Os principais destaques dos desfiles de inverno 2021 de Milão

Tudo o que você precisa saber, as principais tendências e melhores coleções da temporada de moda italiana.


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Valentino Fotos: Divulgação



Começou na última quarta-feira, 24.03, a edição de inverno 2021 da semana de moda de Milão. Esta é a segunda temporada em formato quase 100% digital e a terceira na pandemia. Foi durante os desfiles de inverno 2020, em fevereiro passado, que os contágios por Covid-19 explodiram na Europa. Desde então, toda a indústria foi obrigada a se readequar por completo.

O trabalho ficou mais complicado: inicialmente remoto, depois de acordo com as normas sanitárias e de distanciamento social. O fornecimento de todo tipo de material foi severamente impactado com a interrupção de vendas e a queda na demanda. As apresentações virtuais ainda encontram desafios para engajar público, consumidores e a imprensa especializada. Com isso, segundo dados da Camera Nazionale della Moda Italiana, o retorno financeiro das empresas de moda locais caiu 25% em 2020, totalizando uma perda de US$ 61.4 bilhões.

Ante um cenário pouco animador, alguns nomes importantes decidiram desfilar de forma independente e fora do calendário oficial. A Versace, por exemplo, fará um evento virtual no dia 5 de março. Bottega Veneta e Gucci, ainda sem datas confirmadas, devem se apresentar nos próximos meses, em timing mais sincronizado com a chegada das roupas às lojas.

Entre os remanescentes, temos a terceira coleção da Prada com direção criativa conjunta entre Miuccia e Raf Simon, a estreia do prêt-à-porter de Kim Jones, na Fendi, o retorno de Valentino à semana de moda de Milão, além de Dolce & Gabbana, Marni, Salvatore Ferragamo e Moschino.

Veja abaixo, os principais destaques da fashion week:

Fendi

A estreia de Kim Jones como diretor de criação na Fendi aconteceu em janeiro passado, durante as apresentações de alta-costura. O desfile, com nomes estrelados no casting (Demi Moore, Kate e Lila Moss, Bella Hadid, Adwoa Aboah, Christy Turlington, Cara Delevingne e Naomi Campbell) dividiu opiniões. Aqui na ELLE, encaramos a coleção como uma introdução para capítulos futuros.

Com referências bastante pessoais, era como se Jones estivesse se apresentando, revelando facetas pouco conhecidas ou vistas anteriormente na sua extinta marca homônima ou no masculino da Dior, onde também atua como diretor criativo. No inverno 2021 de prêt-à-porter, quem se apresenta é a Fendi, junto de suas fundadoras, herdeiras e da cidade onde a etiqueta foi construída.

O desfile pode ser interpretado como a visão do britânico sobre tudo isso. O cenário é quase igual ao que vimos em janeiro, com as vitrines de vidro na forma da letra F. Dentro delas, agora, encontram-se colunas, bustos e partes de estátuas romanas. Foi na capital italiana, em 1926, que Adele e Eduardo Fendi fundaram a grife. Da cidade, vêm também alguns pontos importantes da coleção, como a cartela de beges, brancos, off-whites, rosas, cinzas e preto. Mais importante, porém, é o diálogo entre passado, presente e futuro.

Um dos principais pontapés criativos foi uma foto das cinco irmãs Fendi: Paola, Anna, Franca, Carla e Alda. Seus looks servem de base para peças como o casaco de que abre o desfile (as peles foram reaproveitadas de peças antigas), as mangas-sino de algumas jaquetas e as texturas e padronagens listradas. Foi sob o comando delas que Karl Lagerfeld foi contratado como diretor de criação, em 1965. Do estilista alemão, Jones aproveitou silhuetas de desenhos nunca realizados e, principalmente, o F do famoso “Fun Fur”, que, agora, informa o shape de saltos, alças e fechos de bolsas (estas já com alto potencial de sucesso).

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As maiores inspirações, contudo, estão bem presentes na empresa e na vida do estilista: Silvia Venturini, herdeira de todo o negócio, e sua filha Delfina Delettrez, atualmente no comando das joias da marca. “Estou olhando para essas mulheres fortes e incríveis que conheço e com quem trabalho e escutando suas necessidades”, diz Jones. “Tem uma utilidade chic e atemporal nesta coleção”, continua ele, sobre a influência do guarda-roupa das duas.

Se o desfile de alta-costura se mostrou indiferente à realidade, o de prêt-à-porter é totalmente focado em roupas que fazem sentido para o aqui e agora. Tailleurs em tons neutros, vestidos-camisola acetinados, conjuntinhos de top crop e saia midi de tricô e combinações de pijamas soltinhos com cardigans oversized, num mix de tecidos brilhantes, opacos e texturizados. Quem reclamou que havia pouco do estilista britânico na sua estreia, agora não tem do que reclamar. Os grandes destaques da coleção são as jaquetas, casacos e blazers – ponto forte e predileto de Jones em sua carreira.

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Nada aqui é exatamente clássico tampouco nostálgico. Ao mesmo tempo, não dá para dizer que são roupas modernas ou visionárias. São um reflexo bem respeitoso e interessante sobre o que já foi, o que é e o que pode ser.

Prada

Vai fazer um ano que Raf Simons foi anunciado codiretor criativo da Prada. O comunicado ocorreu pouco depois de entrarmos em quarentena, meio sem saber o que seria da gente e do mundo dali para frente. Ficamos perdidos em relação a tudo, inclusive sobre o que colocar no corpo e como nos apresentar para nós mesmos, já que para os outros não era possível. Do outro lado, quem costumeiramente nos mostrava novas formas de vestir também saiu do prumo. A ausência de convívio social, de interação e das vivências mais banais e cotidianas bagunçou valendo as ideias de geral.

Miuccia Prada e Raf Simons sempre traduziram em roupas o que acontecia no mundo à sua volta. De repente, esse mundo entrou em colapso, ficou contagioso, com risco de vida. Daí que a primeira coleção co-assinada por ambos, em setembro de 2020, foi hermética, quase laboratorial em todos os sentidos. Tudo parecia calculado, considerado, pensado meticulosamente. Meses depois, já mais informados e ambientados à vida pandêmica, a dupla permitiu as emoções se manifestarem no inverno 2021 masculino. Elas se apresentaram de maneira bem freudiana, quase sempre em relação a uma tal ingenuidade e liberdade infantil ou impúbere.

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Nesta quinta-feira, 25.02, essas emoções se despegaram da nostalgia e se conformaram com o presente (ou quase). No mesmo cenário sensorial desenhado por Rem Koolhaas para a coleção masculina, vimos os desejos por uma roupa brilhante, elaborada e sofisticada se adaptar ao que tá tendo. O look de trabalho, por exemplo, aparece como uma alfaiataria levemente exagerada nas formas, sobrepostas a blusas de lã em tons pastel e segundas peles estampadas. O look de festa, tipo um vestido ou macacão preto de seda, vem com recortes de tricô na gola, decote e mangas, como se tivesse entrado em colisão com o suéter feito pela sua avó. O casaco felpudo é dupla-face, com a mesma padronagem do body ou legging ou então revestido de maxipaetês – a metáfora perfeita para proteção do brilho interno.

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Desde a estreia da dupla, Miuccia e Raf vem aperfeiçoando sua narrativa e estética. Pradismos e Rafismos parecem cada vez mais em sintonia. Tem bota plataforma com estampa psicodélica em uníssono com bolsa de pegada vintage, bem italianinha. As apresentações também seguem em evolução consistente (e com direito a conversas cada vez mais imersivas e interessantes após os desfiles). São exemplos positivos de como transportar o desfile tal qual conhecíamos para o ambiente digital. Porém, o maior sucesso se deve a algo mais simples: a proximidade com os desejos e sentimentos de muitos de nós em tempos tão peculiares. Mais do que isso até, na forma como roupas aparentemente familiares, que reconhecemos facilmente, se conectam a essas vontades de modo bastante plausível.

Marni

Quem nunca fez vestidos com toalhas de banho ou transformou cobertores, lençóis e edredons em modelos da alta-costura doméstica? Na pandemia de Covid-19, a brincadeira deixou de ser tão lúdica para assumir ares de exercício criativo antiloucura e pró-esperança.

Para o inverno 2021 da Marni, o diretor de criação Francesco Risso quis traduzir em roupas um pouco da sensação de ficar tanto tempo dentro de casa. Como muitos de seus colegas, o estilista também se pegou pensando sobre o impacto da ausência de convívio social em nossas relações com as pessoas e com o que colocamos no corpo. Começou com um incômodo com a obrigatoriedade – e certa obsessão – por tudo digital. Ou, pelo menos, da falta de pessoalidade desses formatos. Depois, vieram as roupas em si. Aquela coisa, né? Mais moletom, mais basiquinhos, mais jeans, mais camiseta? Ninguém aguenta mais. Ao mesmo tempo, qual é a outra opção viável, não-negacionista ou 100% utópica?

Segundo Risso, é tudo aquilo que já conhecemos só que trabalhado com formas e silhuetas clássicas da alta-costura. Por exemplo, a jaqueta de náilon (o doudoune), pode funcionar como uma pelerine, um mantô e até saia sereia. Essa mesma modelagem, mais justa no quadril e solta abaixo do joelho, funciona para calças de moletom, enquanto a malha de algodão serve para fazer uma alfaiataria bem confortável. Até o tênis é ressignificado com um bico fino à la scarpin.

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Nem tudo funciona, como o último exemplo. Muitas interpretações lembram demais as reedições irônicas e bem-humoradas sobre a moda de luxo, bastante popular no streetwear dos anos 2000 (principalmente até o 11 de setembro). Mais interessantes são quando formas, texturas e tingimentos dão cara nova à tendência DIY e, mais ainda, a do tie dye. Algumas dessas estampas (se é que podemos chamá-las assim), foram conseguidas após horas e dias de tingimento e secagem, muitas vezes com materiais orgânicas envolvidos, como folhas e flores.

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E as referências à alta-costura não param por aí. Em vez de um filme fashion, o estilista armou uma espécie de apresentação à moda antiga, com as modelos caminhando pelo corredor de seu apartamento, em Milão, e um bate-papo por Zoom. Uma versão atualizada e virtual do que acontecia nos salões de couture de Paris na primeira metade do século 20.

Salvatore Ferragamo

Em entrevista à ELLE, Paul Andrew, diretor de criação da Salvatore Ferragamo, revelou que passou boa parte dos meses de quarentena assistindo filmes de Alfred Hitchcock. A conexão da marca com o universo de Hollywood pareceu uma conexão natural e bem-vinda e o verão 2021 da casa italiana foi bastante influenciado pela estética do cinema estadunidense. Isso foi em 2020, mas, agora, para o inverno 2021, o mood cinematográfico continua em pauta, porém sob estética sci-fi.

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No caminho oposto do vídeo-campanha dirigido por Luca Guadagnino, na estação passada, Andrew assume controle absoluto e mira no futuro. “Na moda, o passado exerce uma gravidade – somos sempre atraídos por ele. Quis inverter a lógica”, diz, em comunicado oficial. “Esta coleção propõe novos uniformes para um futuro utópico em que diversidade e positividade se combinam para transformar nosso mundo para melhor.” Daí as referências aos filmes Guerra Nas Estrelas, Blade Runner, Metropolis e Gattaca.

Salvatore Ferragamo em si, sempre foi chegado à revoluções e rupturas de estilo – a plataforma com sola de arco-íris que criou para Judy Garland, em 1938, é um ótimo exemplo. Porém, desde sua morte, em 1960, a marca assumiu uma postura mais clássica. Paul Andrew, por outro lado, tem nas linhas retas do modernismo uma de suas principais inspirações. Não fosse sua paixão por cores, poderia ser chamado de minimalista. Contudo, nem mesmo seu olhar contemporâneo parece capaz de reerguer um negócio há anos em crise de identidade.

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Lembrar disso é importante para entender a mudança no visual proposto por Andrew na coleção de inverno 2021. A pandemia deixou tudo ainda mais delicado, resultando numa queda de 33% (para €916 milhões) nas vendas da marca no ano passado, segundo dados do jornal Financial Times. Em tempos caóticos, buscar um público mais jovem ou se alinhar aos seus valores pode ser uma possível solução.

A estética sci-fi, contudo, imprime uma visão nostálgica e ficcional demais sobre o futuro. Os looks pautados por linhas retas, shape utilitário, quase militar, parecem mais figurinos do que roupas possíveis para o agora. É bem diferente da alfaiataria em couro, com shape relaxado e complementada por algumas peças com influências esportivas e shapes levemente soltos. Ou dos conjuntos de top e saia de tricô ou dos vestidos plissados e estampados – um respiro natural em meio à estética científica, asséptica demais para tempos em que desejamos conforto e toque.

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Mais do que a aparência, são os processos e conexões estabelecidas a partir deles que configuram novidades em todos os sentidos. Saber que boa parte da coleção foi feita a partir da reciclagem de materiais já existentes ou por meio de upcycling de peças ou sobras do ateliê, desenha um futuro mais possível e desejável, do que qualquer cenário com carros voadores.

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Valentino

Apesar de nascida em Roma, a Valentino costumava apresentar suas coleções na fashion week de Paris. Isso mudou em setembro de 2020 devido à Covid-19 e também como maneira de mostrar apoio à indústria da moda italiana, severamente impactada pelos efeitos da pandemia. Acontece que a própria etiqueta não estava imune ao baque. No ano passado, a grife registrou uma redução de 27% nas vendas, para um total de €882 milhões de euros.

Sei que o economês é chato, mas ele é importante para analisarmos o que Pierpaolo Piccioli, diretor de criação da maison, apresentou na manhã desta segunda-feira, 01.03, em Milão. O desfile foi transmitido ao vivo do Piccolo Teatro, locação com valor histórico simbólico pelo progressismo político e cultural que marcou sua inauguração, em 1947. A trilha ficou por conta da cantora Cosima e uma pequena orquestra. Até aí tudo certo e bem nos conformes teatrais que acompanharam as coleções mais recentes. Até chegarmos nas roupas.

O inverno 2021 da Valentino não propõe grandes gestos em termos de silhuetas dramáticas, trabalhos manuais exuberantes, suntuosidades nem cabelões à la Dalida. O flerte com a alta-costura fica no passado e, agora, entram em cena camisas oversized (quase vestidos), maxipulls de tricô, saias pregueadas ou plissadas tipo colegial – curtíssimas –, blazers com corte geométrico, afastado do corpo, e calças com barras encurtadas. A alfaiataria, aliás, assume protagonismo, enquanto aqueles vestidos “de contos de fadas”, transparentes, esvoaçantes e delicados, ficam em segundo plano. Nos acessórios, scparins clássicos, botas pesadas e bolsas com matelassê e tachas. Ah, e tudo em preto e branco e com estampas geométricas.

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A abordagem prática, comedida até, tem a ver com o mood pandêmico. Evita excessos que podem parecer insensíveis ou alienados e se conecta com a necessidade de um guarda-roupa minimamente criativo e sempre funcional. Mas não é só isso. As vendas da maison estão em queda desde 2016. Apesar de aclamados pela crítica e adorados por celebridades como Lady Gaga, os looks das passarelas representam muito pouco do que chega às lojas. A discrepância abala a imagem da grife e corrói sua coerência. Por isso, a volta da estética romântica-punk, mais jovem, despretensiosa e… Bom, facilmente assimilada.

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O estilo, no caso, deu muito certo comercialmente. Mas os tempos eram outros e a percepção sobre a Valentino também. A relação de muita gente com a moda e o consumo de luxo também mudou. Se a aplicação da fórmula antiga e já conhecida vai se mostrar à prova de data de vencimento, só vamos saber nos próximos meses.

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