Reinaldo Lourenço completa 40 anos de marca e fala com exclusividade sobre seu passado, presente e futuro
Dias antes do desfile comemorativo, no domingo (24.03), Reinaldo Lourenço relembra sua trajetória e comenta a moda de agora e sua nova coleção couture.
No próximo domingo (24.03), Reinaldo Lourenço lança sua nova coleção de sob medida. É a segunda apresentação da linha que o estilista chama de couture. A primeira, em março de 2023, colocou fim a seu hiato de três anos e meio longe das passarelas. A de agora, com um desfile no Auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo, celebra os 40 anos da marca.
Quatro décadas atrás, no entanto, quando o paulista natural de Presidente Prudente abria seu próprio negócio, decidiu focar no prêt-à-pôrter. Naquela época, fazer roupas de festa era complicado e caro de mais para o tipo de moda que Reinaldo gosta e tanto preza. “Ainda é muito difícil, o trabalho manual está cada dia mais escasso, mas é o que eu amo. Fazer o que?”, fala.
Leia mais: A volta de reinaldo lourenço à passarela
Sentado à sua mesa na sala de costura, onde costureiras terminam de bordar uma capa com padrão de leopardo – “todas as pintas são de pequenos canutilhos” –, o designer diz estar cansado do atual ritmo do mercado. “É muita coleção, muita roupa. Será que vou aguentar? Estou com 62 anos. Às vezes penso que pode ser, assim, teoricamente, uma preparação para um trabalho mais artesanal e em outro tempo.”
Dias antes da apresentação do dia 24 de março, Reinaldo fez uma breve pausa nos preparativos finais da coleção para conversar sobre seu passado, trajetória e o que pensa da moda de agora.
Reinaldo, desde muito cedo na infância você já mostrava interesse por moda, começou a fazer suas próprias roupas bem cedo. Você consegue identificar o que pode ter iniciado essa paixão?
Naquela época (nos anos 1960), não tinha um prêt-à-porter muito desenvolvido. Em Presidente Prudente, menos ainda. Então, minha mãe (a professora Dirce) chamava uma costureira (chamada Ruth) em casa para fazer nossas roupas para a estação. Como não tinha onde comprar, conforme a gente crescia, precisava refazer tudo. Minha mãe também costurava, então ficava ela e Ruth lá por uns 15 dias, às vezes um mês, e eu sempre junto, olhando tudo, observando, dando palpites. Fui aprendendo assim. Com 13 anos já fazia minhas roupas. Com 14 ou 15, comecei a fazer minhas camisas (uma peça querida e emblemática do estilo de Reinaldo Lourenço) e vendia para todos os meus amigos.
Foi nessa época que você transformou seu quarto numa espécie de loja? O que vendia lá?
Olha, nem lembro. Tinha uma confecção que chamava Beth Bricio, no Rio, onde comprava algumas coisas. Também comprava roupas no Itaim Bibi, em São Paulo. E não eram roupas muito elaboradas. Na época, já tinha Maria Bonita, George Henri, já tinha a Gloria (Coelho). Mas eu não conhecia.
Como sou do interior, tinha uma visão não tão abrangente. Minhas informações de moda vinham da Cristina Franco, da TV Globo e dos poucos jornais que falavam sobre o assunto. Eu não sabia das revistas. Minha mãe só lia Burda, uma revista que publicava moldes de roupas.
Aí, vendia o que comprava para minhas amigas. Fiquei uns dois anos vendendo roupa no meu quarto. Até que uma amiga mais velha falou assim: “Olha, Reinaldo, se você continuar aqui, vai virar um boutiqueiro”, que era como a gente se referia ao dono de uma boutique da cidade. Foi quando percebi que não queria aquilo para minha vida. Queria ser estilista.
Quando tinha 18 anos, fui apresentado para Gloria (Coelho) por uma amiga em comum. Alguns meses depois, já tinha me mudado para São Paulo para ser estagiário dela. Acabei trabalhando por um ano assim. Lá, fiquei muito amigo da Leda Gorgone, que foi editora da ELLE, a primeira editora de vocês.
“Antigamente, as tendências tinham mais força – o que era chatíssimo. Tinha o comprimento exato, aquela cor, a silhueta daquele jeito. Hoje, é meio igual, só mais instantâneo. Agora, as coisas envelhecem muito rapidamente. Por isso, é cada vez mais importante fazer um trabalho com uma identidade sólida e que não seja movido apenas por tendências.”
Antes, quando a Leda assumiu a direção da revista Claudia, fui convidado para ser produtor de moda da Costanza (Pascolato), que era editora da Claudia Moda. Mas logo percebi que não era o meu negócio. Viajava toda hora, ia para cima e para baixo atrás de roupas. E a Constanza sempre ficava brava comigo, porque queria mudar o briefing. Queria cortar a roupa, refazer, queria imprimir minha personalidade. Durei uns seis meses. E comecei a fazer camisas – sempre fiz camisa muito bem.
Até hoje, é uma peça importante no repertório da marca.
Sim, mas eram camisas masculinas. Tinha um fornecedor, lá na Rua Augusta, aí eu fazia e vendia para todo mundo. Comecei a vender nas lojas masculinas até lá por 1983 ou 84, decidi que queria fazer roupa feminina.
Mas antes teve a história do vestido de chita que a Costanza encomendou, não? Foi ali que você pegou o gosto pela criação feminina?
A Constanza me ligou e disse: “Reinaldo, vou fazer uma matéria sobre roupas que se transformam, na Claudia Moda, e queria dar um review seu junto. Fui lá na Rua 25 de Março comprar tecido e fiz um vestido bem anos 1980. Era um vestido de chita, um vestido que virava pareô ou vice-versa. Fiz uns 80 ou 90, porque era pronta-entrega, na época não tinha pedido sob encomenda. Depois que a revista saiu, eu vendia 100 vestidos por semana. Foi aí que tudo começou, que virei o jovem estilista do momento.
Foto: Pablo Rosa
Você nunca mais quis fazer roupa masculina?
Fiz umas três, quatro coleções masculinas. Fiz um desfile com todos os meninos fazendo pose, com marca de sol, tudo muito sexy – tudo muito louco demais para aquela época. Aí, vi que não valia a pena fazer só porque eu gosto. Era difícil fazer duas coleções por estação, e o masculino vendia muito menos.
Decidi me concentrar em fazer um produto cada vez melhor. Gosto muito de costura. Coleciono roupas antigas, estudo elas, viro do avesso, abro e aprendo muito assim. Fui meio autodidata, comecei lá trás, com a minha e a Ruth, bem caseiro, e, quando vim para São Paulo, comecei a aprimorar meu trabalho.
Você chegou a fazer alguma graduação, algum curso? Imagino que tenha feito os da professora Marie Rucki, do Studio Berçot, de Paris, que a Casa Rhodia trouxe para cá.
Fiz todos os cursos da Marie Rucki aqui no Brasil. Depois, fiquei amigo dela. A gente viajava junto. Ela vinha para o Brasil ficar e ficava em casa. Eu ia com ela para Bahia, ia com ela não sei para onde. Ficamos muito próximos. E ela me ensinou muita coisa. Ela me fez pensar no fio da moda, que essa linha que atravessa várias referências e podem definir estilos, movimentos estéticos e tendências. A Marie Rucki me mostrou como dar sentido a todas as coisas que vejo, que me interessam e que acontecem no mundo.
“Estamos fazendo duas coleções ao mesmo tempo. A do desfile e a de prêt-à-porter, que é totalmente racional – tem preço médio, o briefing que recebo do comercial mais uma série de limitações. Aqui, posso fazer o que eu quero.”
EM uma entrevista com a Gloria Coelho, publicada para o Vol. 15 da ELLE impressa, ela fala bastante sobre a disciplina que a Marie Rucki proporcionou a vocês – o método criativo de sentir, perceber elementos e influências das mais diversas e encaixar tudo numa mesma linguagem visual. Num mundo cada vez mais acelerado, imediato e simultâneo, como esse processo funciona? O fio da moda encurtou?
Encurtou. Antigamente, as tendências tinham mais força – o que era chatíssimo. Tinha o comprimento exato, aquela cor, a silhueta daquele jeito. E o acesso às informações era restrito. Os desfiles aconteciam em Paris e só recebíamos fotos e textos seis meses depois. Mas eu não aguentava, comprava as fotos que o Fernando Lousa fazia lá para poder olhar tudo antes. Depois, eu mesmo comecei a ir para os desfiles na Europa. Eu e vários brasileiros. A gente era jovem, era tudo mais fácil. O Fernando dizia que éramos seus assistentes para nos colocar dentro das salas.
Hoje, é meio igual, só mais instantâneo. Agora, as coisas envelhecem muito rapidamente. Por isso, é cada vez mais importante fazer um trabalho com uma identidade sólida e que não seja movido apenas por tendências.
Leia mais: Na moda e na vida pessoal/profissional, tudo junto e misturado, é preciso aprender a parar as máquinas
Como esse processo de entendimento, construção e solidificação da sua identidade criativa?
Eu fiquei 16 anos na sombra da Gloria. Ela era 11 anos mais velha, muito talentosa…
Você já conhecia a Gloria, a Gloria estilista, antes de a encontrar naquela festa de fim de ano, em 1981?
Não. Já ouvia falar na G (nome inicial da marca de Gloria Coelho), porque tinha amigas que compravam lá. Aí, encontrei ela na casa da Verane (Murad), numa festa de Réveillon, em que o Cauby Peixoto cantou a noite inteira. Era aquela coisa de interior, Presidente Prudente, tudo fazendeiro. E aí, vejo ela com um vestido de renda marrom, todo bordado de dourado. Achei aquilo um absurdo. Não conseguia tirar os olhos dela, não estava nem aí para o Cauby. Então, por alguns anos tive uma influência muito grande da Gloria. Levou algum tempo para eu me distanciar e achar minha própria identidade. Hoje, acho que a gente é completamente diferente.
Na coleção que veremos no domingo, alguns traços dessa identidade só sua vão ter destaque? Rolou uma coisa meio vale a pena ver de novo?
Eu recorri a algumas coisas que sempre faço, as tiras, as flores, os laços, os vazados, mas é tudo criação nova. Começamos a fazer em junho do ano passado. Fiz uma pausa para viajar a Veneza, onde passei meu aniversário, e conversei muito com o Pedro (Lourenço, filho do casamento de Reinaldo com Gloria Coelho). Ele me ajuda bastante hoje em dia. Inclusive está ajudando com esta coleção. Aí, fui pesquisar minhas vontades e, quando voltei, retomamos os trabalhos.
Leia mais: A memória surge como tendência e qualidade primordial de uma moda feita exclusivamente por e para pessoas
Pelo o que você me mostrou ainda falta um pouquinho…
Ainda falta muita coisa. E estamos fazendo duas coleções ao mesmo tempo. A do desfile e a de prêt-à-porter, que é totalmente racional – tem preço médio, o briefing que recebo do comercial mais uma série de limitações. Aqui, posso fazer o que eu quero.
É sua válvula de escape.
Graças a Deus, sou um dos poucos estilistas que tem um ateliê dentro da empresa. Mesmo que seja uma coisa superonerosa, é essencial. Adoro isso, adoro ficar aqui na fábrica. Posso testar novas técnicas de costura, novos tipos de aviamento, novas maquetes têxteis, novas formas de bordados. Fazer uma roupa que valha a pena e não seja idêntica às outras que existem no mundo. E vamos combinar, né, tem muita roupa no mundo.
A dedicação maior com a linha couture, de roupas sob medida tem a ver com esse excesso de produtos? É uma demanda que você percebe nas suas clientes?
Tem cliente que precisa, tem cliente que gosta. Para mim, tem mais a ver com um pensamento de futuro. Não sei até quando vou continuar fazendo isso. É muita coleção, muita roupa. Será que vou aguentar? Estou com 62 anos. Às vezes penso que pode ser, assim, teoricamente, uma preparação para um trabalho mais artesanal e em outro tempo.
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes