linhas que, para a moda, hoje o dinheiro não tem mais rosto, nem corpo, nem cor. Conserva, porém, o cheiro da desigualdade, expresso nas notas falsas de cem dólares convertidas em convite impregnado com a essência da perfumista norueguesa Sissel Tolaas, criadora de uma fragrância peculiar que simula a do papel moeda e usada pela grife no desfile de primavera-verão 2020.
Conheça os cinco pontos-chave para ler o novo capítulo redigido pelo estilista em seu dicionário estético, repleto de ironias sobre quem consome luxo nos dias de hoje –e, desta vez, ele nem precisou detonar nada para deixar suas motivações bem claras.
Balenciaga NYC Show Spring 23 Collection
Desfile Primavera 2023 da Balenciaga, desfilado na bolsa de valores de Nova York.
GARRAS INVISÍVEIS
A coleção foi ambientada no pregão, onde o dinheiro é invisível, escondido no vaivém de gráficos e no sobe desce das ações, mas que está escancarado nos efeitos, esses bem notórios, de suas unhas pregadas nas pessoas. Não à toa, os modelos usavam luvas cujas pontas simulavam garras, vistas como extremidades dos primeiros looks de borracha que serviam de segunda pele.
O material era um aviso de que por debaixo da aparente elegância, esses operadores do destino alheio guardam um fetiche, quase sexual, pelo trabalho de definir em quem o capital repousa a mão direita macia e, com a esquerda, solapam a cara.
Os rostos, aliás, foram cobertos com balaclavas que impediam o espectador reconhecer gênero, origem e humor dessas pessoas, muitos delas, vale lembrar, clientes da indústria do luxo a que a Balenciaga serve.
Ao fundo, nos telões, apareceram os logos de empresas listadas na NYSE (New York Stock Exchange), como The Walt Disney Company, Visa, Pfizer e Twitter, quatro das mais relevantes no entorno da máquina fashion e do mundo pandêmico.
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NOVOS YUPPIES
Quando os primeiros modelos cruzaram a passarela, Gvasalia mostrou suas intenções. O uniforme dos yuppies, a tribo de jovens abastados que almejava o sucesso entre as paredes de Wall Street nos 1980, foi revisto pelo designer com um remix da alfaiataria daquele tempo.
Os ternos de abotoamento duplo, as saias lápis combinadas a blusas com laço “pussy bowl”, os trech coats e as bolsas a tiracolo foram detalhadamente costurados dentro dos códigos da Balenciaga segundo o estilista georgiano.
As mangas que ultrapassam os punhos, os ombros arredondados e uma silhueta alongada presa a “chockers” dourados, conferiam à imagem da coleção o perfume contemporâneo trazido por Gvasalia ao repertório classicista –e classista– da grife espanhola.
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LOBOS EM PELE DE CROCODILO (E PÉS DE PATO)
Demna prefere jogar com as texturas em vez de repensar o uniforme de trabalho em cores, estampas ou tecidos tecnológicos, como fazia seu antecessor, Nicolas Ghesquière.
O brilho pontual do couro envernizado, o uso comedido dos cristais para a noite e o contraste de luz que cada matéria-prima tingida de preto reflete, foram as ferramentas usadas para vestir os novos lobos incógnitos. Que têm pele de crocodilo. Algumas propostas levam o efeito craquelado da carcaça desse animal, fetiche de quem pode pagar centenas de milhares de dólares por um acessório feito com a pele.
Nos pés, o estilista aplicou uma releitura bem-humorada das duck boots, as botas pesadas com ponta arredonda que eram emblema da juventude yuppie e, na década passada, foram reinterpretadas pela Yeezy, do rapper Kanye West. Aliás, ele era um dos convidados de honra do desfile, assim como o rapper Pharrell Williams, o que nos leva ao ponto de virada do desfile.
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O ESTILO QUE NASCEU DA DESIGUALDADE
Enquanto a elite branca de Wall Street criava suas regras de estilo, emergia nas arestas de Manhattan o que entendemos hoje como streetwear. A editora especial de ELLE, Vivian Whiteman, explicou aqui, ainda em dezembro, os meandros dessa história que nasceu da desigualdade e da invisibilidade reservada aos estratos à margem da máquina financeira.
Demna resgata essas origens, numa parceria com a alemã Adidas, ao fundir a roupa de trabalho aos moletons, às três listras que identificam a marca e ao viés esportivo cujo guarda-roupa, no final dos 1970, a população negra americana passou a usar como signo de distinção.
O estilista coloca lado a lado essas referências, casando os uniformes yuppie e street numa imagem de moda sedutora para as novas gerações –que já aliam esses conjuntos, ditos casuais, aos de labuta.
As peças conversam não só com as roupas levadas ao mainstream pelo hip hop, mas também com o armário dos jogadores de futebol, donos de algumas das carteiras mais importantes para essa indústria. Os uniformes de campo ganham versão luxuosa, ampliada, com direito a brasão desse time Balenciaga.
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VEJA AGORA, COMPRE AGORA
O ponto final da história, não poderia deixar de ser, é o próprio mercado. Assim que o último look cruzou a passarela incomum, as primeiras peças da parceria com a linha Adidas Originals foram imediatamente colocadas à venda.
Chama a atenção o fato de o trevo que é símbolo da marca alemã ter servido de logo para o nome da marca espanhola, potencializando o desejo de Gvasalia em quebrar de vez as regras que definiam o tipo de moda vendida no passado para alguns e não para outros.
O único traço inquebrável, invisível na passarela e que é ponto de partida deste cruise, é exatamente o dinheiro. A cápsula compreende itens que chegam a custar US$ 5.500 e ficará disponível só até o próximo domingo no site da Balenciaga.
A urgência em possuir aquilo que é limitado, algo bem característico do sistema da moda atual, foi a última cartada de Demna para desnudar o discurso implícito neste que é mais um dos manifestos seminais para entender a sua tesoura.
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